Diálogos

Carolina Rodrigues | escritora e jornalista
Frestas
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4 min readDec 6, 2018

Hoje eu amanheci com a garganta irritada. Em meio aos compromissos agendados para a manhã de uma plena segunda-feira, optei por reajustar o despertador, me enrolar nas cobertas novamente e dormir por mais 57 minutos.

Acordei, mas a vontade de ficar na cama o dia inteiro ficou me perseguindo e, assim, eu entrei em uma luta interna entre querer e poder, entre sim e não, entre escolhas e imposições. O diálogo na minha cabeça era mais ou menos assim:

_ Pelo amor de Deus, deixa eu dormir, só mais dez minutinhos.

_ Eu não sei se você lembra, mas você já matou a aula de yoga de hoje para dormir bem mais que dez minutinhos.

_ Você que não se lembra, eu só faltei a aula porque acordei com a garganta irritada. E já que eu não fui mesmo, não preciso levantar agora.

_ Alto lá, garotinha, você tem muitas outras coisas para resolver. Hoje é só segunda-feira, você teve o final de semana inteiro para descansar. Agora é hora de agir. Esqueceu que você tem texto para entregar, ajudar sua mãe com as publicações da página Ninabel — que, aliás, você está a meses sem postar, que vergonha –, estudar para o processo seletivo do mestrado, ir na academia. Ah, tem que ir trabalhar também, e com sorriso no rosto.

A advertência foi interrompida com um alarme no celular que me lembrava de uma das tantas obrigações a serem feitas hoje. Tive que dar o braço a torcer para a razão. Engoli um café quente para dar uma aliviada na garganta, liguei o notebook e comecei a “agir”. Agir entre aspas mesmo, porque, na verdade, eu entrei de novo no piloto automático, deixando de ter domínio sobre minhas atitudes.

Deixa eu dormir, só mais dez minutinhos

De supetão, um som recuou profundamente em meu peito, como se um sino, daqueles de igreja, tivesse vibrado dentro de mim. Uma chacoalhada interna, digamos, meio brusca, mas necessária, para me fazer acordar em mim mesma. Outro diálogo interno; desta vez, um pouco diferente:

_ ACOOOOORDA!!! Acorda, mulher! Você acha que a vida é só cumprir agenda? Esqueceu que viver consiste em estar totalmente presente, em se entregar de corpo e alma em cada atividade? Os sintomas físicos de dores e desconfortos nada mais são do que um grito interno de que algo não vai bem, de que você se distanciou de si mesma, da sua natureza interior.

_ Eu sei disso, mas você não está vendo que eu tenho que terminar de fazer esse trabalho e que a não finalização dele pode trazer várias consequências, as quais não estou disposta a pagar?

_ Você já está pagando um alto preço por deixar a correnteza da vida te levar dessa forma. Um turbilhão de afazeres que, no final das contas, perdeu a relevância, visto que você faz tudo de forma automática. Eu não estou dizendo que você não deve fazer o que tem que fazer. Ao contrário, eu quero que você faça com toda sua potência, com entrega e dedicação. Assim, fará valer a pena cada segundo que deixou de fazer inúmeras outras coisas. É preciso intenção em cada ação, pequena ou grande. Isso faz cada coisa valer a pena. Ou, até mesmo, te mostra que você deveria deixar algumas coisas de lado, dar uma redirecionada em outras, ou ainda, delegar para outrem. Com consciência e presença, você percebe o que é e o que não é para você; o que merece maior ou menor atenção; o que é importante, o que é essencial e o que é imprescindível.

_ Você tem razão. É que, às vezes, para não dizer sempre, eu me vejo sendo empurrada em meio a tantos afazeres, e esqueço como é viver com tal consciência e presença. Acabo deixando escapar entre meus dedos a simplicidade da felicidade.

O silêncio penetrou sorrateiramente e deu vez a uma paz enorme. Veio também a certeza de que foi dado um novo passo rumo à essa tal consciência. Essa voz, eu chamo de sabedoria interna, que todos nós temos. Ela costuma sussurrar, mas também sabe gritar quando fica muito tempo de escanteio. Ela é como um lampejo de luz sobre a escuridão. Ela é flor no deserto. Ela é o próprio pote de ouro no final do arco-íris — ambos estão dentro de nós mesmos, e às vezes a “chuva” ou a “tempestade” vêm só para que eles fiquem ainda mais visíveis, como essa dorzinha de garganta, que ainda insiste em me acompanhar nesse dia.

Que tal escutar um pouco o que sua sabedoria interna está dizendo? Ela é, sem dúvidas, a porta para dias melhores, com mais consciência e presença, dois ingredientes simples, mas que fazem um bem danado para aqueles que almejam genuína felicidade.

Que tal escutar um pouco o que sua sabedoria interna está dizendo?

*Imagens Pixabay

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Carolina Rodrigues | escritora e jornalista
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Jornalista por formação. Contadora de histórias por vocação.