O Congresso no próximo mandato presidencial

Fundação FHC
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7 min readOct 24, 2022

Se Lula vencer a eleição em 30 de outubro, ele precisará atrair para a sua base de apoio no Congresso Nacional tanto o “centro mais tradicional da política brasileira” como o “centrão que não é bolsonarista-raiz”. O ex-presidente tem experiência e habilidade para negociar com deputados e senadores, mas terá dificuldades em implementar uma agenda mais progressista, algo que seus eleitores esperam dele.

Se Bolsonaro vencer, não terá problemas para formar uma ampla maioria tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal e poderá utilizá-la para tentar interferir no Judiciário, alterando, por exemplo, a composição ou as regras de funcionamento do Supremo Tribunal Federal. No primeiro mandato, ele cedeu ao Congresso parte do poder que detém como presidente da República. Será assim no segundo mandato também?

Estas foram algumas das principais questões levantadas no webinar “O Congresso Nacional no próximo mandato presidencial”, realizado pela Fundação FHC, com a participação de duas cientistas políticas e um professor e pesquisador. Os três convidados estudam e/ou atuam nas áreas de políticas públicas, gestão governamental e relações Executivo-Legislativo.

“Bolsonaro eleito, ele terá controle sobre os Poderes Executivo e Legislativo, só vai faltar o Judiciário”, disse Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral (FDC), com mestrado em economia e doutorado em direito. “Lula eleito, ele terá apoio para uma agenda econômica e distributiva moderada, mas dificilmente levará adiante uma agenda social, de direitos humanos ou ambiental mais ousada, pois o contexto do novo Congresso é desfavorável a uma pauta mais progressista”, continuou o autor do livro “Dinheiro, eleições e poder: As engrenagens do sistema político brasileiro”.

“Desde que me entendo por gente não me lembro de termos tido um Congresso progressista. Mas muita coisa pode ser feita quando o presidente da República quer”, disse a cientista política Simone Diniz, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “No Brasil, o presidente é o pivô da relação Executivo-Legislativo e, no primeiro mandato, Bolsonaro foi completamente negligente. Já Lula é um verdadeiro líder político, sabe negociar com o Congresso e está disposto a fazer isso”, afirmou a editora executiva da “Teoria & Pesquisa: Revista da Ciência Política”.

“Um aspecto positivo é que, até o momento, as eleições estão ocorrendo sem violência. Os brasileiros compareceram às urnas de forma pacífica, independente de seus candidatos favoritos”, disse a cientista política Mônica Sodré, diretora executiva da Rede de Ação Pública pela Sustentabilidade — RAPS. “Mas, qualquer que seja o resultado, teremos um país dividido e, no longo prazo, existe uma dificuldade de promover a harmonia social. É preciso retomar o diálogo. Precisamos mais do que nunca de lideranças políticas sensatas.”

A composição do novo Congresso

Em sua apresentação inicial, Carazza trouxe uma série de gráficos sobre a nova composição do Congresso, dividindo os novos parlamentares em cinco grupos: bolsonarismo-raiz, centrão bolsonarista, centrão não necessariamente bolsonarista, centro tradicional (formado por partidos históricos como MDB, PSDB e outros) e esquerda.

“Há nuances, mas em linhas gerais o bolsonarismo-raiz e o centrão bolsonarista terão 26% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados, contra 24% dos partidos de esquerda. O centrão não necessariamente bolsonarista terá 28%, e o centro tradicional, 22%”, disse o palestrante. “Independentemente de quem vença a eleição presidencial, o jogo vai ser jogado com grande vantagem para o bolsonarismo. Se for Lula, ele terá de fazer um movimento para o centro tradicional, mas também terá de negociar com o Centrão não bolsonarista.”

“Nas eleições de 2022, o Senado Federal também pendeu para a direita e o bolsonarismo, que somarão 45% das cadeiras, muito próximo da maioria da Casa. São 13 os senadores do grupo bolsonarismo-raiz recém-eleitos, mesmo número que o total dos senadores de esquerda. Se, no primeiro mandato, o Senado foi uma barreira de contenção da agenda bolsonarista mais radical, isso tende a mudar na próxima legislatura”, disse.

Pautas-bomba, orçamento secreto e Supremo

Mônica Sodré alertou para alguns possíveis desdobramentos (ou desafios) imediatos e do próximo mandato, entre eles:

- Aceleração de pautas-bombas no fim da atual legislatura — “Como diretora da RAPS, destaco questões relacionadas à sustentabilidade, como a mudança no marco do licenciamento ambiental, a mineração em terras indígenas e a liberação de agrotóxicos”;

- Consolidação do orçamento secreto — “O acordo de Bolsonaro com o Centrão, que visa a destinação de bilhões em recursos federais para emendas parlamentares, tem provocado desequilíbrio entre as bases governista e oposicionista e elevado a falta de transparência no uso dos recursos públicos”;

- Possível intervenção no Supremo Tribunal Federal — “Sem querer entrar no mérito do ativismo judicial, que merece discussão mais aprofundada, o Supremo tem feito um trabalho importante no sentido de frear alguns ímpetos do presidente Bolsonaro. Se eleito, ele vai agir para interferir no STF?”

