É preciso estar atento e forte

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Fundação LGBT+ Agreste
4 min readSep 5, 2018

O que eu desejo para a política brasileira? Cor, corpos e trajetórias de vida

A lendária filósofa feminista Angela Davis, que nos anos 70 foi membro dos Panteras Negras

Por Monica Benício

É possível mudar a política brasileira? Esse é um questionamento que tem se tornado recorrente em diferentes rodas sociais diante do momento de instabilidade, de tensão e de descrença generalizada como o que vivenciamos no Brasil nos últimos dois anos. Os sucessivos golpes que estamos sofrendo neste período, do campo político a retirada de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e à violência crescente, trazem para a cena do país uma ameaça grave a nossa Democracia, mas também e não menos importante, à resistência organizada de movimentos e partidos e a crença no papel do Estado.

Estes últimos em especial configuram parte importante do golpe, que inclui fazer grande parte da população desacreditar da política e das disputas institucionais, esvaziar processos eleitorais e assim manter os nossos coronéis contemporâneos, homens brancos, integrantes de famílias heteronormativa e organizadores do golpe, nos espaços de poder.

Essa é a resposta dada por eles ao nosso avanço, a nossa atuação em diferentes frentes e com destaque nas ruas nos últimos anos. Feministas, militantes LGBTs, o movimento negro, a juventude e diversos movimentos identitários vêm mostrando sua potência, exigindo direitos, ocupando tudo e com o pé na porta. Estamos invadindo os espaços que historicamente nos foi negado e tomando o que sempre nos foi de direito: as ruas, as Universidades, os partidos políticos, às organizações e também a institucionalidade. Mesmo ainda muito distante do que seria um quadro razoável para uma democracia, no último processo eleitoral avançamos na ocupação desses espaços.

A vereadora carioca Marielle Franco (in memoriam). Foto: Mídia NINJA

Tivemos um número maior de candidaturas femininas e feministas, de gays, lésbicas, travestis e transgêneros, de militantes negros/negras. Grande parte destas candidaturas representaram Brasil a fora a renovação na política, uma nova forma de militância e de campanha. E muitas delas foram bem sucedidas. Passamos a incomodar de muitas formas e em muitos lugares. Em grande medida esses golpes também tentam nos silenciar, como com a execução de vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro, que representava parte importante desta renovação, dessa nova política.

Representatividade no seu sentido literal significa tudo aquilo que lhe causa auto identificação e similaridade de imediato. Nos movimentos sociais em geral, partidos políticos e entidades/ organizações, a representatividade passou a ser associada a necessidade de “se enxergar” em cargos de alto escalão social, seja político, seja midiático, os grupos chamados de minorias políticas, garantindo uma representação social para eles. “Representatividade importa? Importa para quem?” passaram a ser tema central de debate para a disputa dos espaços institucionais.

Existem diversos fontes e opiniões que respaldam a importância da representatividade para as “minorias” atualmente. E o que todas estas fontes têm em comum é o fato comprovado de que a presença de feministas, de representantes LGBTs, e de negros e negras configuram o atendimento e a presença de pautas históricas destes segmentos nas casas e câmaras legislativas. Ou seja, garantir direitos e impedir retrocessos passam necessariamente por elegermos estes grupos. O racismo e o machismo, elementos estruturantes do sistema que vivemos e que no Brasil ganhou contornos específicos, devem ser enfrentados em todas as frentes e no espaço político institucional isso começa com a presença fundamental de mulheres negras. Essas que personificam em seus corpos, trajetórias e vidas suas opressões.

Loretta Lynch, primeira mulher negra a ocupar o cargo de Procuradora-Geral dos Estados Unidos, durante o governo do presidente Barack Obama

Isso significa que 2018 é um ano decisivo para nós. Podemos e devemos construir campanhas dessas lideranças, dessas mulheres negras. Campanhas efetivas, com investimento: financeiro e político. E campanhas que de fato tragam o rosto e a expressão dessas mulheres. Precisamos estar atentos e atentas. A representatividade política não pode se ater apenas ao fato de ser negra(o), mulher e/ou LGBT. Ela deve vir alinhada com um programa político radical de mudança da nossa sociedade. Não é possível transformamos à vida das mulheres, da população LGBT e enfrentarmos o racismo no Brasil se não alterarmos a ordem social que vivemos.

Nossos desafios não são pequenos. Enfrentaremos um processo eleitoral em contexto de golpe e com a tarefa de reflorescer a esperança das pessoas na política. E para isso só uma nova forma de fazer política, radicalmente democrática, afetiva e com a presença massiva daquelas que representam com seus rostos, expressões e história de vida, o desejo real de mudança da população brasileira. Aquelas que vêm ensinando com suas redes e forma de atuar que a política pode e deve ser feita de outra forma. E que o modelo experimentado até hoje, liderado por homens brancos, faliu.

Aquelas que, mesmo em uma corrida eleitoral onde são “ensinadas” e incentivadas a concorrerem e disputarem entre si, se unem e mostram que estamos do mesmo lado, o da mudança. Nosso canto ecoado nas ruas: “Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor” é ressignificado para as campanhas. Este é o canto que embala a formação de uma verdadeira frente de mulheres negras que irá ocupar essa eleição em todas as suas dimensões e que irá responder a pergunta inicial desse texto: sim, é possível mudar a política brasileira!

*Monica Benício é arquiteta urbanista, militante de Direitos Humanos e ativista LGBTI+. Ela luta por justiça pela morte brutal de sua companheira, a vereadora carioca Marielle Franco, que foi assassinada junto ao motorista Anderson Gomes no dia 14 de março de 2018.

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