Farinha láctea

Luisa Caleffi para o Frestas Convida

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2 min readSep 18, 2020

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“Tá frio né mãe, posso faltar hoje?”; “Tô com dor de barriga hoje mãe, vou deitar mais 5 minutos, tá?”; “Quero tomar café na cama mãe, posso?”; “Deixa eu dormir mais um pouquinho mãe?”.

A gente já sabia a resposta para todas essas perguntas: “Não. Põe uma blusa a mais e vai.”; “ Tá com dor de barriga vai no banheiro, mas levanta já que você está atrasada.”; “Se cair um A na cama e vier formiga a noite você vai dormir com elas!”; “Se você dormir mais vai chegar atrasada e não vai entrar na primeira aula. Se você perder a primeira aula vai apanhar”.

Mas pouco importava a resposta. O que a gente sabia era que qualquer uma daquelas perguntas significava FARINHA LÁCTEA. Como uma espécie de código, sabe? Criança tem muito disso. E minha mãe sabia. Pelo menos em casa era assim. Eu e meus irmãos tínhamos vários e sabíamos o que nossos pais queriam ou a próxima frase de cada um usando os códigos. A farinha láctea não era diferente.

Minha mãe não deixava a gente comer todos os dias. Primeiro porque era caro. Segundo porque eram três canecas de farinha láctea cada vez que ela fazia, e se ela fizesse todo dia a lata não durava uma semana. Terceiro porque prendia o intestino. E não precisamos de mais justificativas, né? Mas fato era que, como não era todo dia, o dia da farinha láctea era especial. Tinha que ser especial. E Cidoca fazia isso como ninguém.

Imagem: Freepik

Era só algum dos três fazer alguma dessas perguntas e ela sabia que aquele dia o café da manhã seria farinha láctea. E na cama. Três canecas, vamos lá: “O Fabricio toma nessa aqui, de vidro. Até a boca! A Rafaela e a Luisa tomam nessas aqui de plástico. A Rafaela gosta até a metade, mais leite do que farinha. A Luisa gosta de mais farinha do que leite, para ficar durinha embaixo”. E assim ela entregava a caneca de cada um.

Eu nunca, NUNCA consegui fazer uma farinha que ficasse durinha embaixo. Ela já me explicou, já me viu fazer, já me ensinou, mas não adianta. Ou exagero no leite ou na farinha. Ela tem a medida certa. Aliás, ela sempre teve a medida certa de (quase) tudo. A lata de farinha sempre durou muito mais que uma semana. E a gente (quase) nunca perdia a primeira aula.

Luisa Caleffi é comunicadora por escolha e natureza. Por formação, jornalista e modelo. Atualmente se divide entre fotos, vídeos, freelas, analista de mídias sociais, testa receitas com sua mãe no Instagram (@luisacaleffi) e tenta praticar yoga todos os dias. Não recusa comida e uma boa prosa. Apaixonada pela vida, amigos, família e pipoca!

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Crônicas do cotidiano para refletir e ser uma fresta no seu dia a dia.