“Aí sim fomos surpreendidos outra vez”

Gabriel Loureiro
Friday Night Talks
Published in
5 min readAug 10, 2018
A eleição presidencial de 2018 tem proporcionado uma expansão de vários fenômenos políticos nacionais. (Fonte da charge: https://www.brasildefato.com.br/node/9992/)

Ao tomar um banho tático da seleção holandesa na Copa do Mundo de Futebol em 1974, o então treinador da seleção brasileira Zagallo proferiu a brilhante frase que estampa o título desta publicação. Deste então, a frase que ilustra espanto com coisas facilmente previsíveis foi eternizada no imaginário cultural do brasileiro. As eleições de 2018 tem sido o exemplo prático disso.

Ano passado observamos a aprovação da reforma eleitoral estarrecidos — pelo menos os que se encontravam conscientes no momento. Qualquer indivíduo com conhecimento do cenário político brasileiro já tinha entendido que na verdade a suposta reforma era uma “mudança para mais do mesmo”. Lembro bem de estar acompanhando a votação do projeto de lei na câmara dos deputados — tarde da noite, cabe ressaltar — e começar a rir sozinho. Eu estava rindo de nervoso. Aquilo era o resultado da “luta” da classe política pela manutenção do seu status quo. Afinal de contas, quem não se lembra da cena abaixo ocorrida em 2013? Se você fosse um deputado, não se assustaria?

17/06/2013 — O brasileiro parecia estar “meio bolado” com a plítica. Foto: Fabiano Costa / G1

Então os padrões brasileiros de política foram atualizados — e reforçados. A máquina montada foi feita para não permitir que nada de novo surgisse e o velho fosse mantido. Resultado? Os fenômenos típicos da real politikbrasileira foram aumentados a níveis estratosféricos.

Um mês atrás observamos a black friday brasileirense na sua melhor, e pior, forma. Os deputados federais aprovaram inúmeros projetos que simplesmente matam o teto fiscal — recentemente aprovado — a facadas nas costas. Esse movimento não é nenhuma novidade da política brasileira. De 4 em 4 anos isso se repete: aprovar todos os gastos do próximo governo antes dele assumir. Só que por culpa da reforma, ninguém sabe qual vai ser o próximo governo. Resultado: estão aprovando gastos para todoS oS próximoS governoS. Deus tenha misericórdia das contas públicas dessa nação.

Outro fenômeno típico da política brasileira é a esquizofrenia. Exemplo? Os mesmo deputados e senadores que aprovaram a PEC do teto dos gastos estão conspirando contra ela. Dá para entender? Não. Outro exemplo são as coligações. Muito tem se falado do apoio do “centrão” a candidatura do candidato pindamonhangabense a presidência da república. Esse mesmo grupo de partidos estava negociando apoio ao candidato Ciro Gomes, diametralmente oposto ao candidato tucano. Vai entender…

Ana Amélia, Kátia Abreu, Manuela D’Ávila, Sonia Guajajara e Suelene Nascimento — todas candidatas a vice-presidéncia em 2018. (Adriano Machado/Reuters — Marcelo Camargo/Agência Brasil — Midia Ninja/Flickr/Divulgação)

Mais uma jabuticaba: no Brasil sempre existiu alguma diferença entre os votos da mulheres e dos homens. Sempre mesmo. Só que dessa vez as coisas parecem ter saído um pouco do controle. Em recente coluna publicada no site da revista Piauí, José Roberto de Toledo mostrou como o futuro da eleição presidencial de 2018 está na mão das mulheres, segundo o IBOPE. O candidato Jair Bolsonaro e líder nas pesquisas — no cenário sem Lula — concentra, e muito, o voto dos homens. Ganha de lavada. Agora entre o público feminino a história é completamente diferente. Inclusive a maioria das mulheres entrevistadas não sabem ainda em quem vão votar ou indicaram Marina como sua candidata preferida. Bolsonaro poderia tentar apostar em uma vice mulher para tentar agradar o público feminino — repare que eu disse “tentar”. Mas o ex-capitão do exército quer tanto vender a imagem de outsider que aceitou outro militar na sua chapa.

Outsider que sempre existiu nas eleições presidenciais tupiniquins, pelo menos em tentativa: Silvio Santos, Éneas, Thereza Ruiz, Eymael, Ana Maria Rangel, Plínio, Levy… A lista histórica é extensa, mas nessa eleição temos nada mais e nada menos que quatro principais candidatos que tentam se vender assim: Bolsonaro, Cabo Daciolo, João Amoedo e Álvaro Dias (que é Senador).

Outro fato marcante nas eleições brasileiras é a diferença entre os votos do norte e do sul. Desde 2002 vemos observando uma grande guerra entre PSDB, apostando nos votos do Sul e Sudeste, e o PT, botando as fichas nos votos do Norte e Nordeste, para ganhar as eleições. Dessa vez não é diferente. Escanteando Bolsonaro, todos os candidatos tem apostado no seu habitat para ganhar as eleições. Por exemplo: desde que viraram pré-candidatos oficialmente, Alckmin ainda não fez campanha no Nordeste e Ciro não tentou se vender para o público do Sul- Sudeste. Faço exceção a candidato do PSL pois ele dedicou uma equipe de edição de vídeos somente para fazer publicações direcionadas ao público do Norte-Nordeste.

Também não podemos esquecer da candidata que está sempre presente desde 2010: Marina Silva. E sempre com o mesmo movimento: destaca-se no início das pesquisas e entra em queda livre quando as campanhas começam pra valer. Esse ano a queda começou até mais cedo, inclusive.

E para finalizar temos a autofagia da esquerda brasileira. Desde 1994 temos no cenário mais a esquerda da política brasileira PT, PDT, PCO, PSTU, PCdoB e PSOL — este último é mais recente. E nunca tivemos todos esses partidos juntos numa chapa ou apoiando-se em segundo turno. Do outro lado é fácil encontrarmos alianças entre DEM, PSDB, MDB, PPS, PTB e PP para evitar que alguém do outro lado ganhe. O recente movimento de Lula demorando a indicar a Haddad como seu sucessor e deixando Ciro Gomes sem apoio escancarou como a esquerda brasileira sempre está se “não ajudando”. Lula gritou de Curitiba o que todos os partidos da esquerda brasileira gritam sempre: ou eu, ou ninguém.

Aparentemente a única mudança que tivemos nessas eleições de 2018 só agrada ao IBOPE. Sempre que foi candidato Levy Fidelix sempre tentou impedir a publicação das pesquisas de intenção de voto. Segundo ele seu nome nunca era mencionado pelos entrevistadores. Pois bem, esse ano não teremos aerotrem no horário eleitoral.

Originalmente publicado no perfil Friday Night Talks !

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