“Se Bolsonaro conquistar um novo mandato, acho muito difícil que o Supremo declare o orçamento secreto inconstitucional (tema que aguarda análise do plenário do STF), pois isto seria sua sentença de morte. Já se Lula for presidente, é mais provável que o Supremo tome essa decisão. Mas, se o orçamento secreto acabar, o que Lula oferecerá em troca do apoio dos deputados do Centrão?”, perguntou Carazza.

“Diante de um Congresso afinado com Bolsonaro, caberá à sociedade se mostrar vigilante diante da hipótese de intervenção no Supremo, que, além de ser imoral, jogaria no lixo toda a história recente de respeito às instituições no país. É fundamental uma conscientização do mundo empresarial e da sociedade como um todo”, afirmou Simone Diniz.

A questão fiscal

“O próximo governo, seja ele qual for, vai encontrar uma terra arrasada com a implosão da Lei de Responsabilidade Fiscal, do teto de gastos e de tudo o que foi feito para garantir o equilíbrio fiscal e macroeconômico nas últimas décadas. Temos hoje um superávit ilusório, criado pela inflação alta e pelo aumento da arrecadação no período pós-pandemia, mas 2023 será um ano muito difícil, em que a conta do aumento de gastos no ano eleitoral vai chegar”, lembrou Carazza, mestre em economia.

Na hipótese de vitória do candidato petista, o professor acrescenta: “A lua-de-mel de Lula será curta, pois ele precisará usar seu capital político inicial para negociar com o Congresso um novo arcabouço fiscal. Esta é uma condição essencial para estabilizar a economia e abrir espaço no orçamento, de forma a viabilizar algumas políticas públicas na área social. Por fim, ele precisará do Congresso para deixar algum legado mais permanente, talvez a reforma tributária”, continuou.

A ameaça ambiental

“O estrago causado pelo governo Bolsonaro na área ambiental será difícil de ser recuperado, devido ao desmatamento descontrolado da Amazônia nos últimos anos. O regime de chuvas já está alterado, com consequências para a produção de energia e o agronegócio, e o Brasil vai começar a ter dificuldades de exportar seus produtos agropecuários para a União Europeia e os Estados Unidos”, alertou Sodré.

“Se Bolsonaro vencer, a agenda negativa terá grande impulso, pois ele terá a faca e o queijo para passar a boiada não apenas no meio ambiente, mas também em outras áreas essenciais como educação e saúde, incluindo, por exemplo, as políticas reprodutivas. Já Lula terá dificuldades de reconstruir políticas diante da destruição deixada por seu antecessor”, disse Diniz.

“É verdade que a bancada ligada ao agronegócio mais atrasado é forte, mas Lula poderá avançar bastante na agenda ambiental por meio de decretos e portarias e retomando, por exemplo, a atuação dos conselhos ambientais e da Amazônia. Um governo comprometido com a questão ambiental pode fazer muita coisa com as leis, as estruturas e os recursos já existentes”, disse Carazza.

Sodré e Diniz alertaram para a importância de valorizar o trabalho das comissões parlamentares, onde a distribuição de cargos é baseada na composição do Congresso e, assim, todas as forças políticas têm direito a cargos. “As comissões sempre foram um espaço importante para a oposição atuar e barrar iniciativas do governo de plantão”, lembrou Diniz.

“Tendemos a negligenciar a importância das comissões, que são essenciais para a análise dos projetos com maior profundidade, respeitando a composição do Parlamento. O atual presidente da Câmara, Arthur Lira, tem utilizado o artifício de criar grupos de trabalho para driblar as comissões, levando projetos da base governista diretamente ao plenário. Isto é antidemocrático e muito perigoso”, disse Sodré.

Há risco de agravamento dos ataques à democracia?

Esta foi a última pergunta feita pelo cientista político Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC, aos três convidados. “De zero a dez, qual o seu grau de preocupação?”

“Muito preocupado. Com uma vitória de Bolsonaro, ele não só implementará uma agenda desfavorável em áreas como costumes, educação, saúde e meio ambiente, como poderá mudar o desenho institucional de nossa democracia, interferindo no funcionamento do Judiciário”, respondeu Carazza. “Com Lula, a preocupação institucional é menor, mas ele enfrentará obstáculos para implementar uma pauta social mais ambiciosa.”

“Preocupação máxima. Diante da brutalidade que vemos hoje na sociedade brasileira, estou muito alarmada por ser mulher, mãe e professora. Sinto que corremos risco real”, disse Diniz.

“Sempre acreditei que, como humanidade, caminhávamos para a democracia, mas o mundo vive um processo de autocratização. Temos evidências de que o Brasil já vive

uma crise institucional. Se olharmos nossa história, a nossa tradição não é democrática. Por isso, precisamos zelar todos os dias pelos direitos adquiridos após a Constituição de 1988”, disse Sodré.

Assista ao vídeo completo do webinar.

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

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