Reforma trabalhista: preservar, aprimorar ou revogar?

Fundação FHC
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6 min readAug 15, 2022

Cinco anos depois de aprovada a reforma trabalhista, é necessário aprimorar a legislação em vigor no sentido de fortalecer a negociação entre empregadores e empregados. Para que isso seja possível, os sindicatos e as entidades empresariais devem estar bem organizados e financiados, sem que isso represente um retorno à obrigatoriedade da contribuição (ou imposto) sindical. Por fim, os sindicatos precisam ampliar sua base representativa para incluir os diversos tipos de trabalhadores existentes hoje, não somente os contratados pelo regime CLT, mas também os terceirizados e autônomos.

Estas foram as principais conclusões deste webinar realizado pela Fundação FHC, que teve como convidados um representante do mundo do trabalho e um representante do setor empresarial, com mediação do cientista político Sergio Fausto, diretor geral da Fundação.

“Na nossa visão, a reforma trabalhista de 2017 entregou o país a uma produtividade espúria, ao rebaixar o padrão regulatório do mundo do trabalho a uma condição de precarização e de insegurança que atinge cerca de metade da força de trabalho do país”, disse o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, que desde 1984 integra o corpo técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), entidade da qual foi diretor por 16 anos.

“Pensando no futuro, é essencial colocar a centralidade da dinâmica do trabalho e da sua regulação como parte constitutiva de um projeto que intencionalmente mobilize a capacidade produtiva do país e resulte em uma produtividade virtuosa. A geração de bons empregos, a distribuição justa do resultado da produção e a superação da desigualdade, da pobreza e de outras mazelas que afligem nossa sociedade devem ser os nossos objetivos últimos”, afirmou o consultor sindical.

“Olhando para trás, tínhamos uma legislação muito antiga e precisávamos, como sociedade, quebrar com o paradigma de não reformá-la. Com acertos e erros, a reforma de 2017 buscou atualizar a legislação trabalhista, adequando-a a uma realidade contemporânea em permanente evolução. Na questão da representação, no entanto, é preciso aprimorá-la”, disse o industrial Dan Ioschpe, presidente do Conselho de Administração da Iochpe-Maxion e do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).

“Quanto mais conseguirmos ter uma legislação que define princípios e diretrizes, mas evite o excesso de detalhamento e abra espaço para o acordado entre as partes, melhor. Para isso, obviamente, é essencial haver uma representação sólida, que tenha autonomia e não esteja sob risco existencial, pois só assim haverá maturidade entre as partes para levar esse debate adiante e contratar de forma lúcida e madura”, afirmou o vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

Negociação coletiva é o caminho para organizar o sistema produtivo e o trabalho

Para Clemente Ganz Lúcio, a negociação coletiva é o instrumento preferencial para capital e trabalho definirem, em comum acordo, as condições de produção, processos de trabalho e incorporação de tecnologias, garantindo que o resultado econômico seja distribuído de maneira justa.

“Nós concordamos que tem que ter menos regulação por parte do Estado e mais regulação por meio de negociação coletiva. Entretanto, a reforma trabalhista prometia apoiar e regular a negociação, mas fez o oposto, ao reduzir o poder dos sindicatos de negociar, enfraquecer sua capacidade organizativa e enaltecer a negociação individual”, disse o especialista do DIEESE.

“Desde sua entrada em vigor, as iniciativas do governo caminham sempre na direção de excluir os sindicatos da negociação. O Senado acaba de aprovar uma lei que diz que o teletrabalho pode ser regulado sem a intermediação do sindicato, ou seja, estamos regulando uma nova condição de trabalho que atinge milhões de pessoas e o sindicato será excluído da definição dessas regras”, criticou.

Segundo Clemente, o movimento sindical não está propondo a retomada do imposto sindical ou da contribuição obrigatória, mas sim o direito de os sindicatos representarem os trabalhadores por delegação deles próprios. A chamada taxa negocial seria definida em assembleia, previsto um quórum mínimo, e paga por todos os beneficiados pela negociação coletiva, sendo ou não filiados ao sindicato.Já a mensalidade ou anuidade paga ao sindicato seria voluntária.

