Neomonroísmo e a Nova Equidistância Pragmática

Como a disputa entre Pequim e Washington pela América do Sul pode gerar benefícios para o Brasil ?

Bruno Pedrosa
Friday Night Talks
Published in
5 min readAug 17, 2018

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O secretário de Defesa está dando um giro na América do Sul. James Mattis, começando pelo Brasil, está tentando correr atrás do prejuízo deixado pela negligência dos EUA gerado pela política externa isolacionista de Donald Trump. No entanto, isso não está sendo um movimento novo. Em junho, desse ano, o vice de Donald, Mike Pence, deu uma passada na América do Sul preparando o terreno para uma visita mais intensa de Mattis.

Mas por que isso está acontecendo? É essa questão que tentarei explica aqui. A resposta básica e mais rápida seria a China, mas há mais do que isso.

Com a guinada jacksoniana dada por Donald Trump na política externa americana, os sul-americanos sentiram a falta do Grande Irmão do Norte. Na gerência de Barack Obama, apesar de estar mais preocupado com Putin, Assad e o autoproclamado Estado Islâmico, o ex-presidente manteve a mínima presença na politicagem da América do Sul participando das negociações do Tratado Transpacífico e até mesmo recebendo a ex-presidente Dilma Rousseff em uma visita oficial nos EUA.

Esse olho no peixe e outro do no gato de Obama aconteceu porque ele e seu corpo político sabiam que o maior perigo à influência americana na região vinha do Oriente e sabiam que, se tratando de países carentes de investimentos e dinheiro como os do nosso subcontinente, quem tem fome tem pressa. Desse modo, a capacidade da China de financiar projetos nos países do sul americano, de oferecer-lhes créditos e de dar uma maior atenção às suas carências são cartões de convite para a entrada de Pequim à Brasília, Buenos Aires, Bogotá e outros.

No entanto, parece que Trump se esqueceu disso, apesar da Casa Branca ter admitido que 2018 seria o ano das Américas. Com um discurso anti-imigratório, com foco nos latino-americanos, a negligência americana somada à antipatia dos governos latinos com o atual presidente americano, foi alargado o caminho para a entrada de Pequim na região. Além disso, o presidente deu mais uma bola fora ao não ir à Cúpula das Américas, no Peru, a fim de gerar uma coordenação militar com os países latinos com um objetivo de lidar com a utilização de armas químicas executadas por Assad, reafirmando a liderança americana no continente.

Mas o leitor pode estar afirmando que na Guerra Fria houve uma negligência americana na região o que não prejudicou a influência americana na região, momento chamado pela Letícia Pinheiro de política de negligência benigna. No entanto, a principal característica da rivalidade entre os EUA e a URSS se davam no campo ideológico que apresentam reverberações mais expressivas que a influência econômica. Desse modo, comoa China, embora sendo rival dos EUA, trabalha no campo americano do capitalismo e das finanças, não pondo questões ideológicas em jogo. Isso gera um crescimento silencioso e não abrupto, ou seja, a China foi comendo pelas bordas. Assim, quando a Casa Branca viu, a sua influência já estava muito abalada e, por resultado disso, a fim de resgatar seu prestígio e influência, surgiu o que considero de Neomonroísmo.

A doutrina Monroe, para os desconhecedores, foi um comportamento político norte-americano que tinha como objetivo de estabelecer a sua hegemonia hemisférica incontestável no continente evitando governos contrários aos EUA e impedindo novas tentativas europeias de reconquistarem suas colônias mantendo suas soberanias. Isso tudo recheado com a política do Big Stick (Grande orrete) que era a intervenção direta nos países subversivos, assim, garantindo a segurança no continente. Isso tudo debaixo do lema “América para os americanos”.

