Uma conversa com Ademir Takara, o Sr. Enciclopédia do Museu do Futebol

Bibliotecário do Centro de Referência do Futebol Brasileiro, mostrou o que há de mais legal no acervo da biblioteca do museu

Bruno Rodrigues
Futebol Café
17 min readJun 13, 2017

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Ademir, o responsável pela biblioteca, posou para a foto diante dos livros que ele apresentou do acervo do Centro de Referência (Crédito: Cortesia do Museu do Futebol)

Quem visita o Museu do Futebol em São Paulo, não pode contemplar toda a exposição sem dar pelo menos uma passada em um de seus universos mais brilhantes. Um universo de apenas 45 m², mas de incontáveis possibilidades de adquirir conhecimento sobre o assunto que leva as pessoas ao interior do Pacaembu todos os dias. Trata-se do Centro de Referência do Futebol Brasileiro, o CRFB, uma sala com paredes de vidro e prateleiras cheias de livros com diferentes tamanhos e cores. Mas não se engane achando que vai poder sair de lá com uma daquelas obras na mão, pois não estão à venda.

“É comum as pessoas entrarem achando que é uma livraria. A primeira coisa que a gente explica é isso: que é uma biblioteca e está aberta a visitas”, diz Ademir Takara, bibliotecário do CRFB e responsável pelo acervo, que me recebeu no museu durante uma manhã de fevereiro para um papo exclusivo ao Futebol Café sobre literatura de futebol.

Ali se armazena e se produz conteúdo futebolístico. “A função do Centro de Referência seria basicamente criar uma rede de interessados em pesquisa sobre futebol”, explica Ademir. Pergunto a ele o número de livros da biblioteca. Nem ele sabe de cor, afinal, o Centro de Referência faz uma atualização constante do acervo. Ademir pede a Dóris (Régis, que trabalha com ele) para que pesquise o número exato de obras. Poucos minutos depois, ela me entrega um papel com tudo detalhado: 1834 títulos de livros, 93 trabalhos acadêmicos e 113 artigos entre trabalhos físicos e outros que estão digitalizados. O total de itens gerais, somando livros, revistas e material digital supera os 10 mil — a essa altura, em junho, todos esses números certamente já aumentaram. É livro que não acaba mais. E tudo à disposição do público que tenha interesse nesse conteúdo. Basta pegar um crachá na bilheteria do Pacaembu para ganhar o acesso, com a única ressalva de que o material só pode ser consultado lá mesmo, dentro do Centro de Referência.

Ademir trabalha para o Museu do Futebol desde 2011 e fez a maior parte da seleção do material bibliográfico encontrado no Pacaembu hoje. Seu trabalho de conclusão de curso na faculdade foi uma análise bibliométrica da produção literária de futebol no Brasil de 1906 a 2006. Com todo esse conhecimento sobre o assunto, tomo a liberdade de chamá-lo de “Sr. Enciclopédia”, ainda que ele provavelmente não vá gostar muito do apelido caso leia este texto.

Quando conversamos para marcar a entrevista, minha ideia era que Ademir me mostrasse as obras mais raras que estão no Centro de Referência, livros que carregam grandes histórias, verdadeiros tesouros futebolísticos. A palavra “tesouro”, porém, já foi logo descartada pelo bibliotecário, que prefere não rotular dessa forma as obras que compõem os arquivos.

Em cima da mesa do CRFB, uma pilha de livros gentilmente separada pelo bibliotecário. A importância desses livros, nesse caso, é muito mais pelo conteúdo que oferecem do que qualquer outra coisa. Para Ademir, o valor monetário pouco importa. E se ele diz é porque provavelmente esteja certo.

Iniciemos portanto uma viagem pela produção literária de futebol no Brasil. Com a palavra, o Sr. Enciclopédia do Museu do Futebol.

