3 livros para entender o comportamento de torcedores violentos no futebol

Algumas obras procuraram compreender o que leva as pessoas a fazerem parte desses grupos e como eles funcionam

Bruno Rodrigues
Futebol Café
5 min readSep 12, 2017

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Torcida do Boca Juniors faz festa na Bombonera. Barra brava do clube é a mais perigosa da Argentina (Crédito: Wikimedia Commons)

Apoio ao time, violência, bandeiras e instrumentos, enfrentamentos com a polícia, festa na arquibancada, enfrentamentos entre rivais. O mundo das torcidas organizadas não é tão simples como as imagens de TV podem fazer crer. Na maioria dos casos, há toda uma estrutura de poder por trás dessas organizações. E a atuação dessas torcidas transcende o plano do campo, do clube de futebol para o qual elas torcem, chegando até o poder público, ampliando a influência desses grupos sobre esferas da sociedade.

Alguns livros se propuseram ir a fundo no tema dos torcedores violentos, procurando investigar os motivos que levam as pessoas a fazerem parte das torcidas e entender o funcionamento dos grupos, das organizações. Com idiossincrasias distintas, hooligans, barras bravas e torcidas organizadas brasileiras foram contempladas na literatura com algumas obras fundamentais para o entendimento de seus comportamentos. Trabalhos que ajudam a elucidar esse mundo que nós, de fora, entendemos pouco.

Uma seleção curta, mas de fácil acesso aos leitores interessados e essencial para conhecer melhor o tema. Oferecimento do Futebol Café. Sugerimos fazer a leitura acompanhado de algumas boas doses de cafeína, para não perder nenhum detalhe.

A violência no futebol — Mauricio Murad

O livro essencial para entender o mundo das organizadas brasileiras, ponto de partida para entrar no universo das torcidas e buscar explicações sobre elas. Em A violência no futebol, o sociólogo e professor Mauricio Murad faz um estudo que procura compreender os processos de atuação dos torcedores, nunca imunes ao que acontece na própria sociedade. Murad fala dos pequenos núcleos violentos das torcidas e como esses núcleos acabam centralizando a imagem de violência que paira sobre as agremiações, fruto também de uma cobertura generalizadora e sensacionalista da imprensa, que rotula os grupos com base no discurso elitista da baderna.

Talvez um dos aspectos mais interessantes da obra de Murad é que o autor não só dá um panorama das torcidas organizadas no Brasil e como se chegou a um número elevado de mortes no futebol a cada ano por aqui, mas também sugere algumas ações que podem ser tomadas para fazer do nosso futebol um ambiente menos violento.

Basicamente, segundo ele, um plano para melhora do quadro de violência passa por três fases: aplicação imediata da lei para reprimir os violentos, práticas preventivas a médio prazo e, a longo prazo, medidas de caráter educativo para conscientizar as torcidas e seus membros, mudando a cultura que se estabeleceu entre elas.

Professor, Murad não faz uso de um texto acadêmico chato e complicado. Pelo contrário, sua pesquisa e seu trabalho são apresentados de forma bastante simples. O próprio livro faz parte de uma coleção chamada “Para Entender”. E é isso que ele consegue. Fazer com que entendamos melhor o mundo das torcidas, as questões da violência atreladas a elas e o que pode ser feito para mudar a situação das organizadas no futebol brasileiro.

La Doce | La verdadera historia de la barra brava de Boca — Gustavo Grabia

Um dos trabalhos jornalísticos mais fascinantes na literatura de futebol. E um dos mais arriscados também, sem dúvidas. No livro-reportagem La Doce | La verdadera historia de la barra brava de Boca, o jornalista argentino Gustavo Grabia conta a história da famosa barra do Boca Juniors, a mais temida da Argentina. Uma investigação completa e cheia de detalhes, na qual Grabia, à época trabalhando para o Diário Olé, mostra como a torcida foi capaz de expandir sua influência para fora da Bombonera e do próprio futebol, colocando seus tentáculos inclusive na política argentina.

Essa passagem de atuação dos arredores do estádio para o plano político nacional explica bem a máquina de impunidade que se tornaram o futebol e, no mais alto escalão, as autoridades argentinas, que por tanto tempo permitiram — e seguem permitindo — a ação de criminosos na sociedade.

Uma história que começou no longínquo ano de 1924 e para a qual não se encontrou ainda uma solução. Conforme registrado no livro, não apenas porque não se pôde encontrar, mas porque não se quer. Afinal, até outro dia governo e barras bravas andavam lado a lado, trabalhando juntos pela manutenção do poder. Nas tribunas, nos estádios, no futebol e no país.

Entre os vândalos — Bill Buford

Depois de compreender melhor o mundo dos torcedores organizados brasileiros e dos barras argentinos, Entre os vândalos nos leva para dentro do universo dos hooligans ingleses, esse núcleo muitas vezes romantizado da cultura do futebol britânico. O autor, Bill Buford, é um jornalista norte-americano. Interessado em investigar o comportamento dos violentos torcedores ingleses, embarcou numa empreitada de quatro anos infiltrado entre os grupos de hooligans. É interessante ver como ao longo do livro Buford passa do papel de contador da história a ser parte dela, como um elemento mais dentro do ambiente futebolístico inglês.

Provavelmente o melhor texto entre os três livros citados aqui, aquele de leitura mais agradável. A participação ativa de Buford no enredo contribui bastante para isso, já que a escrita flui não só a partir dos dados coletados, mas da própria experiência vivida pelo autor no contato com os fãs ingleses.

Como diz o pequeno texto da contracapa, “Mais do que fazer um exercício de sociologia do comportamento grupal patológico, Buford nos mostra como a experiência da violência de massa, partilhada sob o manto do suposto anonimato, exerce um apelo insidioso, por vezes irresistível, até mesmo às mentes mais esclarecidas”.

A vida entre os vândalos acabou se tornando irresistível para o próprio autor. E sua obra, irresistível para os fãs de futebol interessados na temática das torcidas, de seus comportamentos, de suas identidades.

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