O pesadelo de Pelé em Hampden

De Puskás a Zidane, muitos dos grandes brilharam no templo do futebol escocês. Mas não o maior de todos os tempos

Bruno Rodrigues
Futebol Café
5 min readJun 26, 2017

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(Crédito da arte: Bruna Rebouças Clara)

Este texto foi publicado originalmente na edição #2 da Nutmeg Magazine, da Escócia, de dezembro de 2016. O Futebol Café traduziu para o português com o aval da publicação escocesa e do autor, que liberaram o conteúdo para o blog

Por Matt Vallance

Assim como os grandes tenores e divas vivem para cantar nas grandes casas de ópera do mundo — La Scala Milan, New York Met, Sidney, etc — os grandes jogadores de futebol querem mostrar suas habilidades nos grandes estádios. Hampden Park, ainda que tenha sido sem cor e desgastado a maior parte de sua vida, é um estádio muito icônico, que hospedou todos os nomes estelares.

Ferenc Puskás e Alfredo di Stéfano cimentaram suas grandezas lá em 1960; antes disso, os ingleses Stanley Matthews e Tom Finney, a maravilhosa estrela galesa John Charles e grandes irlandeses como Peter Doherty e Danny Blanchflower foram saudados, mesmo partindo os corações escoceses. Puskás, em 1954, eletrizou o estádio com a maior seleção da Hungria de todos os tempos. Em 2002, Zinedine Zidane cativou a “Velha Senhora” (tradução de Old Lady, apelido do estádio) com um de seus melhores gols, enquanto lá em 1979 Diego Maradona anunciou sua chegada ao cenário mundial com outro memorável gol em Hampden.

Entretanto, 50 anos atrás, em 25 de junho de 1966, Pelé, provavelmente o melhor entre eles todos, achou os 105m x 68m de campo difíceis para jogar.

Naquela ocasião, assim como em 2016, a Escócia estava encarando o fato de que o maior show do futebol estava acontecendo em um país vizinho e nós estávamos do lado de fora olhando. Participamos como sparring de países melhores, os quais estavam se preparando, ao jogar contra nós, para jogos maiores. Portugal já havia vindo e nos encontrou aquém da expectativa. Agora o Brasil, dos reinantes campeões do mundo e o time que todos queriam ver, chegava para aquecer diante da Escócia com vistas à Inglaterra-1966.

Pelé, desde seu surgimento para o cenário mundial como um garoto de 17 anos na Suécia em 1958, vinha sendo considerado como o melhor jogador do mundo. Oito anos depois, no seu auge, ele era o homem que todos na Escócia e na Grã-Bretanha queriam ver em ação. Sua única apresentação anterior no país onde o futebol nasceu havia sido em um discreto jogo pelo Santos contra o Sheffield Wednesday em 1962. A presença daquele grande homem atraiu 75 mil fãs a Hampden para uma partida de sábado à noite. Mais de 50 mil haviam aparecido para ver Portugal, com Eusébio incluído, uma semana antes.

Pelé e os brasileiros foram cortejados enquanto treinaram no Portland Park, o pequeno campo do Troon Juniors, durante a semana, mas Pelé não teria as coisas à sua maneira em Hampden. O técnico da Escócia, John Prentice, nomeou Jim Baxter, um jogador que nunca pensou que algum rival pudesse ser melhor que ele, com a camisa de número 10 ao invés da número 6 que normalmente usava. A batalha entre os dois camisas 10 seria chave. Prentice, ainda em período de experimentação, também deu ao líbero John Clark sua estreia internacional, e de última hora, chamou um praticamente desconhecido jovem do Hibernian chamado Peter Cormack para estrear.

E vantagem logo de cara para Baxter, quem, dentro do minuto inaugural, enfiou um passe perfeito no espaço para Stevie Chalmers, do Celtic, que correu para botar a bola atrás do grande Gilmar no gol brasileiro. Escócia 1, Brasil 0. Aí veio o Brasil e a igualdade foi retomada em 16 minutos quando Servílio bateu Bobby Ferguson no gol escocês para empatar. E foi assim que ficou, com nenhum dos lados capaz de criar um gol vencedor.

E Pelé? Ele brilhou em Hampden como os outros grandes? Bem, não. Na verdade o grande homem foi uma figura periférica a maior parte do jogo, muito graças ao trabalho de marcação individual — em mais do que uma forma — protagonizado por um jovem jogador escocês, Billy Bremer, do Leeds United, atuando apenas pela sétima vez com a seleção. Raramente houve mais do que uma folha de papel entre Pelé e seu marcador, que se envolveu em várias divididas ferozes com seu distinguido oponente. Para ser justo, pelo menos uma vez Pelé conseguiu ser tão bom como era, ocasionando em um confronto nariz com nariz entre o escocês ruivo e outro grande brasileiro, Gérson, depois de Bremmer derrubar Pelé no chão.

Nas poucas ocasiões em que Pelé escapou das garras de Bremmer, ele invariavelmente deparou-se com John Clark. (Ele certamente se lembrou do quieto jogador do Celtic, reconhecendo-o quando ambos se esbarraram em um elevador de Nova York anos depois.)

Um empate com os reinantes campeões mundiais satisfez a honra escocesa. O artilheiro Chalmers levou para casa a camisa número 10 de Pelé; o Brasil foi para a Copa do Mundo na Inglaterra, na qual deu tudo errado, uma vez que Pelé e os outros grandes brasileiros — Garrincha, Gérson, Jairzinho — foram eliminados do torneio por cínicos defensores europeus. Eles voltaram para casa, desolados, para ainda encontrarem fãs vaiando-os no aeroporto do Rio. Houve ainda um retrato de Pelé sendo enforcado.

A Escócia foi tropeçando, o técnico Prentice deu lugar ao interino Malky MacDonald, depois Bobby Brown, porém, um ano após aquele jogo em Hampden, a Escócia foi a “campeão do mundo não-oficial” depois de bater a Inglaterra em Wembley enquanto o Celtic foi campeão europeu e o Rangers perdeu na final da Copa dos Campeões de Copa.

Sim, 1966 foi um ano ruim para a Escócia, e para Pelé. Mas nós nos recuperamos em 1967, assim como Pelé em 1970. O que o futuro pode guardar 50 anos depois?

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