Uma Análise da Política Externa de Marina

Bruno Pedrosa
Friday Night Talks
Published in
5 min readSep 21, 2018

Pragmática, sensata e engajada. É assim que eu descreveria o plano de política externa da candidata à presidência Marina Silva. Com uma visão realista (não sentido teórico da palavra) e engajada nas principais causas que perpassam e perpassarão no debate internacional, a candidata acriana pensou em um plano, ao meu ver, sensato, coerente coeso. Usando termos teóricos diria que Marina Silva parece entrar na classificação (da Letícia Pinheiro) de globalismo hobbesiano. Tentarei mostrar aqui o porquê.

Em primeiro lugar, o plano se mostra de acordo com as diretrizes das Nações Unidas. Ao formular sua ação internacional no eixo da defesa dos direitos humanos, defesa da democracia, autodeterminação dos povos e não-intervenção, Marina não mostra uma pré-determinação de romper com o establishment e estruturas globais atuais. A candidata se mostra a favor do multilateralismo para resolver conflitos e acordos usando as instituições internacionais como meio para isso.

Outro ponto a ser destacado é a visão globalista da candidata. Isso se mostra pelo fato dela ser a favor do Brasil se conectar ainda mais “ às regiões e correntes dinâmicas da economia mundial e às cadeias globais de valor”. Com Marina no poder o Brasil se abriria mais ao mundo se integrando ao mercado global , recusando o protecionismo. Ou seja, Marina quer a “facilitação do comércio”.

Com isso, Marina diz que liberalizaria cada vez mais o Mercosul abrindo o bloco para outros acordos comerciais, principalmente a União Europeia, já que a candidata a cita em seu plano. Além disso, é previsto a diminuição de barreiras e traves ao aprofundamento do bloco

No entanto, tais acordos não teriam o caráter submisso em relação às potências centrais pois ela afirma que essa abertura comercial e econômica do Mercosul deverá ser “mutuamente vantajosa”.

Ainda nesse ponto, Marina destaca a importância estratégica dos nossos vizinhos do Pacífico. Ao mostrar interesse em “avançar mais na relação com a Aliança do Pacifico”, a líder do REDE projeta um futuro onde o eixo econômico sairá (se já não saiu) do Atlântico e se estabelecerá no Pacífico. Somando isso ao fato do Brasil não possuir qualquer saída direta ao maior oceano do mundo, acordos e boas relações com essa Aliança seriam estratégica e economicamente vantajosos para o Brasil.

Nesse sentido, ela parece mostrar que esse comportamento de integração acontecerá nas Américas, Europa e Leste Asiático.

Marina ainda dá muito destaque a tecnologia, área na qual a diplomacia tomará uma forma diferenciada. Ela diz que o Brasil dará “atenção especial a nossa relação com as sub-regiões do mundo que estão na fronteira da inovação tecnológica”, como o Vale do Silício e Baviera alemã. A candidata parece preocupada com o atraso do Brasil em relação ao desenvolvimento tecnológico e busca. dessa forma, mitigar isso pondo o país em contato direto com a inovação de ponta.

Entretanto, apesar desse caráter de interdependência e de cooperação, Marina buscará a uma posição de liderança no exterior. Uma frase em seu projeto define esse tom:

A política externa deve nos proteger do que é prejudicial e canalizar o que nos é benéfico para a reconstrução do País.

Ou seja, além de tentar evitar a entrar em situações de risco, principalmente pelo fator ideológico, a palavra reconstrução faz parecer que Marina vê a política externa um meio importante para estabilização do país tanto no meio interno quanto externo. Em outras palavras, Marina quer retomar o protagonismo internacional que o Brasil perdeu nos últimos anos. Vou demonstrar como.

Antes de tudo, eu vejo o discurso da candidata muito sensato. Ela diz que fará uma política “realista e transformadora”. Realista pois o país precisa identificar suas forças para não ousar demais e saber tantos seus limites como interesses a fim de que não haja uma megalomania internacional.

A questão transformadora se daria pelo aperfeiçoamento da sociedade internacional a fim de que o sistema internacional seja mais benéfico para quando o Brasil se projetar. Desse modo, a candidata se mostra reformista mas não se mostra radical em relação às reformas nas instituições. Marina vê que o mundo mudou, então as instituições deveriam mudar de modo que beneficie o Brasil.

Mostrei no início do texto que ela quer utilizar da ONU e outras instituições para alcançar a paz, cooperação e defesa dos Direitos Humanos. No entanto, a candidata mostra que ela quer “ o mais rápido possível nosso lugar no Conselho de Segurança”. Ou seja, Marina vê o prejuízo dado pela imprudência do Brasil em não se candidatar a ser membro rotativo. Além disso, o uso da palavra nosso mostra que ela vê o Brasil como parte integral e permanente do sistema internacional, sendo , assim, estranho ao país sua ausência no meio.

Marina também vê a importância que o Brasil tem nas questões ambientais e como essa pauta fortaleceria a sua inserção internacional. Ela diz que a diplomacia ambiental “será resgatada e se tornará uma marca da diplomacia brasileira” e ainda destaca que o Brasil deve estar na “vanguarda” desse assunto. Em outras palavras, de modo multilateral, o Brasil deve encabeçar os novos debates sobre desenvolvimento sustentável e meio ambiente.

Em relação a África, Marina vê que o Brasil tem um papel especial na região. Ao chamá-los de “irmãos africanos” (definição não-dada aos sulamericanos), o Brasil teria o papel de um hegemonia benevolente sobre os países africanos sob sua influência. Destacando o crescimento econômico e demográfico, a candidata não vê uma “ajuda” aos africanos, mas uma “parceria”. Parece, então, que o papel do Brasil na África, para Marina, é permanente. O Brasil não terá uma posição de integração, como ocorre nas outras regiões destacadas, mas um irmão de construção.

Portanto, Marina parece seguir esse lema: “ancorada no propósito no compasso dos tempos”. Ou seja, Marina perseguiria uma maior autonomia brasileira buscando isso na tecnologia, protagonismo nos debates e instituições globais. Ao mesmo tempo integrada aos regimes e modus operandi externo de países confiáveis e estáveis, buscando no comércio e nas negociações multilaterais sua integração nas dinâmicas globais e regimes atuais. Uma frase que definiria o comportamento que o Brasil teria no sistema internacional foi dita pela Letícia Pinheiro em seu livro Política Externa Brasileira:

eu denominaria de institucionalismo pragmático. Institucionalista porque, sem chegar a negar algumas premissas básicas do realismo como a visão do sistema internacional como anárquico, a política externa brasileira se revestiu de uma visão que justificava e estimulava a adesão aos regimes internacionais e às instituições que os incorporam como solução para os problemas de ação coletiva. Enfim, em nome da diminuição dos custos de transação, redução de incertezas e busca da maximização de ganhos (absolutos) buscou-se o reforço da cooperação. (grifo meu)

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