A sexualidade da mulher é linda

Uma reflexão sobre o tão pouco falado prazer do corpo feminino. Dessa vez, sem a perspectiva do homem

LGBT+ Agreste
Fundação LGBT+ Agreste
3 min readSep 20, 2018

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A ilustradora paraguaia Regina Rivas retrata a sexualidade feminina sem tabus ou padrões

Por Fernanda Young

A ideia de castração é uma grande mentira. Um dos livros que vale a pena toda mulher ler é O Relatório Hite, de Shere Hite. Nesse livro tem perguntas muito específicas, que foram enviadas com uma metodologia, e foi a primeira grande pesquisa sobre a sexualidade feminina. Nele, as mulheres reconhecem que é a primeira vez que alguém está interessado em saber como é a sexualidade feminina, e não sob o verniz do olhar do homem. Ou seja, a sexualidade da mulher descrita pela própria mulher e avaliada por mulheres.

Uma das perguntas é sobre o orgasmo, como é o orgasmo na penetração, na masturbação e no clitóris. E o livro revela algo que não é comumente dito: que não existe nenhum tipo de orgasmo que exclua o clitóris. Porque, por mais que você não o tenha manipulado com a sua mão, ou que alguém o tenha manipulado no ato sexual, o clitóris faz parte da vagina tanto quanto a glande, que é a parte de maior sensibilidade do órgão sexual masculino, faz parte do pau.

Então é a mesma coisa. Não é possível excluir nem um nem outro. Outra coisa também que ninguém fala é que a mulher também fica rija, assim como o homem. Ela endurece, cresce, fica ereta, tanto quanto o pau do homem. Só que é interno, não está facilmente visível. E daí podemos concluir: não somos castradas. Nós, talvez, tenhamos sido castradas na repressão
do olhar do outro, no olhar da cultura, porque nosso órgão não é visto. Mas, na verdade, nós ficamos duras e ejaculamos, só que em outra proporção.

Outro dia, um dia chato até, andei pensando sobre a ereção feminina. Ninguém fala sobre isso; ninguém conta que fica superdura — quando na verdade, a total intumescência, a nossa, pode vir a ser bem maior do que o pau mais rijo que você já viu. Como esse dia estava realmente enfadonho, tive uma ideia dessas que só me trazem problemas, mas que é impossível de esquecer: a de desenhar uma buceta e fazer disso um panfleto.

Acontece que a ereção do homem ocorre para fora do corpo. E é linda, temos que reconhecer. A nossa, ela existe, só que ocorre sob a superfície do corpo, na bainha, e também é muito linda! Mas, nesse dia chato, como seguem os tempos atuais, não desenhei nem fiz o panfleto que jogaria aos milhares pela janela, em plena avenida Paulista. Nesse panfleto, eu sugeriria: “Nos ensinaram a buscar os objetos fálicos; o masculino. Busque nas dobras o feminino!”

Sobretudo, o que mais me impressiona é que no discurso do ponto G, que a maioria das pessoas conhece, parece que as mulheres têm um orgasmo interno errático, como se o orgasmo clitoriano fosse uma fragilidade de alguém que não conseguisse gozar efetivamente com a penetração. Então, nesse discurso está intrínseco que a mulher sem um pau não goza efetivamente.

O pau, claro, é um objeto de fantasia e mentalmente funciona, mas a satisfação sexual da mulher não necessariamente depende dele. Essa pesquisa Hite é bonita por mostrar que a mulher não é um ser incapaz por precisar do clitóris para gozar. E ninguém fala disso, e muitas mulheres se sentem constrangidas ao manipularem o clitóris.

Mas a sexualidade da mulher não é castrada. Ela é apenas mais misteriosa e sofreu pela demora em ser entendida, principalmente, porque fisiologicamente é mais interna. Quando Lacan diz que “a mulher não tem sexo”, acho que ele quer dizer que ela é, na verdade, toda sexual. É simplesmente lindo! O que ela não tem é gênero. A mulher é puramente erógena.

*Fernanda Young é escritora, roteirista, apresentadora, autora de mais de 12 livros. O texto acima foi publicado originalmente em sua nova obra, “Pós-F.: Para além do masculino e do feminino”, lançado este ano pela Editora LeYa.

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