Uma Análise da Política Externa de Bolsonaro

Bruno Pedrosa
Friday Night Talks
Published in
7 min readSep 28, 2018

Enxuta, coerente com a democracia internacional e não muito clara. Desse modo que eu descreveria a política externa do candidato à presidência Jair Bolsonaro.

Com uma forte pegada ideológica, o plano internacional de ação para o Brasil do candidato paulista (sim, ele nasceu em Campinas) mostra aversão à cooperação com ditaduras e busca uma aproximação com países democraticamente consolidados, já que esse ponto perpassa todo o seu plano.

No entanto, ao ler o as propostas do candidato, nota-se que há conceitos vagos e frases que dão margem a diversas interpretações. E não, não estou sendo enviesado. Ao longo do meu texto tentarei mostrar isso usando como tópicos frases integrais diretamente retiradas (o texto é pequeno) do Caminho da Prosperidade (esse é o nome do documento) que pode ser facilmente acessado aqui.

Desse modo, allons-y:

O Novo Itamarty

Começamos já pelo nome da sessão de política externa cujo o nome é O Novo Itamaraty (para os leigos, Itamaraty é o nome da instituição responsável pela diplomacia brasileira).

Apesar da proposta de uma reforma ou renovação dessa instituição(muito conhecida pelo seu elitismo e seu isolacionismo em relação ao corpo político brasileiro, em geral) ser uma coisa a se pensar, Bolsonaro não define muito o que seria esse “Novo”. Ao longo do texto, dá-se a impressão de que seria uma reforma ideológica (será mostrado mais adiante), mas, ao mesmo tempo pode não ser já que não tem nada escrito afirmando ou definindo essa novidade.

Desse modo, a clareza do que seria um “Novo Itamaraty” fica prejudicada dificultando uma possível prestação de contas do eleitorado caso o candidato for eleito.

A estrutura do Ministério das Relações Exteriores precisa estar a serviço de valores que sempre foram associados ao povo brasileiro.

Essa parte me deixou um pouco em dúvida. Ao alinhar o MRE aos “valores que sempre foram associados ao povo brasileiro”, eu me pergunto:

Associados por quem? Associados quando? Associados pela elite ou pelo próprio povo?

O brasileiro é considerado simpático, acolhedor (apesar dos casos de xenofobia em Roraima provarem o contrário) e feliz. Mas, ao mesmo tempo, os próprios brasileiros consideram os outros conterrâneos (claro, o errado é sempre o outro, e não eu) como preguiçosos, safados e malandros. Aliás, o vice do candidato o Gal. Mourão afirmou que os brasileiros tem a idolência dos indígenas e a malandragem do negro.

Então o Ministério das Relações Exteriores estará a serviço da malandragem e da indolência, ou da hospitalidade e felicidade? O plano não deixa isso muito claro abrindo muitas dúvidas.

A outra frente será fomentar o comércio exterior com países que possam agregar valor econômico e tecnológico ao Brasil.

Parecido com outros candidatos, Bolsonaro vê que o protecionismo atrasa o Brasil em certos aspectos.

Prevendo uma maior abertura comercial e de intercâmbio tecnológico ou transferência de tecnologia, o candidato não se aprofunda como vai fazer isso. E como eu disse no início, a formulação das propostas dele são muito enxutas e simples, o que se torna perigoso comentar como ele vai fazer isso.

Cooperação com os países emergentes, foco nos BRICS ou aprofundamento com os países do Norte? Não dá pra saber muito.

Deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália.

Aqui entra um ponto muito importante: o caráter ideológico do candidato.

Com uma provável rechaça aos anos de PT no Planalto, Bolsonaro vê que o Brasil herdou um viés ideológica de esquerda na sua Política Externa. Ao apoiar ditaduras (ao ver do autor desse texto) como Cuba, Zimbabue, Congo e etc, o candidato vê como isso destoa com o discurso brasileira nas Nações Unidas como um país preocupado com os Direitos Humanos.

Além do mais, o caso Cesare Battisti, a rechaça em massa das ações de Israel no Oriente Médio pela ONU (com o apoio do Brasil) e a críticas brasileiras a certas ações americanas mostram a hipocrisia da política externa do Brasil na era petista, segundo o candidato.

Então, como criticar democracias, mas ao mesmo tempo financiar projetos em países autoritários com o dinheiro do BNDS ?

Não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais.

Esse ponto mostra o caráter nacionalista do candidato. Ele vê que um certo entreguismo brasileiro geraria danos ao Brasil e que acordos comerciais devem ser equilibrados e que possam trazer ganhos relativos ao Brasil. Ou seja, o candidato vê como ganhamos, e não o que ganhamos.

No entanto há duas coisas que me incomodam com essa frase.

