Segurança Alimentar Global: Uma política de Estado

Fundação FHC
Fundação FHC
Published in
9 min readApr 5, 2018

“Segundo estudo da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), a oferta mundial de alimentos precisa crescer 20% nos próximos dez anos. Já a produção agropecuária brasileira tem tudo para aumentar cerca de 40% no mesmo período, pois temos terra disponível, tecnologia tropical sustentável e gente capaz de atingir esse objetivo. O Brasil tem tudo para se tornar o campeão mundial da segurança alimentar.”

Roberto Rodrigues, ex-ministro Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2003–2006), é coordenador do Centro de Agronegócios da FGV-EESP

Uma política de longo prazo que abarque as diversas áreas cruciais para o desenvolvimento do agronegócio, com um enfoque liberal em que o Estado estabeleça as normas, monitore e atue em áreas como política de ciência e tecnologia e crédito, mas o setor privado seja o principal responsável por fazer o processo avançar.

Esta é o produto que o ex-ministro Roberto Rodrigues pretende entregar a todos os candidatos à Presidência da República. À frente da Cátedra “Luiz de Queiroz” de Sistemas Agropecuários Integrados, ele coordena uma grande e qualificada equipe de especialistas em sustentabilidade, logística, financiamento, pesquisa e tecnologia, entre outras questões essenciais ao desenvolvimento do agronegócio.

“A ideia é elaborar um programa de Estado que não tenha a duração de apenas um mandato presidencial, e sim defina objetivos para os próximos dez anos, pelo menos. E que olhe amplamente para todo o setor, em suas implicações para a indústria, o setor financeiro e o comércio”, explicou Roberto Rodrigues, coordenador do projeto e primeiro titular da Cátedra Luiz de Queiroz de Sistemas Agropecuários Integrados.

Criada em setembro de 2017 pela USP, o objetivo da cátedra é promover reflexões e atividades interdisciplinares sobre temas relativos ao desenvolvimento e sustentabilidade (da agropecuária) e suas implicações para a economia em geral e a sociedade. “A USP tem mais de 50 unidades de ensino, que devem colaborar para que a academia saia de uma posição apenas reativa e se coloque de forma mais pró-ativa. Queremos oferecer aos candidatos um estudo com base técnica e científica consistente para alavancar a agricultura 4.0 no Brasil”, afirmou o professor Luiz Gustavo Nussio, diretor da Esalq, em seminário realizado na Fundação FHC para apresentar as linhas gerais do projeto.

Também participaram do evento, que lotou o auditório da Fundação em São Paulo, o ex-secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, responsável pela formulação das propostas relacionadas à sustentabilidade, e o engenheiro e professor da Esalq José Vicente Caixeta Filho, coordenador do capítulo sobre logística.

Segundo Rodrigues, engenheiro agrônomo formado pela Esalq e uma das lideranças mais respeitadas do setor — presidiu a SRB (Sociedade Rural Brasileira), a OCB (Organização Cooperativa Brasileira) e a ABAG (Associação Brasileira de Agronegócios) — , o plano em desenvolvimento terá capítulos específicos sobre os tópicos a seguir:

1. Estudo sobre oferta e demanda de alimentos (quem produz e quem consome, nacional e globalmente?);

2. Tecnologia, com destaque para os novos recursos digitais, irrigação e regionalização (o que vem vindo em termos de inovações e como não ficarmos à margem do processo?);

3. Sustentabilidade (a única forma de sermos competitivos globalmente é por meio da redução do desmatamento e do cumprimento das metas de redução do aquecimento global assumidas pelo país em Paris);

4. Gestão do agronegócio (papel do Estado, regras de origem, certificações, como reduzir perdas e desperdícios?);

5. Comércio internacional (aprimoramento da vigilância sanitária, novos acordos comerciais e como agregar valor às commodities?);

6. Infraestrutura e logística (onde é prioritário investir e como?);

7.Políticas de renda (revisão das políticas de crédito e seguro rural);

8. Política industrial, com ajuda da FIESP (o que tem de ser feito para atender às demandas da indústria a montante e a jusante das fazendas?);

9. Agroenergia (tendência irreversível de substituição dos combustíveis fósseis por biocombustíveis);

10. Associativismo (atuais leis sobre cooperativismo e organização sindical estão superadas);

11. Turismo rural (muito desenvolvido nos países ricos, ainda engatinha por aqui);

12. Comunicação (não adianta fazer tudo certo e não informar a sociedade sobre nossas práticas, de forma a obter seu apoio).

