Pubs, prostíbulos e champagne: como Brian Clough motivava os jogadores do Nottingham Forest

Detalhes da trajetória do técnico inglês estão no ótimo livro “Provided You Don’t Kiss Me“, do jornalista Duncan Hamilton

Bruno Rodrigues
Futebol Café
6 min readNov 18, 2020

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Brian Clough, uma figura tão brilhante quanto folclórica (Crédito: Nottingham Forest)

Antes da final da Champions League 2008/2009, Pep Guardiola, em sua primeira temporada como técnico no futebol profissional, exibiu um vídeo motivacional para os atletas do Barcelona. No vestiário do Estádio Olímpico de Roma, minutos antes do duelo contra o Manchester United, um projetor exibiu imagens de todos os jogadores do elenco, acompanhadas de uma canção da trilha sonora do filme “Gladiador”.

Depois de sofrer nos primeiros minutos de jogo, com o goleiro Victor Valdés evitando que os ingleses abrissem o placar, o Barça venceu por 2 a 0, gols de Samuel Eto’o e Lionel Messi, e conquistou o título europeu.

O expediente motivacional utilizado por Guardiola não era uma novidade no futebol e ainda hoje é colocado em prática, de diferentes maneiras, para mexer com o emocional de jogadores antes de partidas importantes. Não há, porém, um treinador que tenha levado a motivação ao limite como Brian Clough, bicampeão europeu com o Nottingham Forest na década de 1980.

Quem conta os detalhes e as curiosidades do trabalho de Clough à frente do Forest é o jornalista Duncan Hamilton, no ótimo livro Provided You Don’t Kiss Me, publicado em 2007, três anos após a morte do técnico.

Hamilton cobriu o clube por quase duas décadas entre o fim dos anos 1970 e começo dos 1990 e viu de perto a transformação da cidade e do time com a chegada daquele considerado por muitos o maior treinador inglês de todos os tempos — e que, por conta de seu temperamento e sua verborragia incessante, nunca comandou a seleção nacional.

Ao longo desse período, Duncan Hamilton construiu uma relação muito próxima com Brian Clough, com quem tomava drinks em pubs ou no próprio escritório do técnico, no estádio City Ground. Essa intimidade permitiu, por exemplo, que o repórter do “Nottingham Evening Post” pudesse ver de perto os métodos, alguns deles bastante curiosos, que Clough utilizava para motivar seus jogadores antes de jogos decisivos.

“Antes de um jogo contra o Liverpool em Anfield, Clough levou o time a um pub para um drink — ‘dois half pints cada um’ — e uma rodada de dominó. Antes da semifinal da Copa da Europa [de 1979/1980, contra o Ajax] em Amsterdã, ele levou todos ao Bairro Vermelho. Como sempre, o plano era tirar a cabeça dos jogadores da partida, e depois no hotel conversavam sobre qualquer outra coisa que não futebol”, escreve Duncan Hamilton.

O técnico do Forest adorava a Holanda e costumava levar sua equipe ao país para realizar pré-temporadas. Em uma dessas viagens, inclusive, ele não só passeou com os atletas pelo Bairro Vermelho, como entrou com eles em um prostíbulo. Clough ficou sentado em um sofá. Hamilton também estava lá, segundo ele, escondido no bar.

“O clube era escuro como uma mina, com um palco na frente e um bar nos fundos. No andar de baixo estavam as banheiras. As garotas andavam pelo local em fantasias brancas e pequenas. Os jogadores assistiram a um par de shows e voltaram ao hotel. Clough acreditava que qualquer experiência compartilhada — com tanto que fosse positiva ou prazerosa — desenvolvia espírito de equipe.”

O ótimo livro de Duncan Hamilton, eleito o William Hill Sports Book of the Year em 2007 (Crédito: Futebol Café)

A ideia de relaxar seus comandados era uma resposta de Brian Clough a uma experiência frustrada que ele teve em sua estreia como jogador profissional no Middlesbrough, na década de 1950. Tudo o que o jovem atacante queria ouvir de seu técnico, Bob Dennison, era uma palavra de confiança antes de pisar no gramado pela primeira vez.

Dennison, contudo, disse ao estreante que “agora é com você”, como se a responsabilidade pelo que acontecesse no jogo fosse inteiramente do atleta, uma carga muito grande para alguém que até então nunca havia disputado uma partida profissionalmente.

