Liderança e Mentoria
Esse título é total clickbait. Vamos falar é de futebol.
Brincadeira, ele não é tão mal-intencionado assim. Quero falar da importância que um atleta consolidado pode ter para um atleta mais jovem.
Gianluigi Buffon é uma lenda nos gols.
Tá, eu sou goleira, mas se você sabe um mínimo de futebol você vai concordar comigo.
E se não sabe, acredita em mim.
A estreia de profissional dele foi com o Parma, aos 17 anos. Dezessete. Com dezenove, disputou a primeira Champions League, título que é um dos poucos que não alcançou. Vinte três anos de carreira coroada com todo tipo de prêmio e láurea possível.
É bem verdade que em seu último jogo pela taça mais desejada da Europa, Gigi Buffon teve um pequeno momento de raiva que resultou em sua expulsão. Mas cabe ressaltar que nas 14 disputas pela Europa esse foi o único vermelho dele.
Esse cara chegou do alto dos seus 40 anos no Paris Saint-German pra encontrar um cara do alto dos seus 26 anos: Neymar Jr. Esse dispensa apresentações, né?
(Buffon também, mas eu reconheço que nem todo mundo curte futebol. Reconheço, mas não entendo.)
Eu sei o que deve estar vindo na sua cabeça agora. Boa parte das pessoas que você conhece — e que você não conhece — e talvez até você mesmo fazendo críticas ao menino Neymar.
E agora reclamando que eu disse ‘menino’ Neymar.
Mas meu ponto é justamente esse. Desculpa vocês, mas do ponto de vista de um atleta, ele é um menino sim.
Eu sei que em todo esporte, a vida de federado e de algum nível de profissionalização começa cedo. Eu era considerada profissional no meu clube aos 13 anos. No futebol, há grandes campeonatos para atletas sub-15. E quem gosta, já acompanha a Copa São Paulo de Futebol Júnior — a Copinha — como acompanha a série A do Campeonato Brasileiro. E aqueles meninos são atletas sub-20.
É difícil de entender talvez para quem está de fora, mas a vida de um atleta muitas vezes se resume a treinar e competir. Suas responsabilidades são comer nas horas certas e como seu nutricionista mandou, dormir o quanto precisa, treinar como se não houvesse amanhã e respeitar seu técnico, a comissão, os staffs/apoio e seus colegas de equipe.
Vocês conseguem entender o quanto “pequena” essa visão pode ser? Você demora a desenvolver outras percepções da vida. Por outro lado, algumas das suas características vão ser segunda natureza: competitividade, responsabilidade, garra, força, paixão pelo que faz. Nem sempre vai ser um bom dia, mas ao longo do tempo você consegue entender que treinar é um ciclo, seu corpo não é uma máquina e você pode sim, fazer tudo certo e dar tudo errado.
Quer dizer, o anjinho na sua cabeça entende que é assim. O diabinho são os milhões de brasileiros dizendo que você não joga nada, que não entende porque essa idolatria toda, que pega no pé até do seu cabelo, como se você usasse chuteiras nele. Que não entende que se você rola no chão após uma pancada é para poupar seus músculos do choque e evitar lesões. Que te perturba até quando você chora, por sentir que o peso saiu dos seus ombros e os meses de preparo estão sim fazendo efeito.
E às vezes não dá pra ficar quieto. O povo fala de você em toda parte e você quer revidar. Você quer explicar que eles não sabem de nada no seu esforço, dos seus sacrifícios, da sua luta. Que só sabem criticar e fingir que nunca o fizeram quando vem a vitória.
E você faz isso porque você tem 20 e poucos anos. E sua vida sempre foi jogar e ser analisado e criticado.
Entra Buffon.
Da mesma forma que eu, quando fui informada de que deveria passar a treinar com os nadadores adultos da equipe e não mais com a minha categoria, Neymar está defronte a uma ótima oportunidade.
Um bom goleiro deve se manter calmo quando caras do naipe de Messi, Cavani, Ibra e Mbappé vem correndo em sua direção. Aprende ao longo da vida e da carreira que não é se jogar para onde parece que as coisas vão, mas sim entender rapidamente para onde elas de fato estão indo — Alô Muralha! Vê as coisas de outra perspectiva e consegue entender o que falta no jogo. Dada a oportunidade, é um líder natural. Camisa 1.
Carismático como sempre foi — e já demonstrou que continua sendo — acredito que ele pode ser o cara que o Neymar precisa nesse momento relativamente conturbado. Um jogador certo de si, experiente, confiante e lendário. Esse vestiário não vai ser mais o mesmo. Me dá suas luvas, Buffon!
É bem verdade que o goleiro não teve muitos baixos em sua carreira, mas soube se recuperar com ninguém quando os teve. Mas meu ponto é que jovens atletas procuram mesmo que sem saber um espelho, um guia, um objetivo a ser alcançado, uma inspiração. Eu sei que eu procurei. Acredito que não só o Neymar mas todos os jovens da equipe podem se beneficiar muito de uma liderança e mentoria desse calibre, mesmo que nem eles saibam que ela está ocorrendo.
As pequenas coisas do dia-a-dia de treinamentos, os incentivos, os toques, a camaradagem, criam essa conexão. Se bem aproveitada, um belo dia, anos depois você percebe o quanto aquela pessoa te influenciou.
Ou na temida zona mista, quando uma pergunta de um jornalista te faz realizar o que não estava claro. Ou quando um outro jornalista é um completo mal-educado e você já não reage mais com palavras duras ou xingando muito no twitter.
Você não precisa mais disso.
Você não é mais um menino.
Assina: Raphu Amorim