“A agricultura e a pecuária brasileira não teriam se desenvolvido tanto nos últimos 20 ou 30 anos sem a contribuição da estrutura presente nas cidades, onde estão as universidades, as indústrias e os comércios. Portanto, o sucesso do agronegócio não é dos agricultores, mas de todo o Brasil, e isso deve estar claro para todos os brasileiros”, defendeu Rodrigues.

Segundo o ex-ministro, o plano terá 17 coordenadores e, à medida que os estudos ficarem prontos, serão realizados encontros com professores, pesquisadores, especialistas, parlamentares e representantes de entidades para discutir a fundo cada capítulo. Ao final, haverá uma revisão geral para evitar sobreposições e contradições e o documento final, com cerca de 300 páginas e um sumário executivo com as principais propostas, estará pronto até julho, a tempo de ser apresentado aos candidatos antes do início da campanha eleitoral.

O agronegócio vem avançando na velocidade de um trem bala, enquanto o setor público se manteve praticamente inerte. Além disso, as políticas públicas agrícolas são em sua maioria de competência da União, mas as realidades diferem muito Brasil afora. Não adianta pensar apenas em propostas macro, se não houver ressonância nas regiões e nos estados”, alertou Rômulo Montenegro, secretário de Agropecuária e Pesca da Paraíba e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Agricultura (Conseagri), também presente.

O agronegócio e as metas brasileiras de redução do aquecimento global

Ao falar sobre o capítulo que tratará de sustentabilidade, o engenheiro agrícola Eduardo Assad, formado pela Universidade Federal de Viçosa com mestrado e doutorado na França, defendeu que o agronegócio tem um papel essencial para que o Brasil cumpra as metas de redução do aquecimento global assumidas pelo próprio país na COP-21, realizada em Paris em 2015 (saiba como foi o seminário Mudança Climática: Paris foi um divisor de águas?).

“Até pouco tempo, sustentabilidade era conversa de ambientalista, mas aos poucos o produtor rural se conscientiza de que a adoção de práticas sustentáveis é o que vai garantir seu acesso aos principais mercados do mundo”, afirmou Assad. “Passou da hora de sentarmos para conversar, os grupos ambientalistas e os ligados à produção, afinal, sou de origem árabe e no Oriente Médio dizemos que paz se faz com o inimigo”, brincou o palestrante.

“Nos últimos 50 anos, houve uma dramática degradação do capital natural do planeta, com a poluição de rios e comprometimento de lençóis freáticos, perda de biodiversidade, empobrecimento da terra e aceleração do aquecimento global. Por isso, é cada vez mais urgente trabalharmos de acordo com os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pela ONU na Agenda 2030”, disse o ex-secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio ambiente.

Em seguida, ele destacou três questões em sua apresentação: fome zero e agricultura sustentável, consumo e produção responsáveis e ação contra a mudança global do clima.

“Morrer de fome é o mais amargo dos destinos. Em um mundo que caminha para ter 10 bilhões de habitantes em 2050, aumentar a produção agrícola é essencial, mas também é preciso repensar o desequilíbrio mundial no consumo de alimentos. Enquanto um habitante de país rico consome em média 800 kg de alimentos por ano, nos países mais pobres não chega a 200 kg por ano”, afirmou (veja em sua apresentação fotos que comparam o consumo de uma família em países tão diversos como Alemanha, Itália, Polônia, Butão, EUA, México, Equador, Egito e Chade).

Assad também alertou para a urgência do Brasil enfrentar seriamente questões como uso responsável da água e universalização do saneamento ambiental:

“O debate sobre uso da água é fundamental para a produção sustentável e a sobrevivência no campo, pois se a irrigação não for feita de forma equilibrada mesmo um país com água doce abundante como o Brasil ficará sem água”, disse.