A primeira é que o candidato não entregaria o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais. Já que ele restringiu aos ditadores internacionais, quer dizer que ele entregaria para os chefes de Estados que não fossem ditadores? Se não, para que definir a quem ou a quem não entregar ?

A segunda é em relação ao seu escolhido talvez-futuro Ministro da Fazenda, Paulo Guedes. Paulo disse a uma entrevista à revista Exame (pode acessá-la aqui)que: “Privatizações, concessões e desmobilizações. Tinha que vender tudo”. Logo penso, a Petrobras (uma empresa com 51% das ações sob a possessão do Estado) e toda sua vanguardista tecnologia de prospecção de petróleo em água profundas não é um patrimônio do Povo brasileiro? Não é o seu e o meu dinheiro que financia isso? Essa tecnologia, propriedade brasileira, não é estratégica para o Brasil? Se sim, então, por que vendê-la ?

Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias.

Excluindo a Venezuela de qualquer projeto de integração latino-americana, Bolsonaro vê a importância de se aproximar com nossos vizinhos. De que modo (econômico, político, militar e etc), ele não deixa muito claro. No entanto, ele parece estar mais preocupado com quem se aliar do que como se integrar.

É nesse ponto, como eu disse lá encima, que aquela “novidade” do Itamaraty se daria numa mudança ideológica. Somente, e só somente, democracias. A cooperação e construção de uma integração com países de cunho autoritário seriam descartados.

Ao meu ver, é uma estratégia alinhada com o establishment internacional. No entanto, deve ser revista de forma estratégica, pois, por exemplo, a China é uma ditadura mas, ao mesmo tempo é a maior parceira comercial do Brasil. Então, ao negligenciar relações com ditaduras, o candidato não pode ser ingênuo com jogo internacional.

Se o Brasil está acima de tudo, o interesse do Brasil também está acima de tudo. Desse modo, se as relações com ditaduras são benéficas para o Brasil, o candidato deve ser equilibrar nesse dilema: interesses ou ideologia?

Além disso, o redirecionamento de eixos de parcerias fica em aberto. Qual eixo? BRICS? Emergentes? Sul-Sul? Potências centrais? O candidato não revela.

Países, que buscaram se aproximar mas foram preteridos por razões ideológicas, têm muito a oferecer ao Brasil, em termos de comércio, ciência, tecnologia, inovação, educação e cultura.

Eu não tenho conhecimento de qual país foi preterido pela diplomacia do Brasil por razões ideológicas, nas últimas décadas.

Se o candidato relaciona isso à recusa de acordos estrategicamente desvantajosos ao interesse nacional ou porque o país recusou imposições do establishment global, ele cai em contradição já que (segundo ele) se o Brasil está acima de tudo, o país está acima de todas as ideologias e todos os regimes globais. Mas parece que esse não é o caso, então não dá para tecer muitos comentários em relação a isso.

Ênfase nas relações e acordos bilaterais.

O candidato do PSL, com essa afirmação, mostra a intenção de dar maior liberdade ao Brasil nas negociações internacionais.

Ao não estar preso à blocos ou acordos multilaterais, o país teria maior margem de manobras perseguir seus interesses no arranjo internacional.

No entanto, projetos como o MERCOSUL (aquela placa de carro nova é do projeto de integração desse bloco), BRICS e IBAS seriam jogados para escanteio. Além disso, Bolsonaro iria em contra-mão do modus operandi global. O candidato parece não perceber que o mundo nunca foi tão integrado como hoje e que o Efeito Borboleta nunca foi tão real, e que desse modo para que os problemas sejam resolvidos, ou pelo menos mitigados, é necessário ouvir diversas partes.

Por exemplo, o candidato é muito conhecido pelo seu enfoque na questão de Segurança e criminalidade. As facções criminosas brasileiras são, geralmente, financiadas pelo tráfico de drogas e por alguns….hm…. (começa po e termina com líticos, especialmente uns que andam de helicóptero por aí). Essa droga é proveniente de países vizinhos como Peru, Bolívia e Colômbia. Ou seja, caro leitor, seria melhor o Brasil negociar com todos juntos tentando integrar uma solução de um problema que não é só nosso, ou conversar um por um, individualmente, aumentando a dificuldade de integração entre as partes? Se em reunião de empresa precisa de vários setores por que um país não precisaria ?

Chegamos ao fim.

Sim, todas essa frases fazem parte do plano do Bolsonaro para política externa e todas foram transcritas nesse texto. Podem conferir.

Portanto, ao meu ver, apesar de ser bem simples, eu acho que ela é simples demais. Com conceitos soltos e generalização das ações, os eleitores terão dificuldades na prestação de conta do candidato já que suas propostas abrem várias interpretações e até mesmo se contradizem.

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