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Como o filme “Pantera Negra” pode ser interpretado como uma alegoria da história da política externa americana

Bruno Pedrosa
Friday Night Talks
Published in
7 min readJul 23, 2018

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ATENÇÃO! ATENÇÃO! ALERTA DE SPOILERS!!!

Antes de começarem a ler, clique aqui para ter a trilha sonora da leitura.

Os mais próximos sabem que filmes de super-heróis nunca me chamaram tanta atenção assim. Mas com Pantera Negra foi diferente. Bem diferente.

Além de ser um filme importante pelo “black power” que ele traz, um ótimo elenco, há uma ótima história e uma trilha sonora incrível recheada de Kendrick Lamar, Czar, Travis Scott, Future, ou seja, uma benção. Como diz meu pastor Chance The Rapper, seems like blessings keep falling in my lap.

No entanto, não são as especificidades técnicas que eu farei atenção aqui, mas uma mensagem ideológicas trazidas por certos personagens nesse longa.

Apesar de tê-lo visto anteriormente e percebido como esse filme pode representar certos aspectos das relações internacionais, foi apenas na segunda vez, dessa vez prestando mais atenção nesse fator, que eu percebi como alguns personagens são bem ilustrativos para explicar o comportamento dos EUA perante ao internacional.

Antes disso, vamos ter um pouco de contextualização (de forma sintetizada) para entender as pressões, no sentido dado Jean Baptiste Duroselle em “Todo o Império Perecerá”, ou seja, forças organizadas, que agem no stablishment americano.

Herdeiro de uma cultura britânica, os EUA tem um espelhamento do debate entre os whigs e os tories (grupos políticos originalmente britânicos) em relação ao envolvimento internacional do Reino Unido.

Os primeiros eram a favor de um envolvimento maior do Reino Unido (RU) no cenário internacional. Isso tinha como justificativa o fato de que a potência insular europeia tinha responsabilidade para com o ambiente externo e seria uma peça importante para o equilíbrio do Concerto Europeu.

Já os últimos preferiam um envolvimento menor do RU na política continental, livrando-o de compromissos ou alianças que poderiam ser desfavoráveis aos interesses nacionais britânicos. Isso tem uma explicação pelo fato do ambiente externo não ter uma entidade superior de governo, ou seja, é, na teoria, imprevisível contrastando com a ordem e previsibilidade hierárquica interna. Duroselle chama isso, na sua obra supracitada, de elemento aleatório, ou seja, prever o futuro desse ambiente é uma tarefa praticamente impossível. Então, para os tories, é melhor não sair de casa e, se sair, só para o necessário.

Com isso, fica mais claro uma das origens do debate sobre qual deveria ser o comportamento americano em relação ao exterior.

Voltando ao Pantera Negra, pra essa análise falaremos de cinco personagens: Nakia (Lupita Nyong’o), W’Kabi (Daniel Kaluuya), “Killmonger” (Michael B. Jordan), N’Jobu (Sterling K. Brown) e T’Challa (Chadwik Boseman). Cada um desses personagens (exceto o T’Challa), representa um ideologia de como os americanos deveriam se portar com a política internacional e aqui tentarei expor isso.

Primeiro de tudo, a própria história de Wakanda parece com a história americana e com o mito fundador da moral americana. O principal elemento desse país é vibranium, um metal proveniente de um meteoro (algo não terreno, que vem dos céus) que torna Wakanda um país totalmente diferente dos outros. Tão diferente, que ao se comparar com o caos ao seu exterior, a nação decide se fechar para que os outros não possam disputar o vibranium e, desse modo, se desenvolverem.

Os EUA sempre se viram como uma nação diferente das outras, principalmente em relação à Europa. Por uma benção de Deus (assim como o meteoro, é uma coisa não terrena.), os americanos são virtuosos o suficiente para torná-los incomparáveis à Europa, que tinha comportamentos vis e corrompidos. Assim, os EUA se fecham ao mundo a fim, como Wakanda, olharem pra si e se desenvolverem.

Em relação aos personagens, segue a explicação:

Nakia: logo depois que T’Challa é coroado rei de Wakanda, Nakia, que vive na parte de fora do país, portanto vendo o caos que nele há, tenta convencer o rei a abrir a nação. Com argumentos que o mundo precisa de Wakanda, e que o país poderia ajudá-lo de forma cooperativa com tecnologia e recursos (já que ela percebe a importância que Wakanda teria num mundo caído e vil), Nakia pode ser considerada um espectro da ala dos whigs. Sem por questões morais, como outros personagens, Nakia vê Wakanda como uma responsável de trazer equilíbrio ao mundo.

