Por que Messi não jogou no River?

Revista 1986 conta a história de quando o craque argentino fez testes no clube e por que sua contratação não foi concretizada

Bruno Rodrigues
Futebol Café
7 min readOct 5, 2017

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Lionel Messi poderia ter sido um ídolo do River Plate, mas a história quis que seu destino fosse mesmo Barcelona (Crédito: Montagem sobre arte de Sebastian Domenech)

Esta reportagem foi publicada originalmente na edição #32 da Revista 1986, publicada em junho de 2014. O Futebol Café fez a tradução do texto para o português com o aval da publicação argentina, que gentilmente cedeu o conteúdo

Por Facundo Pastor

Eduardo caminha com um tom de tristeza. Em seus gestos adverte-se uma ferida aberta que nunca terminará de cicatrizar. Passaram 14 anos daquela tarde na qual sua vida teria mudado para sempre. Mas o destino lhe pregou uma peça. Foi o único aquele dia que confiou em um garotinho excelente que chegava de Rosario para fazer testes nas Divisões Inferiores do maior clube da Argentina.

Eduardo chegou a jogar na Primeira do River Plate em anos gloriosos. Em 1979, o millonario se consagrava campeão dos torneios Nacional e Metropolitano. Em 1980, ganhava o Torneio Metropolitano, conseguindo assim o segundo tricampeonato da história do clube: Ramón Díaz, Leopoldo Luque, Ubaldo Fillol, Alberto Tarantini, Emilio Commisso, Norberto Alonso e José Luis Pavoni foram alguns dos integrantes dos plantéis que integrou este homem que hoje olha para o Monumental de longe. Em 1981, teve a honra de ser dirigido por Don Alfredo Di Stéfano que havia substituído Angelito Labruna, ganhador de seis títulos como técnico riverplatense.

O Turco Abrahamian foi na história millonaria um defensor férreo e potente, mas tem um prêmio oculto que poucos torcedores conhecem. Foi o homem que testou Lionel Messi no River. O mesmo que apostou em sua contratação sem sorte. O que chegou a conviver durante uma semana com a Pulga e viu ele fazer 16 gols em um treino. Se tivesse sido por ele, o teria amarrado em um poste do clube para não deixá-lo escapar. Mas o ídolo escorregou por essas mãos gigantes, hoje murchas com o passar do tempo.

Talvez foi a burocracia diretiva, talvez a falta de confiança nos homens que conduziam as Inferiores. O povo millonario perdeu uma oportunidade histórica que, sem dúvidas, teria marcado a vida institucional do River para sempre. “Messi está feito para River e River para Messi”, pensou Eduardo quando o viu se mover pelo campinho onde agora caminha novamente. Jamais quis voltar a esse lugar em que tantas manhãs treinou os “garotos da Pré-Novena”.

Como acontece com esses velhos investigadores que guardam no seu haver um crime sem resolver, Eduardo olha com nostalgia o cenário que o teria catapultado à elite do futebol mundial. Anda por esse campinho com a mesma energia que o fazia antes. Para no meio de campo, gesticula e não deixa de mostrar o gol no qual Lio Messi se cansou de marcar.

Revista 1986 recorreu junto ao Turco o prédio da UBA onde Messi tentou entrar na história do nosso clube. Com o imponente Estádio Monumental de fundo, o profe se emociona para dar rédeas soltas a uma conversa imperdível. “Eu sempre dizia aos garotos: aqui neste campo nós treinamos. Aqui começa a carreira de vocês, mas o importante é chegar a jogar lá, no glorioso Monumental”, disse apontando ao norte.

Revista 1986: O que aconteceu? Por que Messi não jogou no River?

A história é larga, começa num dia quando Lionel se apresenta junto a um companheiro, de sobrenome Giménez. Os dois chegaram para fazer o teste. Naquela época treinávamos na Cidade Universitária e então fizemos um treino. Coloquei de um lado a equipe que jogava o campeonato da AFA e, do outro lado, os reservas, entre os quais incluí Lionel e Giménez. Um jogava de 10, que era Lionel, e o outro, de 9. Fizeram um treino extraordinário. Foi descomunal. Entre os dois fizeram 22 gols.

Quantos gols Messi fez?

O treino durava cerca de uma hora e meia. Messi fez 16 gols, mas há cinco outros que foram de Giménez cedidos por Lionel. A partida foi terrível. Jogava a equipe da Pré-Novena que ia jogar no domingo pelo campeonato da AFA e, do outro lado, jogavam os garotos que possivelmente iam ao banco de reservas, mais Lionel e Giménez, que foram fazer testes. A verdade é que os dois me deslumbraram.

Capa da edição #32 da Revista 1986 (Crédito: Divulgação)

Qual foi a primeira coisa que te chamou atenção em Messi?

A habilidade e a velocidade para encarar o rival. E por ser um garotinho que não tinha uma condição física muito grande, me chamou atenção sua atitude dentro de campo, como jogava futebol e, sobretudo, como não sentia temor contra os maiores. O que mais me impactou foram a habilidade e a velocidade, as trocas de ritmo que tinha com a bola e as definições.