Com suas idas aos pubs e os passeios pela zona dos pecados em Amsterdã, o desejo de Clough era que os jogadores do Nottingham Forest não sentissem o tipo de pressão que ele sofreu com Bob Dennison. De seu primeiro treinador, aprendeu justamente o que não fazer, ao invés de absorver conhecimentos e aspectos positivos do trabalho.

Entre 1975 e 1993, período em que comandou o Forest, Brian Clough conquistou duas Copas da Europa (a antiga Champions League), um Campeonato Inglês, uma Supercopa Europeia e uma Supercopa da Inglaterra, além de quatro taças da Copa da Liga Inglesa.

Em uma das edições da Copa da Liga vencidas pelo Forest de Clough, na temporada 1978/1979, o treinador sentiu seus jogadores muito nervosos antes da decisão contra o Southampton. Na viagem de Nottingham a Londres, os atletas não disseram uma só palavra, de acordo com Clough. Por isso, na véspera da decisão em Wembley, ele decidiu aliviar a tensão de seu elenco.

“Ele [Clough] levou os atletas a um quarto privado do hotel, pediu champagne suficiente para encher um navio e virou a chave ruidosamente na fechadura. ‘Ninguém sai enquanto vocês não beberem aquilo tudo’, ordenou ele, apontando para as caixas de bebidas”, diz Hamilton no livro.

“Ele decidiu que precisava relaxar eles. A única forma de fazê-lo era com bebida, e muita bebida. ‘Nós bebemos um tonel do negócio’, disse ele, ‘e havia vários olhos turvos no café da manhã. Mas eu preferi aquilo do que a alternativa de ter os jogadores acordados no quarto deles até de manhã preocupados com a final.’”

O Nottingham Forest venceu o Southampton por 3 a 2, em Wembley.

Clough, nos traços do artista David Diehl (Crédito: Site do David Diehl)

Brian Clough era imprevisível, e essa imprevisibilidade ficou ainda maior após o rompimento com seu auxiliar Peter Taylor, na metade da década de 1980. Clough, que já era afeito à bebida, passou a beber ainda mais até o fim da carreira.

Duncan Hamilton também aborda esse aspecto triste da brilhante trajetória do técnico, o que torna o personagem muito mais humano, assim como o próprio relato do livro, cuja narrativa não obedece a uma ordem cronológica dos acontecimentos, mas está dividida nas diferentes facetas e temáticas que percorreram a vida do técnico (e do jornalista) em Nottingham.

O repórter lembra, por exemplo, como era impossível recusar um whisky oferecido por Clough. Mal dava tempo de responder à sugestão de um drink e o treinador do Forest já estava enchendo o copo, não importa a época do ano. Hamilton tentou, em vão, protestar algumas vezes, justificando que era verão e, portanto, estava tão quente que ele utilizava camisas de manga curta.

“Bom, pense como combustível para novembro. A previsão diz que será um inverno congelante”, dizia Clough.

Apesar da amizade e o respeito que ganhou do técnico, laço que de nenhuma forma atrapalha a narração dos fatos no brilhante livro, o jovem repórter do “Nottingham Evening Post” também experimentou alguns ataques de fúria do comandante do Forest. Como em um rompante do treinador, que ordenou a presença de Hamilton dentro do vestiário do Forest para mostrar uma reportagem sua pendurada na parede, após uma vitória na Copa da UEFA.

“Eu não precisei da porra de uma conversa motivacional hoje. Só precisei mostrar a merda que você escreveu. Eu tenho uma mensagem para você. Pegue a sua máquina de escrever e enfie no seu rabo. Você está banido. Está banido para sempre deste lugar. Para sempre, caralho”, gritou Clough.

Dois dias depois, o treinador ligou para o jornal e procurou por Duncan Hamilton. Clough chamou o repórter para aparar as arestas e convidá-lo para ir ao clube conversar amigavelmente. O jornalista pontuou que, segundo o próprio Clough, ele estava banido do City Ground para sempre enquanto a equipe fosse comandada pelo técnico.

“Não seja estúpido. Eu não quis dizer realmente aquilo. Foi uma coisa do momento. Venha aqui e tomamos um drink. Eu tenho uma história para você. Que tal uma taça de champagne?”

“Ok”, eu afirmei. “Com tanto que você não me beije.”

“Não, você é feio demais para isso”, disse ele e bateu o telefone.

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