Sports Athleticos (1910) — Ernest Weber

“Começa pelo livro mais antigo que a gente tem no acervo: é, na verdade, uma coletânea, um livrinho de regras… Ele fala de vários esportes, só que mais da metade do livro é dedicada ao futebol. Esse a gente achou em um sebo, foi dica do Victor Ramalho, do Portal do Rugby. Ele estava atrás desse livro por causa das informações sobre rugby. Acabamos entrando em um sebo, achando ele e comprando. Ironicamente veio depois outro exemplar no acervo (doado) da Federação Paulista de Futebol. Esse aqui é de 1910, se não me engano (previsão confirmada ao checar a edição no interior do livro).

Acho que é muito interessante você perceber a visão do autor sobre esporte. É uma coisa mais elitista, a ideia é a de que o operário tem que trabalhar, tem que produzir, então não tem tempo para esporte. Esporte é uma coisa reservada para a elite, que a rigor não faz nada o dia todo e pode praticar esportes (risos).”

Primeiros Passes (2014) — Wilson Gambeta (org.)

“O primeiro livro que é citado e publicado no Brasil sobre futebol é o ‘Guia do Futebol’, do Mário Cardim, ele seria de 1903. Quem cita ele é o (jornalista) Tomás Mazzoni, mas ninguém conseguiu ainda achar esse exemplar original. Existe uma terceira edição que é de 1906, tem uma cópia na biblioteca Mário de Andrade e felizmente foi possível fazer a cópia dele. No livro ‘Primeiros Passes — Documentos para a História do Futebol em São Paulo’, você consegue ver a fotografia de todas as páginas.”

Album - Primer Campeonato Mundial de Football (2014) — Uruguai

“Depois, por ordem cronológica, tem este álbum da primeira Copa do Mundo (de 1930). Um é o catálogo do acervo do Museu do Estádio Centenário, e o outro é talvez o que a gente pode chamar de guia para a imprensa, falando das seleções que iriam disputar a Copa do Mundo. A gente recebeu a doação do Consulado do Uruguai, que na época da Copa do Mundo (de 2014) fez uma visita. Além disso tem uma réplica da bola usada na Copa de 1930, mas isso não fica aqui na biblioteca.”

Nota: O conjunto de publicações da Copa de 1930 não é original. São os chamados fac-símiles, cópias que procuram reproduzir fielmente um material anterior. Neste caso, o material de imprensa e um catálogo do Museu do Futebol do Estádio Centenario, em Montevidéu, onde há um museu do futebol e também onde foi jogada a final do Mundial de 1930.

Washington & Assis - Recordar é Viver (2015) — Heitor D’Alincourt, Dhaniel Cohen e Carlos Santoro

“Uma espécie de biografia do Washington e do Assis. É um livro de muita qualidade, é feito no formato de livro de arte. Papel de boa qualidade, muitas fotos… Foi realizado através de crowdfunding, a vaquinha digital. O Fluminense tem lançado muitos livros nesse formato. Tem um grupo chamado Flumemória, que faz parte do Fluminense, que cuida especificamente dos arquivos, da história do Fluminense. Então eles estão produzindo muitos livros sobre competições específicas, sobre jogadores. Atualmente é um dos clubes que mais tem produzido. Esse livro deve estar na casa dos R$ 120,00, mas ele deve ser difícil de achar porque quem recebeu primeiro foram as pessoas que fizeram o crowdfunding.

Campos, Estádios e Arenas do futebol… Começa o Espetáculo! (2015) — Paulo Goulart

“Este aqui é interessante porque é um dos raros livros que contam a história de estádios de futebol no Brasil. Ele começa com o Velódromo, que foi chamado de o ‘primeiro estádio de futebol’, mas ele foi adaptado para o futebol. O autor, Paulo Goulart, veio aqui para fazer uma visita em busca de material.

Tenho quase certeza que foi produzido com incentivo de Lei Rouanet ou coisa parecida. Então é um trabalho de alta qualidade, fotos excelentes, trabalho de pesquisa exaustivo. Por outro lado você tem essa problemática de, como foi feito com lei de incentivo fiscal, você não pode vender. Então temos que ficar caçando as pessoas responsáveis pelo livro para conseguir um exemplar.”

