As memórias do Verdugo

Lembranças físicas e sentimentais de um dos grandes uruguaios

Bruno Rodrigues
Futebol Café
5 min readApr 9, 2019

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A foto da foto, imagem guardada pelo filho do Verdugo, Pedrito (Crédito: Futebol Café)

Esta reportagem foi publicada na edição de março de 2018 da revista Túnel. O Futebol Café fez a tradução do texto para o português, compartilhado neste espaço com o aval da revista uruguaia, que gentilmente cedeu o conteúdo ao blog

Por Bruno Rodrigues

Chego a esta casa localizada na Zona Sul de São Paulo e quem me recebe é um homem alto, com seu 1,90m. Dono de uma voz doce e suave, me convida para entrar, onde teremos uma conversa sobre seu pai, ícone do Peñarol, do São Paulo e da Seleção Uruguaia. Sobre uma mesa, troféus, homenagens e fotos de uma figura que encantou o mundo do futebol por duas décadas. “Aí estão, Bruno. As lembranças que pudemos encontrar”, diz Pedro, cujo nome e sobrenome, iguais aos de seu pai, ressoam entre os carboneros como sinônimo de glórias e espetáculo.

Pedro Virgilio Rocha Franchetti tem um lugar especial entre os grandes da história do futebol uruguaio. Inclusive, disse uma vez Pelé que ele estava entre os cinco melhores do mundo. Mas a trajetória de glórias e emoções do passado não é capaz de evitar o esquecimento do presente. Já se vão pouco mais de quatro anos que faleceu o craque. E sente-se muita mágoa nas palavras de Pedro, seu filho. Com os clubes, principalmente.

“Faltou carinho com meu pai. Sempre digo que o São Paulo poderia ter feito muito mais. Creio que o Peñarol também poderia ter feito mais, mas tiveram mais carinho com ele do que o São Paulo”, diz.

Essa maior consideração do clube aurinegro é vista nas camisetas que estão sobre o sofá. Em uma delas, vê-se o rosto de Rocha no peito do uniforme. Na outra, o nome do ídolo nas costas, acompanhado do número 8. A primeira foi entregue a ‘Pedrito’ antes de uma partida contra o Vélez Sarsfield pela Copa Libertadores. Uma homenagem que o meio-campista ainda pôde receber em vida, mesmo que não pudesse estar em Montevidéu para recebê-la em mãos.

“Passaram imagens de quando [meu pai] jogava, entregaram uma camiseta e um certificado para ele. Todo o estádio [Centenário] de pé, gritando o seu nome. Foi algo muito emocionante”, relata Pedro.

Um Bobby Charlton uruguaio

Pedro busca um livro, grande e preto, com as inscrições “Campeón del Siglo” na capa. Claro, trata-se do Peñarol. E não há como explicar a história do clube carbonero sem passar pelos anos 60 e por Pedro Rocha. Nesta equipe campeã do mundo em 1966 há um loiro, magro e alto que aparece acompanhado de Rocha não só nesta foto, mas em muitas outras e com camisas distintas: Pablo Forlán.

“Pedro foi sem dúvidas uma pessoa muito especial. Compartilhamos muitos anos jogando juntos no Peñarol, no São Paulo e na Celeste, uma convivência muito linda. Foi um jogador extraordinário, jogou naquela época, jogaria hoje e nos tempos que virão”, conta Forlán.

O pai de Diego pôde ver na Europa como os clubes cuidam de seus ídolos. No caso mais específico do Manchester United, onde jogou seu filho por três temporadas, sentiu de perto a maneira especial como tratam aqueles que foram parte da história. Como Bobby Charlton, por exemplo. Para ele, seu amigo deveria ganhar semelhante tratamento.

A reportagem original, publicada na Revista Túnel (Crédito: Túnel)

“Os clubes se esquecem um pouco dos jogadores. Não é como na Europa, onde os ídolos têm um lugar privilegiado. Melhor que o Manchester [United] não há. E caras como Pedro, considerando o jogador que foi, que participou de seleções do mundo, esses jogadores são estandartes de um clube e há de cuidá-los de maneira melhor”, opina.

Muricy Ramalho, jogador do São Paulo e histórico treinador do clube, compartilhou vestiário e muitos anos de vida junto do ‘Verdugo’. Para ele, Pedro Rocha foi como um mestre, dentro e fora do campo. Assim como Pablo Forlán, crê que o ídolo do Tricolor merece ser recordado eternamente.

“Tive ele como um professor para mim. E o futebol tem dessas coisas: é bom, mas um pouco ingrato. As pessoas se esquecem rapidamente, é clássico dos brasileiros se esquecerem de seus ídolos. Nisso o futebol brasileiro peca muito”, diz Muricy.

Sobre a mesa, uma das recordações mais especiais da carreira de Pedro. A Bola de Prata, uma distinção que era entregue pela Revista Placar, emblema do jornalismo esportivo do Brasil principalmente nos anos 70. Essa bola era dada aos melhores jogadores de cada posição no Campeonato Brasileiro. Em 1974, Pedro Rocha ganhou a sua. E não foi o único prêmio jornalístico ganhado pelo craque. Em outra mesa, dois troféus pequenos, mas muito significativos: o Prêmio Quijote e um do Estádio Uno, com a torre do Centenário.

A Bola de Prata da Placar ganhada por Rocha, em 1974 (Crédito: Bruno Rodrigues)

O casaco da Celeste

“Na verdade, meu pai nunca ficou muito com as coisas. Quem guardou foi sempre minha mãe, sempre. Ele não dava muita bola para isso”, diz Pedro, sobre as recordações físicas que estão dispersas pela sala.

Uma dessas coisas que guardou Dona Mabel, esposa do Verdugo, foi o casaco que a Celeste utilizou para entrar em campo no Mundial de 1966, na Inglaterra. A partida contra a anfitriã marcou a abertura do torneio e a família decidiu guardar o casaco como uma das grandes lembranças de Rocha com a seleção. As lembranças mais especiais, contudo, estão na memória das pessoas.

“Tivemos a sorte de sermos campeões da América com a seleção em 1967, ganhando da Argentina na final. Tínhamos uma grande equipe e ganhamos com um gol de Pedro, de longe, como estávamos acostumados que ele fizesse”, recorda Forlán, companheiro de campo.

Para Muricy, companheiro também de vida, a lembrança de um grande jogador, claro, mas também de um doente por pebolim. “Concentrávamos no Morumbi e não tinha vida no bairro. Jogávamos baralho, que eu não gostava, bilhar, esse sim eu gostava, e Pedro gostava muito do pebolim. E eu tinha que jogar, porque queria estar próximo dele. Me dizia ‘Pibe, vem aqui’, e eu jogava. Não tinha saída, ele me convocava (risos). Isso me deixava feliz, porque era meu ídolo”, conta Muricy Ramalho.

E a lembrança do pai que foi, além de um craque dentro de campo e querido por torcedores do Brasil e do Uruguai. “Era um cara carinhoso com a família. Sentávamos com ele e no segundo copo de whisky já começava a contar histórias maravilhosas. Fico muito lisonjeado com aquilo que o velho foi”, diz Pedro, o Pedrito, filho do Verdugo, de quem não podemos mais nos esquecer.

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