História de contadora

Carolina Rodrigues
Frestas
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4 min readSep 30, 2020

Desde que eu li o livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés, eu também passei a me reconhecer como uma “contadora de histórias”. Recordo que, quando li esse termo pela primeira vez, meus olhos brilharam como nunca antes; era como se aquela expressão também estivesse me procurando para se valer de seu sentido mais puro e, talvez, naquele momento, começar a me despertar para o que costumam chamar de propósito.

Este primeiro momento coincidiu com o fato de estar finalizando o curso de jornalismo; época também em que o tal jornalismo literário arrebatou meu coração de vez [para quem desconhece, trata de uma vertente jornalística que se utiliza de recursos literários para uma narrativa envolvente, profunda, humana e esteticamente cativante — vale dar uma chance para Eliane Brum, Truman Capote, Gay Talese e companhia]. Pensei que, talvez, meu caminho enquanto contadora fosse narrar as tantas histórias cotidianas passíveis de verdadeiras narrativas ficcionais. Mas a vida foi apresentando outros caminhos e a ideia acabou por ficar em stand by.

Imagem: Pixabay

Trabalhei por um período curto em jornal televisivo e outro tanto de tempo em jornal impresso diário. Infelizmente, nesses locais tive que refrear, por incontáveis vezes, a contadora que me habita e saudava cada nova oportunidade de escutar por longas horas uma boa história real.

“Chega! Jornal não é para mim”.

Minha saúde emocional ia sendo corroída pela superficialidade no trato das histórias. Na primeira oportunidade, abandonei o jornalismo convencional [para, quiçá, não mais voltar]. Nunca tive aquele pensamento de que devo trabalhar para sempre na área de formação; no entanto, levo o jornalismo onde quer que coloque meu foco e dedicação.

Este segundo momento coincidiu com o interesse genuíno de aprofundar nos estudos em psicologia [e não qualquer psicologia, mas a analítica junguiana, justamente a que fundamenta Mulheres que correm com os lobos]. Talvez já fosse maquinação inconsciente da contadora que se conserva ilesa no meu íntimo. Só sei que, em pouco tempo, conceitos como arquétipos, inconsciente coletivo, self e individuação passaram a fazer parte do meu cotidiano.

“E se eu pudesse unir psicologia analítica e jornalismo?”.

E com essa pergunta indecente eu vim parar nos corredores da pós-graduação de psicologia. Novamente, me aprazia pelas salas de aula da universidade que me acolheu nos primeiros anos da juventude. E meus ouvidos se atentavam para as histórias dos tantos psicólogos, bem como suas motivações mais profundas para escolherem estar em um mestrado.

“Quem sabe aqui eu possa dar vazão a uma nova forma de contar histórias?”.

Com o passar dos meses, a empolgação foi dando vez a uma sensação de impotência, e eu diria até um certo desespero. Prazos de publicação, normas de formatação, linguagem científica e tantos outros pormenores que escravizam e castram a criatividade inerente ao meu processo. E mais uma vez a “contação” de histórias ficava para depois, para quando, sabe Deus, sobrasse um tempinho.

Este terceiro momento coincidiu com o descortinar das terapias holísticas, a começar pelo Reiki, uma das mais lindas descobertas da minha vida. E nesse processo, pude me conectar a tantas pessoas, com histórias alegres, tristes, inspiradoras, icônicas, surpreendentes, emocionantes, corriqueiras, fantasiosas, incomuns, assombrosas, intrigantes e encantadoras.

Ouvir os “causos” cotidianos me nutre. O excepcional no ordinário me fascina. Quando eu escuto “menina, minha história dá um livro”, o coração já sabe que vem aventura das boas. E aí a vontade de metamorfosear isso em narrativa é quase uma súplica da alma.

Confesso que ainda tenho deixado a alma na “mão”. Vez ou outra a ideia de escrever um livro ou criar um projeto de narrativas irrompe meu consciente. E aqui, novamente, ao escrever [e reviver] tudo isso, eu me defronto com a contadora; ela suspira “ah, o Frestas é um respiro para mim”, e sussurra ao pé do ouvido, “mas deixa de conversa fiada que eu vou te (re)contar uma história sobre propósito…”.

Imagem: Pixabay

Uma observação:

Em tempo, tem uma semana que a contadora está martelando na cabeça coisas do tipo: “E se a gente escrever um livro de crônicas?”; “Ah, uma página no Instagram com poesias cotidianas não seria ótima ideia?”; “Já pensou contar aquela história que mais parece ficção? As pessoas não iam nem acreditar que é verdade”; “Sabia que você pode até escrever cartas ou um diário de bordo? Isso também é contar histórias”…

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Carolina Rodrigues
Frestas
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Jornalista por formação. Contadora de histórias e estórias por vocação.