Coligay (2014) — Léo Gerchmann

“Isto aqui eu acho que é um trabalho muito audacioso: ‘Coligay’, do Léo Gerschman. Ele vem produzindo muito material sobre o Grêmio, é jornalista lá de Porto Alegre. Até onde eu sei é o único trabalho que faz referência à questão da homosexualidade no futebol. A Coligay é a única torcida organizada assumidamente gay reconhecida por um clube, no caso o Grêmio. Isso aconteceu no começo da década de 80. O começo da década de 80 é muito interessante na história do futebol brasileiro porque coincide com o período do fim da ditadura, então é um período muito libertário. Começam a ter muitas experiências, a mais conhecida é a Democracia Corinthiana, mas você vê que todos os clubes estão passando por momentos de mudança. No caso do Grêmio foi isso. A curiosidade é que todos os membros da Coligay sabiam algum tipo de luta, porque era necessário. Uma certeza é que, por exemplo, uma iniciativa como a Coligay hoje nos estádios seria risco de vida.”

Futebol Coreano (2014) — Jae Hyum Kim

“Este livro aqui é uma curiosidade, é um almanaque com todos as fichas de jogos da Seleção da Coreia do Sul. Tenho carinho por ele, porque foi lançado aqui no Museu do Futebol alguns meses antes da Copa do Mundo, de certa maneira foi aquele instante em que começamos a sentir a Copa chegando, a expectativa crescendo, os primeiros contatos com os estrangeiros e sentir o que eles trariam de interessante e diferente.”

Tem Japonês no Futebol (2015) — Gilberto Lobato Vasconcelos

“Este outro aqui é uma produção independente do jornalista Gilberto Vasconcelos, a partir de memórias dele relacionadas ao futebol de várzea, em que era raro encontrar japoneses no jogo. Mas um dia ele encontrou um time inteiro formado por descendentes. Inclusive o time era lá do meu bairro, da Vila Carrão, então ele foi atrás disso. Por que não temos tantos descendentes de japoneses no futebol? E ele acaba encontrando uma lista que é até grande. É de 2015, se não me engano. 2014 ou 2015.

No caso do Rivellino — entrevistado para o livro — é ele explicando aquele drible dele, o elástico, que quem inventou foi o Sérgio Echigo (ex-jogador de futebol filho de japoneses). Além da curiosidade, esse também é um exemplo de como se dá essa produção no Brasil, que é praticamente um cara que acha que a história vale a pena ser contada e corre atrás para publicar. Estou sempre pesquisando na internet e então o Google me lança num caminho totalmente aleatório, totalmente por acaso fui parar em um jornal da colônia japonesa dando esse destaque. Achei o e-mail do autor, liguei e ele fez questão de vir aqui, a gente conversou. E aí, de novo, a questão do Centro de Referência. Ele veio, a gente conversou e na época estávamos procurando material sobre a exposição Futebol e Olimpíadas, aí ele falou que tinha um contato desses jogadores né. E em algum momento a gente poderia usar esse contato para pegar depoimento.”

Clube Atlético Linense - O Elefante da Noroeste (2015) — Wanderley Frare Júnior

“Isto aqui é um absurdo. Eu conheço o autor, ele faz parte de um grupo chamado Memofut, ele fazem reunião uma vez por mês (no Museu). Ele está há uns 10, 15 anos colhendo material para fazer esse livro. Inclusive, no Memofut virou uma espécie de folclore do grupo. As pessoas sempre perguntando: ‘E o livro? E o livro?’. E daí que em 2014 ou 2015 ele lançou o livro. Sabe quanto custa esse livro? R$ 150,00. Eu digo: ele vale cada centavo (risos). Aí entra aquela outra questão: quantas pessoas vão gastar R$ 150,00 para comprar um livro sobre o Linense? Incrivelmente, vira e mexe, acabo encontrando pessoas que conhecem pessoas que foram atrás deste livro, pessoas que fizeram aventuras absurdas procurando este livro. E assim, para mim é um dos melhores livros de clube, comparando com Palmeiras, Corinthians, São Paulo. É um livro muito bom, muito bom mesmo.