Desse modo, trazendo esse pensamento para o século XXI, pode-se ver um resgate desse pensamento para justificar o contra-ataque americano em relação à crescente influência chinesa na região o que ameaça a hegemonia americana. Isso é visível no discurso de James Mattis nessa sua recente visita à América do Sul que diz: “Existe mais de uma maneira de perder soberania neste mundo… Isso pode ocorrer por conta de países que chegam com presentes e empréstimos.”No entanto, diferentemente, da época do presidente James Monroe e Theodore Roosevelt, é inconcebível a intervenção direta americana muito devido às leis internacionais e as experiências recentes do Iraque e Afeganistão. Agora, diferentemente do Monroísmo clássico, essa sua nova expressão não teria mais a utilização do Big Stick, mas do Big Talk. O alinhamento ao EUA não seria mais pela força, mas pela política (ou dinheiro).

No entanto, essa disputa entre os dois gigantes econômicos pela América do Sul pode trazer grandes benefícios ao Brasil se souber usá-las. Quando Mattis veio negociar com nosso atual ministro da Defesa Joaquim Silva e Lima, três temas principais definiram a agenda:

  1. O compartilhamento estratégico da base de Alcântara (MA)
  2. Cooperação em defesa cibernética
  3. Soluções e ajuda humanitária na Venezuela

Acabada a reunião Joaquim afirmou: “Alinhamos algumas percepções sobre o que pensamos sobre defesa no continente americano.” (grifo meu).

Essa frase tem um elemento revelador. “Algumas” não são “todas”. Logo, parece que o governo brasileiro tem certos princípios e interesses que são, de alguma forma, inflexíveis a alguns pontos americanos. Isso mostra, como Letícia Pinheiro mostra em seu livro “Política Externa Brasileira”, que o Brasil não desistiu do seu principal objetivo desde o início da República: a busca da autonomia. Oscilando entre americanismo ideológico (relações de ordem normativa e ideológica com os EUA) , americanismo pragmático (as relações com Washington seriam um meio e não um fim) e o globalismo , o Brasil parece, de novo, se encontrar na necessidade de se posicionar em qual modelo seguir. Diante disso, eu vejo três boas ações que o nosso país deveria tomar para se adaptar a essa nova realidade.

Em minha opinião, o Brasil deveria seguir o paradigma globalista. Primeiramente, porque, devido tanto aos seus esforços na institucionalização e no crescimento da confiança criada no bloco dos BRICS (apesar de não estarem tão fortes economicamente como há uma década atrás), esse bloco é uma frente forte politicamente, e isso seria útil para reformar instituições internacionais atuais e questionar a normatividade das estruturas internacionais atuais abrindo espaço para uma melhor acomodação de potências emergentes como o Brasil, como afirma Oliver Stuenkel em seu livro Post-Western World.

Em segundo lugar, imitando o Barão de Rio Branco que foi capaz de ver a decadência europeia e ascensão americana, as cabeças de liderança no Brasil (esse movimento é explicado com maestria pelo brasilianista americano E. Bradford Burns em seu livro “A Aliança Não Escrita) teriam bom proveito em sair cada vez mais da dependência americana para uma relação mais estreita com Pequim e Shanghai. Não porque a China tomará o lugar dos EUA como a principal potência em curto prazo, mas sim porque não é mais possível ter margem de ação e tomar boas ações políticas sem a participação da China, ou ao menos considerá-la.

E, finalmente, pelo seu tamanho e sua importância no hemisfério Sul, que o torna peça essencial nas relações internacionais do século XXI, ao não tomar partido nessa briga de influências, o Brasil pode se encontrar uma situação já familiar a ele: a equidistância pragmática. Ao chantagear a Alemanha e os EUA na Segunda Guerra Mundial, o Brasil conseguiu benefícios para seus objetivos nacionais. Dessa forma, vejo que ao simular esse comportamento entre a China e os EUA, a margem de manobra brasileira será vantajosa e os frutos que disso podem surgir seriam de grande proveito para aumentar a autonomia brasileira.

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