Como podemos reconstruir aqueles dias? Veio acompanhado do pai? Como haviam chegado no River?

Os dois vieram com os pais. Foi por intermédio de Federico Vairo. Ele era de Rosario e os trouxe para que fizéssemos um teste. Nunca tinha me falado das condições de Lio, mas quando o vi, disse a ele que jogava muito bem, que não havia jogadores como ele na categoria. O garotinho me deslumbrou.

Então, o que aconteceu?

Eu tratei de que eles ficassem toda essa semana. E consegui. Terminaram vindo a três treinos. A primeira partida foi uma terça, depois quarta e sexta. Eu acreditava que iam ficar e por isso mandei que tomassem os dados e fizessem uma pré-ficha. Eles eram jogadores do Newell’s e tinham que trazer o passe de Interligas. Nesse momento, o Newell’s não estava incluído na AFA (no futebol infantil), mas sim na liga rosarina. Giménez trouxe o passe, Messi nunca veio.

Perdão pela insistência… Por quê?

O único que sei é que queria ver, queria esperar. Faltavam coisas para fazer a contratação porque vieram em agosto e até que não começasse o outro ano, não se podia contratar. Algo aconteceu no meio disso.

O que há de certo de que o River não pôde, ou não quis, pagar as injeções para que Lionel pudesse passar por um tratamento de crescimento?

Não estou muito por dentro, isso no River passa pelo departamento médico. Não está ao meu alcance. Se o pai se aproximou de algum dirigente do futebol infantil ou do clube, não sei. Ou se falou com o departamento médico ou pediu algo por alguma necessidade que tinha Lionel, jamais vou saber. Eu cumpri com meu trabalho.

O que crê que teria acontecido se tivessem aprovado a contratação? Via o Lionel jogando no River?

Sem dúvidas, Lionel é o típico jogador para o River Plate. Além disso, nesse momento, estava Gonzalo Higuaín; os dois eram grandes promessas para chegar no topo. O tempo terminou os unindo. Fizemos jogar a categoria 86, com Augusto Fernández, contra essa categoria 87, e não havia grandes diferenças para um ano. Estão os três juntos agora na Seleção e isso me gera muita alegria.

Voltemos aos treinos daquela semana. Qual foi a jogada que o deslumbrou?

Para mim foi tudo maravilhoso. Inesquecível. Ele jogava de 10. Pegou uma bola na lateral, parou e encarou. Tirou dois jogadores de cima e depois foi encarar os defensores, mudou de ritmo e cruzou a bola na outra trave. Foi um gol de loucos, não se podia acreditar. O que acontece é que te conto isso e é uma coisa, hoje podemos ver porque o faz no campo, ali tinha 12 anos. Há de se ter essa inteligência para jogar o futebol. Não é normal encontrá-la nos garotos.

Eduardo Abrahamian foi um lateral millonario que jogou em três temporadas (1979, 1980 e 1981). Em algumas partidas alternou para zagueiro central. Em 1982, foi para o San Lorenzo, onde jogou apenas um jogo histórico. Foi parte da equipe que participou da estreia azulgrana na Primera B. Não voltou a ter chances. Nasceu na Capital Federal em 17 de julho de 1959. Terminou sua carreira no Deportivo Armenio e desde vários anos desempenha distintas funções no futebol infantil do River Plate

Na paisagem deste campo é inevitável olhar o Monumental que se alça imponente aos nossos olhos. Que dizia Messi disso?

Eu sempre dizia aos garotos: ‘Aqui treinamos, aqui jogamos, aqui começam suas carreiras de jogador de futebol, mas o importante é jogar no Monumental’.

E Messi não pôde…

Lamentavelmente, não pôde jogar no River Plate. Eu queria tê-lo visto jogar na Primeira. Mesmo que durasse pouco, como aconteceu com Higuaín, que quando estreou desfrutávamos muito pouco. Mas teria sido uma alegria.

Como crê que lhe serviria a camiseta, o manto sagrado?

Creio que teria sido um grande passo para ele, para chegar até onde chegou, porque tampouco foi fácil para ele na Espanha. Há que lutar um pouco mais, o futebol é de outra maneira, se mede de outra maneira. Aqui ele teria feito uma carreira meteórica, sem tanto sofrimento de garoto. River teria colocado sua história à disposição.

Qual foi o momento em que você se deu conta de que esse garoto que começava a triunfar na Europa era o mesmo que você havia testado no River?

Eu sempre o segui em silêncio. Não sou de dar entrevistas, não gosto, mas quando me inteirei de que o levavam a Barcelona, pensei que havia utilizado esse treino para chegar lá. Aproveitaram e disseram: ‘Se River o quer, por que não fazemos primeiro o teste com o Barcelona’. Me deu um pouco de bronca, mas fico feliz pelo jogador.

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