Ele tem um rigor na pesquisa que todo acadêmico tem, só que ao mesmo tempo ele tem essa coisa do fascínio. Então por exemplo, tem uma parte deste livro que é almanaque, uma lista dos jogos. E aí dá para ver os anos de ouro do Linense, que é a década de 50, você encontra as fichas de todos os jogos. Já dos anos 70, que foi o pior momento do Linense, ele consegue só encontrar os resultados dos jogos. E isso, mesmo ele tendo acesso privilegiado às fontes lá em Lins: biblioteca municipal, os próprios jogadores e ainda assim não foi suficiente resgatar todos os resultados. O que é uma constante tanto para o acadêmico quanto para o fanático. O mérito dele também foi isso: conseguir falar diretamente com os jogadores e com os familiares. Então ele conseguiu muito material que não foi publicado. De certa maneira ele virou uma espécie de CRFB de Lins, por exemplo, em que ele tem essa rede de pessoas que também curtem futebol, história do futebol, e que também produzem material, digamos, memorialístico.”

Você é mulher, Marta! (2008) — Diego Graciano

“É um ótimo trabalho de pesquisa. O (Diego) Graciano é argentino, mas mora aqui no Brasil já faz tempo. E ele conseguiu conversar com a Marta, teve acesso à família, foi à cidade natal dela e tem muitas fotos. Poderia ser a típica história da criança pobre que sonha em jogar futebol, desenvolver uma carreira e conhecer o mundo. Mas com esse drama a mais de ser o sonho de uma menina, então desde o primeiro instante passa a ser a luta contra tudo e contra todos que acham que futebol não é coisa para mulher. É um livro raro que felizmente podemos disponibilizar para consulta.”

De goddelijke kanarie (2007, mas primeira edição é de 1994) — August Willemsen

“Isto aqui também é uma outra coisa que sempre desperta curiosidade. Eu brinco que é o futebol brasileiro para holandeses. A gente tinha um estagiário, o Felipe Santos. Ele escreve para a Trivela. Felipe é um desses caras geniais. Ele sempre curtiu futebol holandês, conseguiu ir para a Holanda e achou esse livro. Me perguntou se era interessante. Sim, é interessante! É a possibilidade de você ver como que lá fora é visto o futebol brasileiro. É claro, ele é a única pessoa no mundo que eu conheço que vai ler esse livro (risos). Ele está estudando holandês. O foco aqui (no museu) é bibliografia sobre o futebol brasileiro em português, mas não tem como eu chegar e falar: ‘Não, eu não quero esse livro’. Embora exista esse limite: ele é a única pessoa que vai ler esse livro. O foco é Romário e Ronaldo, porque jogaram lá. Então ele tem esse olhar privilegiado. Acredito que talvez tenham algumas lendas que acabam sendo mitificadas. Se eu sou um garoto holandês e estou curioso para saber o que rola no Brasil, esse aqui é um ótimo caminho para começar.”

Todos os jogos do Brasil (2006) — Ivan Soter, André Fontenelle, Mario Levi Schwartz, Dennis Woods e Valmir Storti

“Este aqui é o que eu considero que é o melhor livro sobre a Seleção Brasileira. Ele foi escrito a 12 mãos, tem de tudo aqui. O Ivan Soter é um militar aposentado, lá do Rio de Janeiro. Acho que é o cara que mais entende de história da Seleção Brasileira. Ele consegue te explicar direitinho qual a importância de um jogo contra a Argentina perdido aí que você nem imagina por quê, e por qual motivo esse jogo é mais importante que uma semifinal de Copa do Mundo. Ele mostrou bem claramente como é badernada essa coisa da memória no futebol brasileiro.

