Os livros mais curiosos da minha coleção

De compras em viagens a achados em sebos, histórias não muito convencionais de uma parte da estante que é um pouco diferente

Bruno Rodrigues
Futebol Café
7 min readNov 13, 2017

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Sou daqueles que acredita que viajar é dos maiores prazeres que podemos proporcionar a nós mesmos. E para os apaixonados por leitura como eu, pisar em uma livraria de outra cidade ou país é como entrar num parque de diversões para gente grande. Nas prateleiras estão enfileirados todos os tipos de tentação literária: clássicos na língua original, histórias que você não conhecia e já se encanta, páginas e páginas de cultura local… Das viagens que fiz na minha vida até aqui, livros e livrarias certamente têm um espaço importante nas boas lembranças que carrego dos lugares.

Outro ambiente que rende boas histórias e lembranças aos amantes dos livros são os sebos. Explorar suas pilhas cheias de pó é como viajar no tempo, folheando diferentes edições de um mesmo título, passando por dedicatórias feitas por autores ou por quem um dia deu de presente aquela obra a alguém. Ingrata é a pessoa que ganhou um livro com dedicatória e o colocou à venda em um sebo, penso eu. Casos de amor que não querem ser lembrados talvez expliquem esse fenômeno. Vai saber.

Das compras em diferentes lugares e sebos surge uma coleção bastante eclética, por mais que o assunto central desse emaranhado de capas e páginas seja basicamente o mesmo. No meu caso, claro, o futebol. Abaixo, a lista dos livros mais curiosos da minha estante, seja pelo tema ou pela forma — também curiosa — como alguns deles chegaram às minhas mãos.

El Caso Di Stéfano — Jordi Finestres e Xavier Luque

A história retratada pelos autores nesse livro é curiosa por si só. Acostumados a confundir o nome de Alfredo Di Stéfano com o do Real Madrid, os fãs de futebol que não conhecem toda a trajetória da chegada de Don Alfredo à Espanha se surpreendem, assim como eu me surpreendi, ao saber que o argentino naturalizado espanhol poderia ter sido um ídolo do Barcelona e não dos merengues.

O clube catalão fez de tudo para tê-lo em seu quadro, mas a força política madridista e a participação intensa do Sr. Santiago Bernabéu nas tratativas foi — segundo os autores — decisiva para a ida do craque ao Real e não ao Barça. A leitura nos leva a imaginar o que poderia ter sido uma dupla incrível formada por Di Stéfano e Kubala, a estrela húngara do Barcelona nos anos 50. Porém, como sabemos, felizes foram Gento, Kopa e Puskás que tiveram a “Flecha Loira” como companheiro de equipe na capital espanhola.

Comprei El Caso Di Stéfano em um sebo de Barcelona próximo ao Palau de la Música Catalana, uma casa de espetáculos famosa da cidade. O curioso ficou por conta do livro que estava ao lado dele: a mesma obra, só que em catalão, inclusive editada por uma empresa distinta à da edição em castelhano. É bastante improvável que algum dia eu vá conseguir ler a edição catalã. Mas a tentação de ter esse livro nos dois idiomas, ainda mais pela temática de conflito entre madridistas e barcelonistas, praticamente me forçou a levar ambos. Na minha estante, diferentemente do que a história mostrou nos campos, houve espaço para dois Don Alfredos. Um de Madri. O outro de Barcelona.

Los Bohemios de Villa Crespo — Raanan Rein

O futebol argentino me encanta em vários aspectos, desde o talento de muitos de seus jogadores até o espetáculo que grandes ou pequenas torcidas dão nas arquibancadas dos estádios. Há um outro fator que também acho muito interessante: a forte relação de clubes com seus bairros, com sua comunidade. É o caso por exemplo do Atlanta, hoje na Terceira Divisão da Argentina, clube extremamente identificado com o bairro de Villa Crespo e a comunidade judaica. Em Buenos Aires, Villa Crespo é ao lado de Once o bairro que mais concentra judeus na capital argentina.

Comprei Los Bohemios de Villa Crespo na Librería de Ávila, uma das livrarias mais antigas da cidade. Já foram clientes da Ávila presidentes argentinos e grandes escritores, como Jorge Luis Borges. Eram vários os livros sobre futebol no piso de baixo da livraria, com temas que iam desde fotos de tatuagens de torcedores a histórias de clubes como o pequeno Atlanta.

