“Amor à Vida”: que seja do jeito que for
A trama chega ao seu 50º capítulo e mostra que é só uma novela bem produzida. Nada mais.
A produção
A novela das nove da TV Globo elevou os índices da fracassada “Salve Jorge”, não igualou “Avenida Brasil”, mas com certeza gerou o buzz necessário. Um vilão gay “enrustido” com sacadas irônicas deu o tom no início. Os exageros das tiradas de Félix (Mateus Solano) caíram na boca do povo na mesma rapidez que saturaram. A carência da vilã Carminha (Adriana Esteves) de “Avenida Brasil” fez com que os dois fossem comparados. Félix não passa perto e ganha público apenas pelo jeito desbocado e pela alcunha popularesca de “bicha má”.
“Amor à Vida” se desenrolou de maneira frenética, numa clara tentativa de voltar ao ritmo que consagrou “Avenida Brasil”. Na verdade é até mais intensa que a trama de João Emanuel Carneiro. É louvável o esforço do autor e dos diretores em manter a atenção do telespectador todos os dias, já que a cada dia algo diferente acontece na novela. A história bebe na fonte de várias outras obras do autor e de filmes e seriados. “Grey’s Anatomy” é a principal fonte, já que a serie se passa em um hospital com os mesmos romances e envolvimentos. A trama do casal gay que quer gerar uma criança é idêntica. O diretor Mauro Mendonça Filho é recorre a esse expediente não é de hoje. Em “O Astro” usou uma cena do filme “Watchmen” na cena em que Salomão Hayalla (Daniel Filho) cai da sacada.
Por outro lado, “Amor à Vida” também é dirigida por Wolf Maya, que serve apenas de grife. A fotografia é original, com o uso de tomadas em câmera na mão, travellings e tem como marca ser cinza, pastel. O que é um ponto positivo, deixando uma identidade. Destaco ainda a forma sem clichês que a produção trata o cenário da novela: a cidade de São Paulo é o que é, sem os exageros do recente remake de “Guerra dos Sexos”.
O autor
Já o autor Walcyr Carrasco, calejado e experiente, é um dos poucos que passou por todas as faixas de novelas na TV, não somente na Globo e com grandes sucessos. O autor é conhecido por ter tramas bem construídas e “Amor à Vida” não foge disso.
Os núcleos são bem definidos, mas pecam pela repetição de situações, especialmente a dupla Valdirene (Tatá Werneck) e Márcia (Elisabeth Savalla) na busca de um milionário: já foram uns 5 “candidatos” famosos ao longo desses capítulos. Igualmente os personagens Perséfone (Fabiana Karla) e sua virgindade, Patrícia (Maria Casadevall) e Michel (Caio Castro) sempre na “pegação” e César (Antonio Fagundes) e Aline (Vanessa Giácomo) no joguinho de amantes. A história da pobre-menina-rica Nicole (Marina Ruy Barbosa), com câncer terminal e prestes a entrar num golpe armado pelo casal Thales (Ricardo Tozzi) e Leila (Fernanda Machado) já foi usado por vários autores. A suposta raspagem do cabelo de Marina Ruy Barbosa foi cancelada. Isso já é mais que batido na tv e nas próprias novelas de Carrasco. Porém esses núcleos terão grandes viradas em breve.
Destaco a trama engenhosa de Paloma (Paolla Oliveira) e Bruno (Malvino Salvador) pela guarda de Paulinha (Klara Castanho). A menina, filha de Paloma que foi abandonada foi abandonada no lixo por Félix. Bruno a resgatou e a registrou como se fosse sua filha. Hoje, com Paulinha nas mãos da mãe, ele não pode resgatá-la já que pode levar outras pessoas para o buraco. Enquanto isso, Glauce (Lorena Cavalli) – que ajudou Bruno por amor – se bandeia para o lado de Félix e tem tudo para ser pior que o vilão afetado. Este, por outro lado, também terá uma virada assumindo a homossexualidade, chocando a família.
Mas a boa história não escapa de uma característica irritante de Carrasco: o texto é péssimo, sendo um pouco salvo pelas boas atuações dos atores. Além disso, Walcyr é vaidoso: não permite os “cacos” (acréscimos ao texto por parte do ator) e a livre interpretação, obrigando os atores a ler o que literalmente está escrito. A atuação é prejudicada e passa a impressão de jogral, um texto falado todo certinho, com frases por vezes didáticas demais.
“Amor à Vida” fracassa na tentativa de ser uma trama naturalista: o texto de Walcyr prejudica e as situações mais absurdas fazem da novela algo risível, que às vezes beira a comédia quando deveria ser um drama. Isso ficou evidente quando César e Felix deram início às investigações sobre o sumiço dos prontuários no dia do nascimento de Paulinha. Felix e suas sacadas dirigidas à Perséfone e Glauce foram um exagero numa cena que se pretendia tensa. Esse é apenas um exemplo de vários outros.
Os atores
Além disso, os protagonistas não convencem: a Paloma de Paolla Oliveira é fraca e irritante, o Ninho de Juliano Cazarré beira a chatice quando fala da liberdade que quer ter pelo mundo e o Bruno de Malvino Salvador é canhestro, careta. O elenco é muito grande e carece do mesmo problema de “Salve Jorge”: muitos estão ali a passeio ou para “mostrar trabalho” e alguns experientes (Carolina Kasting, Vera Zimermann, Emílio Orciollo, Genézio de Barros e Elisabeth Savalla) são mal aproveitados, seja pelos personagens pequenos ou pelo texto repetitivo. Para falar dos personagens seria necessária uma outra análise. Destaco positivamente a estreia de Maria Casadevall, segura em cena; Danielle Winnits (Amarillys) que sempre rouba a cena quando está com Paolla Oliveira, Bruna Liezmeyer (Linda) que poderia ter um destaque maior como uma autista e do time dos veteranos, Luis Melo e a dupla personalidade de Atílio/Gentil. Negativamente, aponto Bárbara Paz (Edith), que até então não mostrou a que veio, podendo se destacar muito mais com uma dupla com Félix; Antonio Fagundes, que não abandonou o espírito de Pedro em “Carga Pesada” e Suzana Vieira (Pilar), interpretando ela mesma. O restante do elenco não se destaca, mas também não compromete.
Em resumo
“Amor à Vida” é um típico novelão, mas com ritmo e fotografia peculiares. A agitação gerada nas redes sociais garante a divulgação da trama, ainda que pelas tiradas já saturadas de Félix (“pelas contas do rosário!” e “salguei a santa ceia!”), talvez o único personagem que tenha fisgado o público. Podemos colocar, em menor escala (sem trocadilho com a altura da atriz) a personagem Valdirene, de Tatá Werneck. No mais, a novela tem mantido 34 pontos de média, resgatando parte do público perdido com “Salve Jorge”.
Numa combinação história + texto + produção + atuação, “Amor à Vida” tem uma ótima história, com tramas bem amarradas; um texto ruim; uma produção caprichada e atuações que se salvam pela qualidade do elenco. Porém, essa novela vai passar e será lembrada apenas como “aquela que recuperou a audiência com a bicha má”.
E pela abertura insuportavelmente cantada por Daniel.
P.S.: o Medium está me fazendo cada vez mais a pensar em abandonar o blog (openicoestavoando.blogspot.com). Aqui é simples, fácil, limpo. Deixarei ele lá, caso eu precise que “o penico voe”!