O antes e o depois

No dia 6 de setembro de 2018 a democracia brasileira sofreu um grande atentado. Não que o brasileiro seja lá muito fã da democracia, não que eleições no Brasil sejam tranquilas, sem plot twists — já tivemos desde queda de avião a morte de vice candidato por crime passional. A facada em Jair Bolsonaro significou em termos de puro simbolismo uma tentativa de matar um dos lados do debate político nacional.

Gabriel Loureiro
Friday Night Talks
7 min readSep 7, 2018

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Bolsonaro sendo carregado por apoiadores, seguranças e agentes da polícia federal para viatura após ser ferido. ( Fabio Motta/Estadão — 06.09.2018)

Todo mundo sabe o que aconteceu — ou quase todo mundo. Digo “quase” pois tem uma galera falando em “fake news”. Observemos os fatos:

  1. São diversas as gravações — profissionais ou amadoras — que transmitem ao mundo o que aconteceu naquele exato momento. Normalmente, momentos falsos só possuem uma gravação, uma versão do ocorrido — aquela que mais favorece a armação;
  2. Ao observamos algumas gravações se observa que a parte de metal da faca estava envolvida em alguma espécie de pano ou plástico. Naquela situação, no meio de uma multidão, sem que haja exposição de um objetivo brilhoso, fica muito difícil para a equipe de segurança identificar a ameça. Ou seja, o senhor que tentou assassinar o candidato do PSL sabia e planejou o que estava fazendo;
  3. Ainda observando o vídeo, podemos reparar como a multidão de apoiadores do candidato tenta — e consegue — agredir o rapaz que cometeu o crime. Sério, em qualquer armação ou encenação, o principal ator da cena não colocaria sua integridade física em risco;
  4. Para finalizar está rolando nas redes sociais imagens onde supostamente existe um furo na blusa do candidato. E não dá para ver nada. Também estão falando que o candidato estava sempre de colete a prova de balas, menos no dia do atentado. Bem, a depender do material do colete, uma faca pode atravessá-lo.

Observo que não postarei nenhuma imagem sobre essas teorias da conspiração. Não pretendo fazer com que esse texto seja usado como plataforma para esse tipo de coisa. É fato que Jair Bolsonaro — candidato presidencial do ano de 2018 — levou uma facada em ato de campanha.

Deixando os loucos de lado, vamos agora tentar trazer um olhar analítico sobre o cenário político onde ocorreu o fato e quais os caminhos que podemos ser levados a presenciar.

Na pesquisa divulgada pelo IBOPE no dia 5 de setembro, Jair Bolsonaro apresentava 22% das intenções de voto. Comparando esse resultado com a pesquisa anterior e levando em conta a margem de erro de 2 p.p. para mais ou para menos, Bolsonaro passou 15 dias parado no mesmo lugar — mesmo com o início da campanha eleitoral na televisão. É bem verdade que entre todos os candidatos, o único que se mexeu para além da margem de erro foi Ciro Gomes. O fato é que a estratégia de campanha de Bolsonaro estava trazendo como resultado prático a estagnação da base eleitoral.

Fonte do gráfico: http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/jair-bolsonaro-segue-liderando-a-corrida-presidencial/

Em contra-partida, no que tange a pesquisa espontânea — muitas vezes indicação do voto convicto — Bolsonaro aparece com 17% das intenções de voto, só perdendo para Lula com 22%. Para se ter uma ideia de como esse número é bom, o candidato mais próximo dele nessa pesquisa é Ciro Gomes com míseros 4% das intenções de voto. Resumindo: a base eleitoral convicta de Bolsonaro está formada a tempos e muito provavelmente está em quantidade suficiente para leva-lo ao segundo turno.

Fonte do gráfico: http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/jair-bolsonaro-segue-liderando-a-corrida-presidencial/

Mas quando a pergunta é “em qual [candidato] o(a) sr(a) não votaria de jeito nenhum” Bolsonaro é campeão de rejeição. Curiosamente ele nunca teve muita exposição nas mídias convencionais, está em sua primeira corrida presidencial e é candidato por um partido nanico. Então como Bolsonaro é tão preterido? A resposta mais lógica é a estratégia de campanha adotada. Partindo de um discurso ofensivo para com seus principais concorrentes, marcante para a defesa de posições muito específicas e adepto a uma comunicação agressiva, quase beligerante, o candidato do PSL alimenta e estimula o atual momento de FlaFlu da política brasileira. E nos embates clássicos o comportamento humano não tem jeito: ou você ama um, ou você odeia um. O resultado prático dessa rejeição é demonstrado no resultado dos segundos-turnos simulados, Bolsonaro não levava uma:

Fonte do gráfico: http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/jair-bolsonaro-segue-liderando-a-corrida-presidencial/
Fonte do gráfico: http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/jair-bolsonaro-segue-liderando-a-corrida-presidencial/