A obra de Raanan Rein fala dos inícios do Atlanta, a rivalidade com o Chacarita Juniors, a influência dos judeus em sua história, os grandes craques que vestiram a camisa azul e amarela da equipe e os fatores que levaram à derrocada da instituição, há muitos anos militando nas divisões de acesso do futebol argentino. Dale, Bohemio!

Scunthorpe Hasta La Muerte — Iñigo Gurruchaga

De longe é o livro mais alternativo de futebol da minha coleção. Em suma, conta a história de um jogador espanhol que teve sucesso em um clube da Quarta Divisão da Inglaterra, ajudando-o a subir para a Terceira com um decisivo gol nos playoffs da liga, em Wembley. Baita história!

Alex Calvo-García foi um jogador basco que iniciou sua carreira na base da Real Sociedad. Entretanto, não conseguiu subir os degraus até o profissional do clube, passando pela Terceira Divisão espanhola até chegar no Eibar, à época um clube da Segundona. Após a passagem por lá, um empresário lhe conseguiu uma transferência para o Scunthorpe United, um clube de divisões de acesso da cidade inglesa de Scunthorpe, localidade industrial inglesa que basicamente vive do aço. Sem falar uma palavra em inglês, desceu no país e acabou se tornando um dos principais ídolos da história do clube, anotando o gol do acesso diante do Leyton Orient, no Estádio Wembley, em 1999.

É interessante como o livro não conta só uma história alternativa, mas fala da adaptação de jogadores no exterior, a relação de um clube com sua cidade, além dos episódios futebolísticos marcantes que o autor conta. Comprei o livro em uma livraria de Madri. A livraria em si não tinha nada de especial — era uma loja da Casa del Libro, uma grande rede de livrarias espalhada pelo país. Havia muitas opções na prateleira de futebol, livros que certamente gostaria de ter na minha coleção. Afinal, são publicados na Espanha alguns dos livros mais importantes de futebol no mundo. Mas essa história me pareceu uma oportunidade única. Quando eu teria de novo a possibilidade de comprar um livro sobre um espanhol desconhecido com uma bonita e histórica passagem pelo modesto Scunthorpe United?

A Copa Que Ninguém Viu e A Que Não Queremos Lembrar — Jô Soares, Armando Nogueira e Roberto Muylaert

Jô Soares escrevendo sobre futebol. E futebol que não seja o seu Fluminense. Já temos uma história aí que precisa ser contada. Esse livro, lançado às vésperas da Copa do Mundo de 1994, fala sobre as Copas de 1950 e 1954 na visão dos três autores — além de Jô, o jornalista Armando Nogueira e o ex-presidente da Fundação Bienal e da Fundação Padre Anchieta (que dirige a TV Cultura), Roberto Muylaert. A “Copa que ninguém quer lembrar”, claro, refere-se ao primeiro Mundial realizado no Brasil, em que a Seleção Brasileira foi derrotada pelo Uruguai por 2 a 1, no Maracanã, naquele que foi provavelmente o silêncio mais barulhento da história do futebol.

Já os relatos da “Copa que ninguém viu” tratam do Mundial de 1954, na Suíça. Assim a chamaram por se tratar, como escreve Muylaert, de uma “copa-sanduíche” entre o fracasso do Maracanazo e o sucesso em 1958. Jô Soares estava estudando no país e assistiu ao torneio in loco. Também estiveram lá Muylaert, que viajou para ver a competição, e Armando Nogueira, já a trabalho no início de uma brilhante carreira no jornalismo esportivo.

Topei com o livro pela primeira vez em um sebo no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Me chamou atenção, mas acabei não levando. Anos depois, de volta ao mesmo sebo, o livro ainda estava lá. Dessa vez não cometi o mesmo erro de não levá-lo. Acabei ganhando crédito no sebo em troca de alguns livros que levei para vender. Só quando cheguei em casa e contei ao meu pai sobre o livro é que nos tocamos que a dedicatória poderia ter sido feita de uma pessoa importante para outra. No caso, de Roberto Muylaert, um dos autores, para Eugênio Staub, empresário e dono da Gradiente. Consegui recentemente a palavra de Staub por intermédio de um sobrinho e sua namorada.

“Creio que joguei o livro fora, e por isso ele acabou num sebo”, disse ele em uma mensagem ao sobrinho que me foi encaminhada. A assinatura, de fato, é de Muylaert, o que foi confirmado pelo antigo dono. Agora, porém, o livro está nas minhas mãos. Obrigado, Sr. Eugênio, por ter jogado ele no lixo.

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