O sociólogo também propôs a ampliação da base de representação dos sindicatos: “Se entrar em um banco hoje, você será atendido por funcionários contratados em regime CLT, mas também por terceirizados e autônomos. O sindicato deve buscar representar todos esses trabalhadores, independentemente da forma de relação de trabalho e da forma contratual. Estimamos que o setor financeiro tenha hoje mais de 1,5 milhão de trabalhadores, mas o âmbito de negociação existente representa cerca de 400 mil deles. Há 1,1 milhão de trabalhadores fora desta base de representação.”

Por fim, Clemente Ganz propôs a construção de novos “âmbitos de negociação” para atender melhor às necessidades dos trabalhadores, que variam de acordo com a atividade produtiva. “Um bom exemplo é a mesa nacional que unifica as demandas dos trabalhadores do setor financeiro de todo o país. Poderíamos criar âmbitos de negociação para a indústria da carne, do setor siderúrgico e/ou de determinada região ou segmento econômico”, disse.

“O que é importante é que a organização sindical deve responder a esse âmbito de negociação, propiciando que toda a diversidade de formas de inserção existente naquele universo esteja representada”, afirmou.

“O Brasil tem todas as condições de restabelecer seu padrão regulatório no mundo do trabalho como parte constitutiva de um arranjo socioeconômico adequado à realidade dos dias de hoje e que garanta ao trabalhador a capacidade de, por meio de seu salário, garantir o sustento de sua família e sua inserção na sociedade. Esse arranjo deve estar baseado em uma educação de qualidade, com possibilidade de aprimoramento constante, e no acesso à saúde, ao transporte e à moradia. Finalmente, é fundamental que o sistema produtivo tenha compromisso com a sustentabilidade ambiental e a boa governança social e corporativa”, concluiu.

A falta de representação ou uma representação descoordenada não é boa para as empresas

Para Dan Ioschpe, uma representação sindical ou patronal constituída de maneira transparente e democrática, bem fundamentada, com verificação se os resultados alcançados são bons ou ruins, constitui a base de uma relação madura e construtiva entre empregados e empregadores. “A experiência de não representação ou de uma representação descoordenada não é boa nem para a empresa nem para o trabalhador. Uma representação centralizada é muito melhor do que ter uma variedade de representantes, cada um com a sua agenda”, explicou.

“A representação em sindicatos e entidades patronais é bem-vinda sempre que os trabalhadores e as empresas, respectivamente, assim o desejarem. Ela organiza, traz parâmetros e capacidade analítica, mas precisamos trabalhar sempre de maneira construtiva para atingirmos o desenvolvimento socioeconômico e todo nosso potencial como nação, envolvendo empresários, trabalhadores, o Estado, a academia e o terceiro setor”, defendeu o líder empresarial.

O presidente do IEDI apontou quatro questões essenciais para o país atingir seu potencial:

  • a tranquilidade institucional;
  • o acerto das contas públicas ao longo do tempo;
  • a melhor distribuição de renda;
  • a sustentabilidade ambiental.

“Como parte dessa agenda de melhoria da competitividade e da produtividade, sem as quais não teremos desenvolvimento socioeconômico sustentado, definimos como prioridades a reforma tributária, com a criação de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), o investimento em infraestrutura, o incentivo à pesquisa e à inovação, a superação da insegurança jurídica e uma melhor inserção do Brasil no mundo, por meio de acordos comerciais e da adesão à OCDE o quanto antes”, continuou.

Tanto Ganz como Ioschpe salientaram a importância de olhar com cuidado para as pequenas e médias empresas, que embora ofereçam a maioria dos empregos no país, têm uma acentuada defasagem de produtividade em relação às grandes empresas. “Ao pensarmos na relação entre trabalho e produção é preciso uma atenção especial às micro, pequenas e médias empresas, que empregam muita gente, mas precisam se tornar mais produtivas”, disse o representante do trabalho.

Ambos defenderam a criação de novos marcos regulatórios para estimular áreas ligadas às novas tecnologias e à inovação. “Os produtos, serviços e processos produtivos estão se transformando muito rapidamente e precisamos construir os marcos regulatórios necessários para nos inserirmos nesse novo mundo da inovação de forma ágil e dinâmica, com a máxima segurança, garantindo assim nosso futuro”, disse Dan Ioschpe.

“Estamos em um mundo diferente e, para encontrarmos nosso lugar nesse novo mundo, temos que gerar um padrão regulatório que garanta, de um lado, flexibilidade, que é o que as empresas pedem, e, de outro, uma proteção razoável e dignidade aos trabalhadores em toda a sua diversidade”, disse Clemente Ganz.

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

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