Migrações internacionais em um mundo globalizado

Fundação FHC
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4 min readJul 30, 2019

Não serão muros, fronteiras, nem outras políticas migratórias restritivas defendidas por líderes populistas ou xenófobos de extrema direita que evitarão que as pessoas se movimentem em busca de sobrevivência ou melhor qualidade de vida. Este foi o ponto de vista defendido pela cientista política francesa Catherine Wihtol de Wenden no seminário “Migrações internacionais em um mundo globalizado: como as democracias podem lidar com esse desafio?” promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, com apoio do Consulado Geral da França.

Para ela, sem uma agenda multilateral de diálogo é difícil fazer frente às migrações. Isso porque é cada vez mais difundida e clara a percepção de que existem grandes desníveis de desenvolvimento humano entre as nações. Essa percepção, somada à dificuldade em mudar a realidade nos seus próprios países, faz com que muitas pessoas decidam arriscar a sorte em países mais desenvolvidos, ainda que de forma ilegal.

“As pessoas estão cada vez mais urbanas, mais informadas e mais escolarizadas e se veem como empreendedoras da própria vida. Veem a mudança de país como uma oportunidade de melhorar de vida, apesar dos grandes riscos envolvidos.”

Catherine Wihtol de Wenden, advogada e cientista política, é doutora em Ciências Políticas pela Sciences Po (Paris).

Sobre o perfil dessas pessoas ela afirmou: “A maioria dos que optam por empreender um ‘projeto pessoal de imigração’ não são os mais pobres, mas aqueles que têm alguma capacidade de mobilidade. Possuem uma rede de contatos e dinheiro para pagar a viagem, muitas vezes recorrendo a esquemas ilícitos.” Segundo a especialista em fluxos migratórios, políticas de migração e cidadania na Europa e no mundo, a ausência de uma efetiva colaboração internacional expõe esses imigrantes a grandes riscos, como escravidão, tráfico para fins de prostituição e venda de órgãos.

Pacto global vai na direção correta

O Pacto Global de Migração Segura, Ordenada e Regular, aprovado em conferência das Nações Unidas em Marrakech, Marrocos, no final de 2018, é um passo na direção correta. Mas já começa debilitado pela recusa de vários países, a começar dos Estados Unidos, em assiná-lo. O Brasil, que havia tido participação efetiva na sua negociação e o assinou durante o governo Temer, abandonou o Pacto já nos primeiros dias do governo Bolsonaro.

A questão migratória segue sem perspectivas de solução. O debate político em torno do tema, tanto no plano nacional (dentro de cada país), como no regional (caso da Europa) e internacional, ficou mais polarizado nos últimos anos, o que dificulta a formação de consenso em torno de medidas efetivas.

Um conjunto de fatores levou a uma progressiva mudança na forma pela qual os habitantes e os governos de vários países, principalmente na Europa e nos EUA, passaram a perceber a questão da migração a partir do final dos anos 90: a crise financeira de 2008 e suas consequências, a revolução tecnológica e o desemprego crônico, assim como problemas de segurança, incluindo o terrorismo. Nesse período, a migração passou a ser vista como uma ameaça ao modo de vida e à identidade cultural por um número crescente de habitantes dos países de destino. Na Europa, a percepção de ameaça se agravou com a crise dos refugiados em 2015, politicamente bem aproveitada pela direita xenófoba para ganhar apoio político.

No ambiente político atual, nos Estados Unidos e na Europa, ficam encobertas as vantagens que a imigração proveniente de paíes mais pobres traz, em particular o de compensar a redução da natalidade e o envelhecimento das populações locais.

Divergência na União Europeia

Devido à proximidade e facilidades de acesso pelo Mar Mediterrâneo, a Europa recebeu o maior impacto migratório resultante da desorganização do Oriente Médio e do Norte da África, na esteira da invasão do Iraque, da guerra civil na Síria e do colapso da Líbia. Embora o auge das migrações de refugidos tenha ficado para trás, até hoje o problema repercute na União Europeia, que não consegue coordenar uma política regional para lidar com a questão, não obstante o orçamento da agência europeia que cuida das fronteiras e das migrações ter se multiplicado por sete desde 2016.

A questão é que permanece sem solução a divergência entre os países do bloco sobre o esforço que cada qual deve fazer para migrantes econômicos e refugiados. A divergência mais notável é com os países do Leste Europeu que, mesmo recebendo muitos recursos da União Européia, se recusam a particicipar de um esforço coopererativo, mas não se limita a eles. A Itália, por exemplo, reivindica direitos soberanos para estabelecer restrições próprias à imigração.

Para concluir, Catherine, que já foi consultora de várias organizações, incluindo a OCDE, a Comissão Europeia, o ACNUR e o Conselho da Europa, argumentou que os recursos aplicados na proteção das fronteiras seriam melhor aplicados na real integração dos migrantes e refugiados à Europa. A médio prazo, o remédio mais eficaz seria lhes assegurar o direito de voto, ou seja, torná-los cidadãos plenos nos países de destino. Só assim seria possível reduzir o peso eleitoral da direita xenófoba, provocou a palestrante.

Fluxos migratórios em decorrência de problemas ambientais

Catherine alertou, por fim, para um novo tipo de fluxos migratórios que já ocorre e deve se intensificar nas próximas décadas: os decorrentes de problemas ambientais causados principalmente pelo aquecimento global. Elevação do nível do mar, derretimento de geleiras, desertificação ou grandes inundações afetarão populações ao redor do mundo, sobretudo os mais pobres, e as forçarão a migrar para sobreviver.

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Para onde vai a Europa? Por José Manuel Durão Barroso

Rodrigo Lima, graduado em relações internacionais, trabalhou como repórter de economia no DCI (Diário do Comércio e da Indústria).

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