Por fim devemos levar em consideração a característica social da espécie humana. Em qualquer pesquisa de opinião, devemos levar em consideração que uma grande parte dos entrevistados responderá não aquilo que pensa, acredita de verdade, mas sim o que acha ser “o certo” a responder. Lembremos como as pesquisas eleitorais dos Estados Unidos da América indicavam derrota do senhor Donald Trump em 2016 e o resultado não foi exatamente esse. Então como superar esse possibilidade de dissimulação do ser humano nas pesquisas? Uma das formas pode ser perguntar para o entrevistado “ Independente da sua intenção de voto, quem o(a) sr(a) acha que será o próximo Presidente da República?”. Nessa pesquisa identifica-se, mais uma vez, o descolamento de Bolsonaro com relação aos demais candidatos — até maior do que nas pesquisas espontâneas. Além disso, deve-se observar a certeza nos votos dos possíveis eleitores.

Fonte do gráfico: http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/jair-bolsonaro-segue-liderando-a-corrida-presidencial/
Fonte: http://www.ibopeinteligencia.com/arquivos/JOB_0011-2_BRASIL%20-%20Relat%C3%B3rio%20de%20tabelas.pdf

De uma forma bem resumida, o cenário até o atentado era de Bolsonaro indo para segundo turno com alguém e perdendo em quase todas as configurações. Agora o cenário é um grande sinal de interrogação. Todos os candidatos agora irão congelar suas campanhas e reavaliar a situação. Geraldo Alckmin que estava apostando na campanha de ataque ao candidato do PSL, mandou retirar todo o material gravado da TV e do rádio e já pensa em regravar sua campanha. O candidato do PSDB sabe que apostar na rejeição do candidato opositor é um movimento arriscado agora que, provavelmente, Jair Bolsonaro terá sua figura mais humanizada. Inclusive o tom dos candidatos a presidência em suas respectivas notas de pesar ao acontecido foram muito conciliatórias — uma indicação do que pode ser a nova bandeira das eleições de 2018: a pacificação política e a conciliação nacional.

Pela cirurgia ter sido delicada, Bolsonaro ficará um tempo importante afastado da campanha. Agora quem comandará o show do PSL serão os filhos do candidato e o vice General Mourão. Por ter uma estrutura de campanha diferente da usual: sem tesoureiro ou marqueteiros oficiais e com a tomada de decisão totalmente centrada no candidato, não deverão ocorrer mudanças nos discursos, narrativas construídas e principais pontos levantados. Contudo uma coisa será bem diferente: a interação com os populares. Bolsonaro tinha sem dúvida nenhuma a agenda de campanha de eleição mais pesada. Com pouco tempo de televisão, o ex-capitão do Exército Brasileiro fazia questão de aparecer nos noticiários fazendo discursos para grandes públicos ao ar livre, no meio de multidões, sendo carregado pelas pessoas — inclusive foi nessa situação que levou a facada. O estado de saúde do candidato não permite a manutenção dessa estratégia durante o primeiro turno. Como será agora? No cenário que parece estar se apontando, tudo indica que o candidato intensificará o uso da internet — através de vídeos nas redes sociais — para promover a campanha. Ontem mesmo o Senador Magno Malta divulgou um vídeo com Jair Bolsonaro falando — com certa dificuldade — um discurso bem mais pacífico em relação à linha que vinha sendo adotada pelo candidato.

Logo após o atentado, o mercado financeiro respondeu positivamente ao fato. O índice ibovespa teve alta acelerada e o mercado futuro de dólar viu o real se valorizar. Temos aí 3 interpretações para esse fato:

  1. os agentes do mercado entenderam que Jair Bolsonaro não corria risco de vida com atentado e teria sua campanha valorizada pela construção da imagem de mártir ou sobrevivente na luta contra o establishment;
  2. alguns agentes — principais agentes — só tentaram se aproveitar do evento inesperado para fazer alguns ganhos financeiros e iniciaram um “efeito manada”;
  3. o mercado entendeu que o atentado enfraquece a campanha de todos os extremos dessa eleição presidencial, afinal de contas já se percebeu que as extremidades políticas brasileiras se retroalimentam, transformando a política nacional num grande FlaFlu de proporções continentais.

Ou seja: em qualquer uma dessas interpretações o cenário reproduzido é muito momentâneo e precisamos esperar até segunda-feira para ver o que o mercado realmente está sentindo ou esperando. Aliás, essa é a resposta para o futuro da eleição presidencial. Apesar das mudanças claras, já iniciadas e citadas aqui, o cenário projetado é bem incerto: tudo pode mudar e tudo pode continuar o mesmo. Segunda-feira (10 de setembro) o Datafolha irá divulgar pesquisa de intenção de voto realizada durante esse final de semana e trará alguma luz sobre como a sociedade assimilou o atentado. Enquanto isso, está tudo na casa do “se”.

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