O Dragão Quer Ser o Dono da Bola
Quem me conhece melhor sabe que eu não ligo pra futebol. Criado por um pai mergulhador faixa preta de jiu-jitsu, sempre me dei muito melhor com um pé-de-pato e um tatame do que chuteira e bola. Na verdade, meu pai nunca me deu uma bola de futebol e meio que somos orgulhosos por isso. Desse modo, apesar de me considerar flamenguista (segue o líder), eu nunca fui um frequentador de estádios ou soube a escalação do time de cabeça. Mas tudo isso muda em quatro em quatro anos.
Ao chegar a Copa do Mundo, toda minha identidade brasileira cai em mim e me torno o maior torcedor do meu bairro (porque nunca critiquei futebol, sempre fui fã). Antes dessa Copa, sempre vi os jogos com um olhar de indiferença e nada além de ter uma vontade irracional de torcer pra Tunísia contra a Inglaterra. No entanto, tudo mudou quando eu comecei a estudar Relações Internacionais e entender um pouco mais o mundo.
Quem tá mais ligado nos assuntos internacionais pode se encontrar até um pouco cansado dos debates sobre a ascensão chinesa, que Pequim vai destronar Washington, a pulsante economia da China e etc. Com o assunto em voga, chega-se refletir sobre isso, debater em sala de aula e até chega a se falar:
- Nossa! A China tá crescendo mesmo e tal…
- Não, porque o declínio americano pipipi popopó…
- Então, eu comecei a aprender mandarim porque…
Só que isso nunca foi palpável e perceptível pra mim. Bujigangas chinesas na loja de 1,99 e pá, Faustão como garoto propaganda da Jack Motors, mas nada além disso. Mas essa Copa mudou muito minha percepção sobre essas mudanças e, cara, a China vem com tudo e sem dó.
Fazendo uma rápida pesquisa, procurei achar quantas empresas chinesas estavam patrocinando as Copas do Mundo de 1982 até 2014, e um documento da própria FIFA mostra um resultado, no mínimo, interessante. Desde 1982, apenas uma empresa chinesa tinha patrocinado a Copa do Mundo. No entanto, se você for ao site da FIFA dessa Copa, ela vai te mostrar que um FIFA partner é chinês (Wanda), enquanto dos 5 FIFA World Cup Sponsors, 3 são chineses (Hisense, Vivo, Mengniu) e apenas 1 é americano (McDonalds).
Segundo o site Uol, assim, a China banca cerca de 35% do patrocínio da Copa do Mundo na Rússia. Isso é impressionante ao comparar com o fato da única empresa chinesa a patrocinar uma Copa (a de 2014) e, em quatro anos, ser responsável por mais de 1/3 de todo o patrocínio do evento.
Com isso tenho a impressão que Pequim não quer ser somente um gigante econômico ou comercial, mas também um gigante no futebol. Além disso, não somente no sentido de títulos, mas na capacidade de influenciar a FIFA e outras organizações relacionadas ao esporte. Isso daria um passo à frente do poder americano, já que a influência americana é mínima nessa instituição, apesar de ter mais países representados do que a ONU, dando um capital político à China de grandes proporções.
Isso revela, talvez, um novo paradigma das disputas no sistema internacional complementando as tradicionais geopolíticas e a econopolíticas. A forma desse novo tipo de relação seria melhor definida como infopolítica. Em uma era na qual as sociedades pós-industriais buscam mais o bem-estar do que guerras ou disputas que envolvam violência e que ao mesmo tempo são as mais influentes no globo (EUA, União Europeia e Japão), a capacidade de produzir informação, persuasão e atração (poder brando) terá uma maior importância que a baioneta e as sanções. Como disse Francis Bacon: “Informação é poder.” Assim que tem a melhor história ganha mais corações mentes.
Desse modo, o domínio chinês na organização que representa o esporte mais popular no mundo (onde a presença americana não representa o seus status de potência) seria a consolidação da busca de Pequim por uma ótima impressão sua pelas diversas sociedades, já que poder brando não só é a intenção do agente, mas, também, a percepção do alvo.
Não sei vocês, mas pra mim isso é impressionante, pois percebo que a ascensão chinesa está mais perto da minha realidade que eu imaginava. O fato das empresas chinesas estarem sempre encabeçando ou entre as principais empresas seja em receita ou em tamanho impressiona, mas nunca caiu a ficha disso. Uma explicação para isso poderia ser o fato da realidade financeira ser imaterial, além de que as maiores transformações acontecem em território chinês.
Somente vendo caracteres chineses quase onipresentes nos telões dos estádios na Rússia me faz pensar que os tempos estão mudando e que, na verdade, ninguém sabe muito bem o que vai ou pode acontecer. A única coisa que a gente pode afirmar é que a China já saiu da jaula e ruge muito, muito alto.
Com tudo isso, eu lhes deixo uma imagem que poderia explicar, não somente este texto, mas todo uma nova realidade: