7 livros para entender o futebol italiano, segundo a Calciopédia

A convite do Futebol Café, os especialistas no Calcio dão dicas das melhores leituras sobre o futebol que se joga na Bota

Bruno Rodrigues
Futebol Café
10 min readMay 15, 2019

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Futebol, pizza e a Gazzetta dello Sport (Crédito: Futebol Café)

Quando pensamos no futebol italiano, uma coisa é certa: ele já viveu dias melhores. Forças do Calcio como Milan e Internazionale atravessam períodos complicados, não conseguindo sequer classificação a competições europeias. Lembra quando eles levantavam a taça da Champions League? E ainda tem o monopólio da Juventus que, convenhamos, para quem não simpatiza com os bianconeri, é um verdadeiro porre.

Mas essa é uma visão bastante superficial do que acontece na liga italiana. Na contramão da superficialidade e desse monte de lugar-comum está a cobertura que a Calciopédia faz do futebol do país desde 2006, quando o blog ainda se chamava Quattro Tratti.

Sem transmissão da Serie A na TV brasileira depois de 36 anos no ar, uma das melhores formas de acompanhar o futebol da Bota é ficar de olho no que a Calciopédia publica. Além do factual de cada rodada do campeonato, da Coppa Itália e dos torneios continentais com participação dos italianos, há matérias especiais e ótimos perfis de figuras que marcaram a trajetória do Calcio, entre outros conteúdos, feitos por uma equipe que tenta transmitir o que há de mais interessante na Itália.

Inclusive, há ótimas histórias e aspectos a serem observados no Calcio que não necessariamente fazem parte do circuito Juve-gigantes de Milão-Roma (Alô Sampdoria do Marco Giampaolo!).

A convite do Futebol Café, com o intuito de trazer para o blog um pouco do conhecimento dos camaradas da Calciopédia sobre o futebol italiano, o time azzurro escalado com Nelson Oliveira, Braitner Moreira, Arthur Barcelos, Charley Moreira e Murillo Moret enviou uma vasta lista, da qual selecionamos as obras mais interessantes, com leituras essenciais para entender os dramas e os momentos de glória de uma das nações mais futeboleiras do mundo.

Agarre sua caneca de café e tenha uma ótima leitura!

Calcio: Uma História do futebol italiano (Calcio: A History of Italian Football), de John Foot (2007)

Se o Simon Kuper falou pra ler, leia (Crédito: Divulgação)

“Calcio: A History of Italian Football” é uma espécie de bíblia/enciclopédia produzida por John Foot. Nela, o historiador britânico, especialista em temas relacionados à Itália, oferece uma ampla visão sobre a história do futebol italiano —principalmente sob as óticas das sempre presentes maracutaias e dos sacrifícios feitos pelos amantes do esporte.

Em cerca de 600 páginas, o livro conta os principais eventos e aborda os grandes personagens do futebol italiano desde seus primórdios, nos idos de 1890, até o tetracampeonato azzurro e a eclosão do Calciopoli, em 2006. Foot, como falamos, não é um qualquer: doutor em história italiana por Cambridge e professor em diversas universidades britânicas, ele consegue, com primor, associar o futebol às principais manifestações culturais e filosóficas da Itália, passando pelas óperas de Verdi e os livros de Maquiavel.

O drama operístico e a politicagem com fins e meios escusos são duas características muito presentes na sociedade italiana e, como não poderia deixar de ser, refletem em seu futebol. Foot mostra muito bem como tais conceitos se imiscuem em cada poro do esporte e como eles ficaram evidenciados (muitas vezes com resultados bastante negativos), por exemplo, na relação entre clubes e grandes empresas. Ou mesmo quando toda a estrutura futebolística acaba sendo aparelhada por um facínora como Benito Mussolini. Claro, também há espaço para tributos aos grandes títulos da Nazionale e das principais agremiações da Velha Bota.

Se a Calciopédia produzisse um livro um dia, os editores gostariam que ele tivesse um pinguinho da importância do trabalho feito por John Foot.

História do futebol na Itália (Storia del Calcio in Italia), de Antonio Ghirelli (1990)

Primeiro lançamento foi em 1954 (Crédito: Divulgação)

Clássico. Falecido em 2012, aos 90 anos, o napolitano Antonio Ghirelli foi o primeiro a escrever seriamente sobre futebol. Monstro sagrado do jornalismo italiano, o veterano trabalhou em várias frentes, mas foi no esporte que teve sua primeira publicação —justamente a do livro que indicamos agora. Considerado sua obra-prima, “Storia del Calcio in Italia” foi lançado em 1954 e ganhou uma versão repaginada em 1990.

A principal contribuição da obra de Ghirelli diz respeito ao relato das origens e da evolução de um simples jogo importado por marinheiros ingleses que rapidamente se transformou em uma religião na Itália. Nesse livro, o destaque fica para o trabalho de pesquisa sobre o nascimento do futebol no Belpaese e os eventos que fizeram com que, depois de poucos anos, o esporte já fosse o mais amado da Velha Bota — e, como nota o jornalista, logo se tornasse um negócio rentável e repleto de heróis e vilões. Até hoje, nenhuma outra publicação italiana sobre futebol alcançou tanta importância histórica e cultural.

O meu nome é Nedo Ludi (Il Mio Nome è Nedo Ludi), de Pippo Russo (2006)

O ano é 1989 e Nedo Ludi é o líbero do Empoli. Nedo não é um craque, mas um jogador modesto que, com aplicação, disciplina e trabalho duro, conseguiu construir sua reputação como um defensor confiável: um especialista em marcar o centroavante adversário. Jogador profissional, já caminhando para o fim da carreira, Ludi ganha bem e vive tranquilamente até dar de cara com seu maior terror: o jogo a zona proposto por Arrigo Sacchi, que começa a ser reproduzido por toda a Itália e torna a sua função em campo obsoleta. O indivíduo não conta mais, os encaixes homem a homem passam a cair em descrédito e tudo o que importa é a posição relativa de cada peça da equipe. Cada jogador não passa de uma engrenagem num organismo maior chamado time.

O autor já escreveu também sobre o agente Jorge Mendes (Crédito: Divulgação)

O zagueiro até tenta se adaptar ao sistema proposto por seu novo treinador, mas não consegue. Não importava mais se ele havia se dedicado à equipe e se sacrificado por ela, nem mesmo o gol para salvá-la do rebaixamento tinha “lugar de fala”. Ou compra o projeto ou cai fora, é a mensagem que lhe é passada. Revoltado pela traição, Nedo resolve tomar atitudes drásticas.

Este cenário é o pano de fundo de um romance quase surrealista, que faz uma alusão ao ludismo — sim, Nedo Ludi é uma referência a Ned Ludd. O ludismo, conforme estudamos nas aulas de história do ensino médio, foi um movimento revoltoso que aconteceu na Inglaterra, em reação à modernização na indústria têxtil nos primórdios da Revolução Industrial. Consistia, basicamente, na quebra das máquinas e na inutilização das novas tecnologias. De forma análoga, Ludi passa a sabotar os esquemas táticos da equipe.

O romance tragicômico é uma analogia às mudanças ocorridas na indústria do futebol no início dos anos 1990, mas não só. Pippo Russo faz uma crítica à economia e à sociedade da Itália daquele tempo: governo e povo se mostrariam incapazes de se adaptar a uma nova ordem europeia e à crise que o país começava a atravessar — e que ainda não acabou.

Autor da publicação (que teve uma continuação lançada em 2017), o jornalista siciliano já é conhecido no Brasil e em Portugal. O trabalho de Russo que já causou algum burburinho por aqui é “A Orgia do Poder”, livro sobre o super agente Jorge Mendes, empresário de Cristiano Ronaldo, José Mourinho e tantos outros.

Do scudetto a Auschwitz: a história de Árpád Weisz, treinador judeu (Dallo Scudetto ad Auschwitz — Storia di Árpád Weisz, allenatore ebreo), de Matteo Marani (2007)

Weisz tem uma das histórias mais tristes e belas do futebol italiano. Natural da Hungria, Árpád chegou à Itália ainda como jogador e vestiu as camisas de Alessandria e Inter. Foi justamente pelo clube de Milão que ele iniciou sua carreira como treinador, descobrindo e lançando o mitológico Giuseppe Meazza e ganhando seu primeiro título nacional. Expoente da escola danubiana, Weisz fez ainda mais sucesso à frente do Bologna “que fazia o mundo tremer”, conquistando um bicampeonato nacional, em 1936 e 1937.

História de Weisz só veio à tona em 2007 (Crédito: Divulgação)

Essa história de sucesso foi brutalmente interrompida pelo horror do nazifascismo. Como era judeu, Weisz foi impedido de trabalhar na Itália por causa das “leis raciais” promulgadas pelo fascismo de Mussolini e fugiu para a Holanda, na expectativa de que, sem que a II Guerra lá chegasse, pudesse continuar sendo técnico de futebol. No entanto, Árpád e sua família foram capturados pela Gestapo e despejados para os campos de concentração, em 1942.

Primeiro, passaram por Westerbork (o mesmo de Anne Frank), depois foram para Auschwitz. Sua esposa, Elena, e os filhos Roberto e Clara foram imediatamente assassinados na câmara de gás; Árpád foi mantido vivo para realizar trabalhos forçados e somente em 1944 teve o mesmo destino.

Por incrível que pareça, essa história ficou escondida por mais de seis décadas e só veio à tona em 2007, quando Matteo Marani publicou o resultado de seu extenso trabalho de pesquisa, que foi a fundo na história de um dos gênios esquecidos da Serie A. Seu livro resgatou a memória de Weisz, que passou a receber homenagens por toda a Itália, sobretudo dos clubes pelos quais passou — atualmente, Árpád é relembrado nos estádios de Milão, Bolonha, Novara e Bari. O livro-reportagem de Marani é fundamental para nos lembrar que a podridão, a perversidade e a barbárie oriundas do fascismo não perdoam ninguém.

Minha Árvore de Natal (2003) + Liderança Tranquila (2016) — Carlo Ancelotti

Livro não tem edição em português (Crédito: Divulgação)

Clássico. O livro, já indicado pelo Futebol Café, é um raro exemplo de situação em que um técnico em atividade abre o jogo sobre suas predileções táticas e estratégias utilizadas. E não é qualquer técnico: é o mais vitorioso e mais importante treinador italiano do século XXI.

Como o livro não tem publicação em português (pode ser encontrado em italiano, inglês e espanhol), uma boa pedida alternativa é “Liderança Tranquila”, autobiografia de Don Carletto, publicada pela Editora Grande Área.

Embora menos densa em relação a aspectos táticos, a obra mais recente do emiliano mostra como ele ganhou o respeito do mundo do futebol graças a seu conhecimento, quais são suas influências e suas paixões, seus métodos e modos de pensar o esporte. Além, claro, de fornecer aos leitores deliciosas memórias e anedotas.

Chutes e cusparadas e cabeçadas: Reflexões autobiográficas de um jogador de futebol por acaso (Calci e sputi e colpi di testa: Riflessioni autobiografiche di un calciatore per caso), de Paolo Sollier (1976)

Sollier é uma figura ímpar no futebol italiano. Para começar, chegou a fazer faculdade de Ciências Políticas enquanto trabalhava na Fiat, mas largou tudo para jogar bola. Pelo seu background universitário, se tornou um dos poucos esportistas que escreveram um livro sem precisar de ghost writer. Ademais, ele tornou isso possível no auge de sua carreira como profissional, em 1976, quando militava (com duplo sentido, no caso) no Perugia, então na Serie A.

A história do comunista Sollier transcende o futebol (Crédito; Divulgação)

Em sua obra, o ex-meia conta sua militância na Vanguarda Operária, organização comunista que existiu durante os anos de chumbo italianos, e consegue tecer comentários críticos sobre a crise da sociedade italiana naquela década —deixando claríssimo o seu posicionamento político.

O livro apresenta um contexto que ultrapassa o esporte, mas Sollier também relata sua experiência nos anos de ouro da equipe da Úmbria, que pela primeira vez disputaria a elite nacional, alcançando um honroso oitavo lugar em 1975–76. No entanto, Sollier descreve o futebol de um ponto de vista alternativo e ácido, como o irônico subtítulo do livro deixa cristalino.

Chama muita atenção a boa qualidade literária e estilística do relato, algo raro nos livros autobiográficos de estrelas do futebol. Vale destacar, ainda, que a publicação lhe rendeu uma advertência da Federação Italiana de Futebol, a FIGC. O que, claro, torna a leitura ainda mais imperdível.

Uma temporada com o Verona (A season with Verona), de Tim Parks (2002)

Boa dica para quem gosta da temática das torcidas (Crédito: Divulgação)

O livro, publicado em 2002, é interessante para entender como funciona um grupo ultra por dentro — e justo um que deu sequência ao histórico de um dos mais conhecidos do país, o Brigate Gialloblù, do Hellas Verona. Radicado na cidade de Romeu e Julieta desde a década de 1980, o autor inglês passou uma temporada inteira viajando com o grupo de torcedores organizados, seguindo o Hellas aonde que que o time jogasse.

A publicação trata, sobretudo, do relacionamento de Parks com o núcleo duro da torcida, que fica encarregado de organizar todas as viagens para jogos fora de casa. As brigadas dos gialloblù deixaram de existir nos anos 1990, mas diversos grupos deram prosseguimento ao legado de paixão, mas também de criminalidade daquela que foi uma das primeiras associações de torcedores a serem criadas na Bota, e também uma das primeiras a enveredar para a extrema-direita e utilizar-se do racismo para ofender adversários e até mesmo atletas da própria equipe.

Além de se dedicar ao detalhamento das aventuras do Verona na luta contra o rebaixamento, Parks não deixa de lado o cenário político na Itália da época (2001), como o pleito que levou a mais uma vitória de Silvio Berlusconi e a reputação xenófoba que a cidade do Vêneto e o próprio Hellas têm.

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