Existe uma escola gaúcha de futebol? Novo livro do Ludopédio discute o professorado do Rio Grande do Sul

Sérgio Xavier Filho assina o prefácio da obra do jornalista Filipe Duarte, que também conta com texto de Roger Machado

Futebol Café
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4 min readJun 24, 2021

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Ludopédio lança sua quarta obra da coleção Campo de Jogo (Crédito: Ludopédio/Divulgação)

Bah! Este texto, de autoria do jornalista Sérgio Xavier Filho, corresponde ao prefácio de Escola Gaúcha de Futebol, livro do também jornalista Filipe Duarte. A obra compõe a coleção literária Campo de Jogo, da Editora Ludopédio, que cedeu gentilmente o trecho para publicação no Futebol Café

Crônica de um dilema anunciado

Por Sérgio Xavier Filho

É preciso, acima de tudo, coragem para fazer o que Gabriel García Márquez fez na primeira frase, no primeiro parágrafo de seu Crônica de Uma Morte Anunciada (Record). “No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30 da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo.”

Pois é, assim, na primeira frase do livro, Gabo já contava qual seria o acontecimento essencial da obra inteira: o assassinato de um homem. Pois o genial escritor colombiano não ganhou o prêmio Nobel porque tinha uns amigos escandinavos da academia. Ele entregou o assassinato do personagem logo de cara porque tinha o domínio absoluto da narrativa, sabia que prenderia os leitores de outra forma.

Lembrei-me de García Márquez porque o Filipe Duarte, num contexto bem diferente, resolveu também se arriscar num duplo twist carpado narrativo. Já no primeiro parágrafo, resolveu questionar o título de seu livro e a própria razão de ser da obra. Colocou de cara um dos seus personagens principais dizendo que a tese do livro, talvez, não faça sentido. Que a tal “escola gaúcha de técnicos”, de repente, não existe nem nunca existiu. Cá pra nós, Filipe Duarte não é Gabriel García Marquez, nem pretende sê-lo. Mas, no seu quadrado, foi tão topetudo quanto. Será que existe mesmo uma “escola gaúcha de técnicos”?

Para tentar responder esse tipo de pergunta não adianta ser bom de narrativa. É preciso tirar o traseiro da cadeira e ir à luta. Ler, pesquisar, entrevistar e pensar. Analisar o material e repetir a operação. Mais leituras, pesquisas, entrevistas e reflexões. Até que tudo se encaixe. Ou não. Esse processo pode se tornar delicioso quando os personagens são complexos. O futebol gaúcho ofereceu ao Filipe um instigante time de treinadores que, cada um a seu jeito, bagunçou os conceitos estabelecidos da época.

É até difícil escolher um personagem mais interessante nas 160 páginas do livro. Confesso que tenho um fraco por Oswaldo Rolla, o Foguinho. Talvez porque tenha o conhecido primeiro como radialista e só depois soube de sua história como atleta e, principalmente, como técnico. Era um homem cheio de “erres” arrastados na fala, frases formais, parecia ser um tremendo conservador. No futebol, porém, não foi. Bebeu na fonte da grande Hungria de 1954, foi um revolucionário, quase um bolchevique gaudério da bola.

E Cláudio Duarte, nosso bigodudo Claudião? O mesmo sujeito que tirava uma onda da imprensa propagandeando o seu tosco esquema Pega-Ratão, vinha com a sofisticação de um líbero em clássico. Otacílio Gonçalves, o Chapinha, é outro personagem que merecia pesquisa e análise. É dele o Grêmio Show de 1988, até o orgulhoso Vanderlei Luxemburgo reconhece que o Palmeiras multicampeão de 1993/94 foi gerado no ano anterior, com Otacílio.

Tite, atual técnico da seleção brasileira (Crédito: César Zárate/Icônicos do Fut)

Não se trata de romance, estamos falando de um livro-reportagem, só que em vários momentos temos personagens se cruzando, um invadindo a história do outro. Como se fosse um bom romance. Felipão é discípulo de Carlos Froner, os dois treinaram Tite que… encontrou um caminho próprio para direcionar sua carreira.

Paulo Roberto Falcão aprendeu com Minelli, compartilhou conhecimento com Paulo César Carpegiani, que fez o diabo no Flamengo. A montagem do Grêmio de Valdir Espinosa rendeu uma taça no Japão e, de uma certa forma, deu origem ao mais improvável dos treinadores: Renato Portaluppi. Quem imaginaria que aquele irreverente e indisciplinado ponteiro pudesse se tornar um comandante respeitado?

Dito tudo isso, volta a pergunta. Com personagens tão diferentes dá para falar de uma escola gaúcha de treinadores? García Marquez mostrou em sua Crônica de Uma Morte Anunciada que a questão central não era a morte em si de Santiago Nasar, mas por que uma cidade inteira, sabendo que o crime aconteceria, não foi capaz de impedi-la. No livro de Filipe, veremos que há uma série de pontos identificando os treinadores nascidos em solo gaúcho. Temos um fio condutor amarrando todos. E há uma série de diferenças afastando uns dos outros. O que faz mais sentido, as semelhanças ou as diferenças? Será preciso se entregar à leitura, conhecer todas as histórias antes de se arriscar a uma resposta. Eu já tenho a minha.

Sobre o autor:

Nascido em São Borja, em 1988, Filipe de Moraes Duarte se formou em jornalismo na URCAMP (Universidade da Região da Campanha), em Bagé, no ano de 2008. Após experiências nas rádios Gre-Nal, Guaíba e Bandeirantes, passou a integrar desde 2018 a equipe de esportes do Grupo RBS, atuando pelo jornal Zero Hora, site GZH e Rádio Gaúcha, onde permanece atualmente.

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