Por exemplo: conhece aquela edição da Placar que tem todos os jogos? Foi a partir do arquivo de um engenheiro aposentado. Ele listava lá jogos contra clubes, em 1976 teve um amistoso entre o que ele chama de Seleção Brasileira e Seleção de Estrangeiros. Foi a única vez que o Johan Cruyff passou no Brasil, e consta lá como jogo da Seleção Brasileira. O Ivan Soter fala que em termos de estatística aquilo está errado, porque não foi um jogo oficial da CBF. Lá fora isso é normal: é o full international match, jogo de seleções nível A. E o Brasil é uma baderna né? O Brasil nunca teve uma seleção B, mas teve a proeza de fazer dois jogos no mesmo dia com a seleção A. A Placar sempre juntou os jogos de Olimpíada com os jogos de Copa do Mundo, considerando uma estatística só. Enquanto que o Ivan Soter não: Olimpíadas de um lado, futebol de outro. Porque no mundo inteiro as seleções nasceram amadoras e no instante em que se profissionalizaram se separaram, então de Portugal você vê jogos da seleção portuguesa até a década de 20. Depois disso separa, existe a seleção olímpica de Portugal e a seleção portuguesa.

Este é um exemplo de material que às vezes parece tão óbvio né, você consegue encontrar listas de jogos da seleção. Mas você não consegue fazer um trabalho preciso. Uma das reclamações do Ivan Soter é isso: a maioria das pessoas conhece as edições especiais da Placar, que listam todos os jogos. E é isso que acaba virando senso comum, enquanto que um trabalho dele que é baseado em regulamentos… Ele é que é o louco, ele é que é o errado.”

Almanaque do Corinthians (2000) — Celso Unzelte

“O que eu gosto mesmo é o da segunda edição, que traz as escalações dos times adversários. Mas o Celso Unzelte, com este livro, é o cara que muda essa ideia de que súmula de jogo não é uma coisa interessante. É quase essencial. O que é a súmula? É o documento oficial do jogo. É a história sendo feita. É como a certidão de nascimento do Getúlio Vargas. Não é porque ele já morreu que não vale. Traz informações interessantes. Às vezes não é importante para mim, mas vai que tem um cara que acha interessante. Para mim é isso: o Celso Unzelte, com esse livro, consegue estabelecer um padrão em publicação. Primeiro que nasceu o interesse de todo mundo em fazer almanaque. E segundo, existe um padrão a ser seguido. E o padrão quem criou foi o Celso Unzelte.

A segunda edição é muito difícil de achar. Você encontra em sebo custando R$ 200,00. Dizem que a venda da segunda edição em banca de jornal não foi muito boa. E aí a (Editora) Abril teria recolhido e mandado destruir, por isso se encontram tão poucos. Normalmente uma revista, quando encalha, vai para o depósito. Por isso que você consegue às vezes no próprio site. Você encontra números atrasados. Nesse caso da segunda edição do Almanaque, me parece que aconteceu isso (foi destruído).”

Todos os Times do São Paulo (2016) — Michael Serra e São Paulo FC

“Por último, o mais importante. (risos). Esse aqui é um exemplo engraçado de coisas que todo time deveria fazer e coisas que não se deve fazer. Você lança um livro que não tem título. Foi lançado no final do ano passado. Quem que tem isso aqui? A gente e os conselheiros do São Paulo. Acho lindo porque tem jogador aqui que pela primeira vez na vida você vai ver a cara dele. Não necessariamente um jogador desconhecido. Um Zarzur, por exemplo, que jogou muito tempo no São Paulo. Era o carregador de piano, e de repente você tem a oportunidade de ver como era a figura dele. Acho fantástico porque o Michael (Serra, historiador do São Paulo FC) encontrou uma foto para cada ano (da história do clube). Claro, nos mais recentes, tranquilo. Mas nos anos 30 e 40, é quase um milagre. Por outro lado tem esse problema: não tem título, não tem autor. Conversando com o Michael ele falou: “Eu chamo ele de ‘Todos os times do São Paulo’”. E quem é o autor? “Sou eu mesmo”. Mas e se eu não conheço o Michael Serra? Se eu encontro esse livro, sei lá, aqui na frente da praça? É um livro bom, bonito, mas não tem nada. Vale a pena incorporar um livro que não tem informação (técnica) nenhuma?”