W’Kabi: amigo próximo de T’Challa, W’Kabi é mais conservador (até ter contato com o Killmonger). Após a conversa com Nakia, o rei tem um diálogo parecido com esse personagem apresentando as ideias de Nakia. No entanto, defensor do isolacionismo de Wakanda, W’Kabi diz que o lugar do país é ele próprio e que a sua abertura poderia causar transtornos à população wakandiana, principalmente na questão de imigração. Desse modo, podemos ver que W’Kabi é a representação de um tory, ou seja, Wakanda por Wakanda, sem responsabilidades com o mundo exterior se preocupando com sua própria segurança.

N’Jobu e Killmonger: eu uni esses dois personagens por uma razão: os dois tem a mesma ideia, mas é “Killmonger” que tem um quase-êxito. Tudo começa quando N’Jobu vendo seus irmãos sofrerem (eles não diz quem são, mas eu interpretei como a população negra por sofrer racismo e a Àfrica, por ser majoritariamente negra, e ser o continente mais pobre), ele usaria o poder do vibranium e da teconologia de Wakanda pra redimir o sofrimento dos “irmãos” e impor um mundo mais justo dominado por Wakanda, já que Wakanda é moralmente superior devido ao seu sucesso sócio-econômico. Já Killmonger, filho de N’Jobu, ao saber que seu pai foi morto por Zuri (tio de T’Challa), a fim de manter o isolamento de Wakanda, decidiu vingar seu pai e por em prática essa ideologia. Vemos, então, que N’Jobu e Killmonger apesar de serem whigs eles não tem o mesmo caráter de Nakia. Eles são o que chama-se hoje de neoconservadores. Francis Fukuyama, em “O Dilema do Poder Americano”, diz esse espectro político acredita que democracia liberal seja a forma universal de governo e que os valores ocidentais são superiores àqueles que não são, e desse modo eles têm a responsabilidade de levaram isso ao resto do mundo. Isso se dá de maneira tão real que ações unilaterais, baseadas no poder americano, são tomadas a fim de produzir um mundo à imagem e semelhança americana. Desse modo, vê-se que Killmonger e N’Jobu queriam um mundo à imagem e semelhança wakandiana e que usariam do poder e tecnologia de Wakanda para que os valores e visão desse país fosse dispersados e, assim, redimir a terra. Killmonger até afirma que o sol nunca se porá em Wakanda depois dele se alçar ao poder, mostrando um discurso civilizatório (o mesmo usado pelo Império britânico no neocolonialismo do século XIX) por trás de suas intenções.

Já que apresentei os personagens que representam as ideias, falarei agora do próprio EUA, aquele que é influenciado pelas ideias e que é objetivo, tanto para o bem como para o mal, das pressões: T’Challa.

T’Challa, é o EUA e explicarei por quê. Vindo de um ambiente isolacionista, seguindo as tradições, T’Challa recebe sempre opiniões (lutas dos grupos políticos) de como agir. Seja de Nakia (whigs), seja de W’Kabi (tories) ou de forma mais agressiva, de Killmonger (neoconservadores), T’Challa é o alvo. Além disso, é possível interpretar, de forma geral, a evolução de T’Challa com o desenrolar das decisões americanas em relação à política externa.

Antes das guerras mundiais, as participações americanas em ações de grande porte no ambiente internacional foram poucas se comparadas à sua política no Hemisfério Ocidental, considerado “quintal” pelos americanos. Desse modo, apesar de ser o país com a maior economia e com uma força militar considerável, os EUA, assim como Wakanda, se mantiveram fechados ao mundo até que momentos de crise os fizeram acordar.

No caso americano vemos que isso causado de forma mais ou menos bem-sucedida. Na primeira Guerra, por uma política de guerra submarina irrestrita por parte da Alemanha, os americanos se uniram à Entente a fim de proteger a liberdade nos mares. Com o fim da guerra e exaustão europeia, os EUA encabeçaram um processo de “Nova Ordem Mundial” cuja a grande estrela era a Sociedade das Nações que acabou fracassando pelo embargo do Congresso americano em romper com a tradição isolacionista jacksoniana.

Já na Segunda Guerra, depois do audacioso ataque de Pearl Harbor pelo Império Japonês, Washington não consegue mais ficar a parte do conflito global e sai de casa, mas dessa vez, nunca mais volta. Encabeçando, de novo, o mundo livre, os EUA foram o maestro da estruturação de um mundo que conhecemos hoje. ONU, Banco Mundial, OMC, e outros foram as obras dos Aliados, mas sempre com a autorização, iniciativa e legitimização americana. Ou seja, os EUA abriu as portas e são parte indispensável do mundo atual.

De forma parecida acontece com T’Challa. Depois de resistências pra se abrir ao mundo, T’Challa, só depois de uma crise, decide abrir Wakanda para o mundo com um discurso muito parecido com o de Nakia. A partir desse momento, T’Challa reconhece a importância que Wakanda tem no mundo, a importância de trazer o equilíbrio e restauração para um mundo devastado, assim como os EUA, com Wilson e Roosevelt/Truman, nos pós-guerras.

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