O coordenador da área de sustentabilidade adiantou alguma medidas do plano em elaboração:

1. Precificar e pagar por serviços ambientais (como garantir renda ao agricultor que adote práticas sustentáveis?; por que não usar as reservas de carbono para pagar dívida rural?);

2. Reduzir o tempo de abate do boi (uma medida que pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa da pecuária em até três vezes);

3. Priorizar políticas de produção bioenergética em vez de apostar nos combustíveis fósseis (os carros elétricos que também funcionam com etanol já são uma realidade);

4. Retomar e fortalecer as medidas de redução do desmatamento da Amazônia (entre 2005 e 2013 houve uma redução acentuada do ritmo do desmatamento na Amazônia, é essencial recuperar e fortalecer essa trajetória);

5. Encontrar formas de financiar a recomposição da vegetação de áreas desmatadas (a PROVEG, Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, precisa sair do papel ou o Cadastro Ambiental Rural, uma das maiores conquistas do Código Florestal, se tornará irrelevante);

6. Desenvolver a produção integrada de cereais, grãos e carne em áreas já desmatadas da Amazônia e do Cerrado (o objetivo é utilizar essa áreas durante todo o ano);

7. Substituir o uso de fertilizantes químicos por alternativas minerais e vegetais (com a utilização de bactérias fixadoras de nitrogênio, presentes na soja, no milho e na braqueária, nosso produto será limpo, sustentável e mais econômico);

8. Desenvolver um plano de produção agropecuária no Nordeste (como aproveitar a potencialidade do semiárido, onde vivem 25 milhões de pessoas em mais de 1.400 municípios?).

“Com esse conjunto de medidas, aumentaremos nossa produção de grãos em 80 milhões de toneladas (atualmente são cerca de 220 milhões) e teremos mais 30 milhões de cabeças de gado (hoje são cerca de 218 milhões, mais do que a população brasileira) com zero desmatamento (adicional). E ainda garantiremos 14% da meta de redução de carbono com a qual nos comprometemos em Paris. Só o Brasil tem condições de fazer isso no mundo”, concluiu.

Logística precisa de um novo marco regulatório

As falhas de logística (perdas e atrasos durante o transporte, falta de estruturas de armazenamento, entre outras) somam prejuízos equivalentes a até 15% da produção agrícola nacional anual, de acordo com José Vicente Caixeta Filho, coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Esalq, onde também é professor titular.

“A conta logística é muito alta, principalmente no caso das commodities, que têm baixo valor agregado”.

Segundo o engenheiro, nas últimas décadas o governo federal anunciou diversos planos de melhoria da infraestrutura (Brasil em Ação, Avança Brasil, PNLT, PAC1, PAC2. Agora é Avançar e, neste ano, o Sistema de Inteligência Territorial Estratégica, da Embrapa), mas os projetos, principalmente na área de transportes, são mais ou menos os mesmos e os resultados são insuficientes. “Para os governantes, é mais rápido inaugurar rodovias. Elas continuarão a ter papel importante nas próximas décadas, mas ferrovias e hidrovias, mais demoradas de entregar, fazem mais sentido do ponto de vista logístico a prazo mais longo. Muita coisa foi planejada, mas não de forma integrada, e diversas obras começaram, mas não acabaram”, disse.

Caixeta criticou o fato de não existirem regras claras e permanentes para que o investidor privado, nacional ou estrangeiro, possa investir em projetos de custo elevado, com retorno a longo prazo (leia sobre o seminário Como remover os obstáculos ao investimento privado?). Daí a necessidade de os Poderes Executivo e Legislativo unirem esforços para a elaboração de um novo marco legal para a área de logística.

“É preciso formalizar e unificar normas e fortalecer os instrumentos de controle”, disse o palestrante, que adiantou que o capítulo de logística terá 15 propostas, “boa parte delas com interseção com outros segmentos da economia” (veja sua apresentação).

Saiba mais:

Regularização ambiental e agropecuária de baixo carbono

Gestão portuária: o que o Brasil pode aprender com Roterdã?

Cenário global do investimento em infra-estrutura: principais tendências

O fim do triunfalismo petroleiro

Otávio Dias, jornalista, é editor de conteúdo da Fundação FHC. Especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.

--

--

Fundação FHC
Fundação FHC

Contribuir para ampliar a compreensão e disseminar conhecimento sobre o Brasil e seus desafios, com os olhos abertos para o mundo.