Desafiando o Sr. Enciclopédia

Entrada do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (Crédito: Museu do Futebol)

Apesar de todo o esforço da equipe do CRFB para mapear e adquirir os livros, sempre falta — por incrível que pareça — uma ou outra obra que a biblioteca do Museu do Futebol (ainda) não tem. É aí que torcedores dos mais diversos clubes, ao notarem que não há publicações sobre seus times de coração, testam os limites da biblioteca do Pacaembu. Ademir Takara, porém, acaba quase sempre tirando proveito dessas situações a favor do acervo.

“Sábado costuma vir muita família e muita gente de fora da cidade. Aí vem uma família… Um cara mais velho e lembro que tinha um menino. O menino muito empolgado, mas decepcionado: ‘Não tem nada do Democrata aqui’. Realmente, não tenho nada do Democrata de Governador Valadares. Porque existem dois Democratas, o de Governador Valadares e o de Sete Lagoas. Por acaso acertei que era o de Governador Valadares. ‘Então vou mandar o livro para você’, disse o menino. Passam-se algumas semanas e de repente chega o pacote. Pensei: ‘Que estranho, não conheço essa pessoa’. A gente abre e é o livro do Democrata. Na hora não tinha lembrado do menininho. Mas vem com uma dedicatória do autor. Fiquei olhando, olhando… E aí puxei pela memória, até que eu lembrei desse caso. O menininho doou o livro do Democrata”, conta Ademir, feliz por ter perdido o desafio só porque conseguiu adicionar às prateleiras da biblioteca mais um livro.

Certa vez, contudo, um torcedor chegou com a certeza de que não haveria determinada obra sobre seu time, inclusive levando o livro para doar ao Centro de Referência. Mal sabia que o título já estava lá.

“Uma pessoa entra aqui, toda formal, se apresenta: ‘Vocês são da biblioteca? Aceitam todo tipo de livro de futebol?’. Digo que sim. ‘Eu tenho aqui um livro de um time que vocês não têm’ e tal. Ele vai tirando (o livro), já vou reconhecendo a capa. Aí ele tira e eu falo: ‘Não, a gente tem o livro do 13 Futebol Clube’. E ele: ‘Têm? Como assim? Mas eu sou o autor do livro!’. (risos). ‘Você é o autor do livro e não sabe como o seu livro veio parar aqui?’ Como ele tinha certeza que não tínhamos, ele trouxe o livro”, se diverte ao lembrar da anedota.

Ademir havia acabado de mostrar os livros que considera mais importantes do acervo quando um casal de franceses entra no Centro de Referência. Queriam saber por que Edson Arantes do Nascimento tinha o apelido de Pelé. Mais uma vez, entrou em ação o Sr. Enciclopédia. Explicou a eles, em espanhol, que recebeu essa alcunha em razão de um goleiro chamado Bilé, que jogou com seu pai, Dondinho, quando ele atuou pelo Vasco da Gama de São Lourenço-MG. Admirador de Bilé, Pelé sempre gritava o nome dele, mas seus amigos não o entendiam direito. Passaram então a chamar o menino Edson de Pelé, pois tinha sonoridade parecida, o que ele não gostou muito. E foi exatamente por isso que o apelido pegou. Ademir contou isso aos franceses, que riram, agradeceram a aula e foram embora. “Esse espanhol macarrônico aí eu aprendi lendo a revista El Gráfico (da Argentina)”, brinca.

Sempre em busca de melhorar o acervo e as possibilidades de pesquisa, Ademir Takara afirma, porém, não estar à procura de nenhum livro específico. “A gente não tem uma espécie de Santo Graal que estamos em busca”, diz. Mas se você tiver alguma obra que o museu possa não ter, é só levar até o Pacaembu. O máximo que pode acontecer é a biblioteca já possuir.

De qualquer forma, todos sairão ganhando. O museu, com o interesse do público em contribuir com a rede de pesquisa, e você, que vai poder conhecer o Centro de Referência do Futebol Brasileiro e ainda bater um papo com o Ademir, certamente deixando o Pacaembu sabendo um pouco mais sobre futebol do que quando entrou.

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