Do que você precisa se lembrar?
Lucas Pires para o Frestas Convida
Humanamente, somos criaturas do esquecimento.
A gente se esquece de respirar quando a ansiedade nos assola. Ficamos em pânico, mergulhamos em angústia e nos perdemos em meio a tantos pensamentos, o que é normal para alguém ansioso. Mas nem sempre nos lembramos que respirar fundo por três vezes, tomar um banho na temperatura ideal, fazer um chá e nos recolhermos em nosso cantinho, pode ser o melhor remédio para acalmar e desacelerar a mente e o coração.
A gente se esquece que a vida pode ser leve quando pedimos ajuda. Que ela é sim cruel e insuportável muitas vezes, que a realidade pode ser pesada e nos assola. Mas que um telefonema, uma mensagem, uma chamada de vídeo, um abraço ou qualquer outra forma de carinho pode ser o que nos salva. Pedir ajuda é compartilhar os fardos que pesam. A vida é muito pior quando nos fechamos em nosso mundinho sendo que precisamos uns dos outros pra sobreviver.
A gente se esquece que a tristeza é apenas uma parte de toda realidade. Embora ela seja real ao ponto de parecer que podemos tocá-la, ela ainda é só um sentimento no meio de tantos que nos permeiam. Ela faz parte da imensa realidade que somos e apesar de senti-la, nós não somos ela. Não nos lembramos que a tristeza sempre está ali nos ensinando algo e que talvez seja essa a sua função na revelação de nossas dores: entender como e o porquê nos ferimos. A compreensão e o diálogo com ela pode ser também a sua cura.
A gente se esquece como superar amores. Nos perdemos na luta por um carinho inevitável que cultivamos e não percebemos que a melhor maneira de continuarmos é aceitar os bons sentimentos que guardamos apesar de possíveis más experiências vividas. Apesar de frustrações e decepções o amor ainda pode ser latente. Emaná-lo na iminência das lembranças pode ser libertador.
A gente se esquece que quando estamos cansados, o segredo é descansar. As escolhas feitas quando estamos exauridos são susceptíveis a erros. Cabeça cansada não consegue pensar com clareza e a sugestão da desistência é uma constante nessas situações. Por isso, quando sentimos cansaço, o melhor é descansar, e não desistir.
A gente se esquece que o tempo é mestre e que ele muda o tempo todo. Que todas as realidades são apenas momentos. Tudo é mutável e volúvel. E por mais que as realidades duras pareçam se prolongar, elas também passam. Tudo é uma fase.
Certa vez eu fiz uma lista de coisas que eu não podia esquecer jamais: tirar os sapatos e tocar o chão com os pés, caminhar na beira de uma lagoa, cultivar flores, tocar aquela playlist que gosto ou ainda fazer uma prece. Delicadezas para comigo mesmo me relembrando que às vezes estou angustiado só porque estou acelerado, me lembrando que eu não preciso me bancar de forte o tempo todo, que a vida é uma alternância de momentos tristes e alegres e que aceitar todas essas realidades me faz trilhar um caminho mais leve.
A vida não é bela sempre. Não temos a obrigação de sorrir o tempo todo, de ser feliz todos os dias da semana, estar em dia com o feed da rede social ou se mostrar o bem resolvido em todas dimensões de nossas vivências. Temos nossos conflitos e é legítimo que os vivamos. Mas que a gente não esqueça das delicadezas que precisamos ter conosco para não nos perdermos quando a vida aperta.
E você? Do que precisa se lembrar hoje?
Lucas Pires, funcionário público, militante da luta anti-opressão e escritor. Atuo como técnico-administrativo em educação na Universidade Federal de Uberlândia, sendo técnico de laboratório em química e estou hoje na coordenação de cultura do campus da universidade em Patos de Minas. Componho o sindicato da minha categoria (SINTET-UFU), na coordenação de políticas sociais e antirracistas. No meu perfil no Instagram (@uailucaspires), divulgo parte deste trabalho e a produção literária que desenvolvo.
