Futebol de Mesa, um esporte brasileiro

Vítor Moura
Esporte em jogo
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7 min readNov 17, 2017

Por Vítor Moura

Foto: Facebook Botões Clássicos

São quase 100 anos de história, tempo o bastante para o nosso esporte ser praticado e reconhecido em todo o país, porém não foi assim ao longo do tempo, em que muitas lutas tiveram que ser travadas para que a modalidade não se perdesse pelas marcas do século.

Desde aquele tempo, o esporte era praticado de forma amadora, sempre visando o entretenimento de pessoas de todos os aspectos, que queriam e estavam afim de algo relacionado ao futebol, paixão brasileira, e também que fosse tão apaixonante quanto o esporte. Mas apenas 60 anos depois, mais precisamente em 1988, o Conselho Nacional de Desportos autenticou o Futebol de Mesa (ou Futebol de Botão), como um esporte, oficializando as três categorias, que são:

Paulista: modalidade 12 toques;

Carioca: modalidade 3 toques;

Baiana: modalidade um toque.

O responsável por todas essa inovação foi o músico e publicitário Geraldo Décourt, que em 1930 publicou um livro de regras do Celotex, primeiro nome dado ao esporte.

A modernização iminente do esporte trouxe diversas faces para o jogo em si, como as mesas feitas de Celotex (daí o primeiro nome do Futebol de Botão), que depois passou a contar com madeiras e serragens; as bolinhas que poderiam ser de miolo de pão ou lã, até chegar nos dias de hoje com feltro ou Eva; e também os próprios botões: madeira, cascas de coco, e até onde a imaginação fluir.

Lojas de botões: paraíso dos “futebolistas”

Foto: Facebook Botões Clássicos

Hoje existem diversas lojas especializadas em produtos para os botonistas. E nesse aspecto não existem fronteiras. São traves, botões, bolinhas, palhetas, campos, mesas de todos os tamanhos, estojos para guardar as equipes, ônibus para levar os “jogadores” para todos os lugares… São inúmeras as formas de praticar o tão amado Futmesa.

Os vendedores, grandes estimuladores do esporte, tem um importante afeto com cada pedaço de botão que encontrarem, afinal muitas vezes essa história é de família, como é o caso de Lennon Biscasse, dono da loja “Futmesagol”. Ele herdou a loja do pai, que iniciou o negócio 40 anos atrás, quando a modalidade nem sequer pensava em ser reconhecida pelo CND (Conselho Nacional de Desportos).

  • Na minha família todos jogam Futebol de Mesa, homens, mulheres, crianças, é um esporte que atinge todos os níveis de pessoas, de 8 a 80 anos.
Foto: Facebook Botões Clássicos

Lennon conta com um site, Facebook, afirma ainda que neste Natal os pedidos extrapolam o esperado, tamanha é a demanda de aficcionados por um time como o poderoso Brasil, tricampeão do Mundo em 1970. Ele conta que o Futebol de Mesa sempre foi tratado maravilhosamente, até hoje é assim, ainda melhor com todas as modernidades que foram impostas no esporte, mas que ainda assim ele não é rentável:

  • Não, ele não é rentável. Faço porque herdei a loja de meu pai e há várias pessoas que amam o esporte e faço isso para eles, mas com a renda consigo pagar apenas as contas comuns mesmo. E aqui no Brasil as vendas não correspondem às expectativas, não só nesse setor.

Assim como o Futmesagol, a loja Botões Clássicos também mostra que o Futebol de Mesa, mesmo não sendo muito rentável, é possível sim ser feliz trabalhando nele. É o que diz Luciano Araújo, que conta em seus artigos camisas personalizadas e até cerveja da marca:

“Ofutebol de mesa não era modelo de negócio. Quando em 2014 eu falava para algumas pessoas que pensava em viver fazendo times de botão não fui levado a sério. A frase que mais ouvia era de que isso era um hobbie não poderia ser um negócio. É muito comum fornecedores não emitirem notas, não terem empresa aberta. Isso tudo é um grande desafio para alguém que tenta se profissionalizar no ramo.”

Luciano Araújo, fundador da Botões Clássicos

  • Hoje a marca Botões Clássicos tem uma linha de produtos próprios como camiseta, cerveja, mesas, traves, canecas, além das centenas de times que tenho disponível no site, obviamente o carro chefe da marca.

Luciano é designer de formação e trabalhou durante muitos anos em revista e jornal renomados no mundo esportivo: Revista Placar e Jornal Lance!. Em 2014, quando fez uma matéria para a Revista Abril sobre Futebol de Mesa, que já era sua paixão, começou a receber pedidos relacionados à modalidade. Resultado: o negócio cresceu, e ele precisou criar uma loja para isso.

  • A brincadeira vem de muito tempo. Meu avô tinha times de botão do seu São Paulo. Aprendi quem era o Canhoteiro num time dele. Mas foi meu pai o grande incentivador. Ele tinha muitos times personalizados com fita adesiva, fotos, etc… Foi com ele que aprendi a jogar e me apaixonar pela brincadeira.

“Acredito que o futebol de botão foi desvalorizado com a chegada do videogame. E as pessoas que gostam de jogar se fecharam numa espécie de clube do bolinha.”

Luciano Araújo ao comentar a situação atual do Futebol de Mesa

E além da brincadeira ter cativado o dono da cerveja artesanal Botões Clássicos, outra paixão fez ele inovar na criação dos botões:

  • O Rock ’n’ roll sempre este presente na minha vida. Tive o sonho de ter banda e gravar discos. A ideia de colocar as bandas de rock surgiu numa manhã. Logo no início da Botões Clássicos. E pela primeira vez o rock tomou as mesas de botão. Rolling Stones x Beatles não devem nada a um Real Madrid x Barcelona. Hoje fazemos o time oficial da banda brasileira Sepultura.
Foto: Site Botões Clássicos

O profissionalismo no esporte

Atualmente no Brasil, a CBFM — Confederação Brasileira de Futebol de Mesa organiza os campeonatos nacionais, com competições para quase todos os meses do ano. A FPFM — Federação Paulista de Futebol de Mesa organiza os campeonatos do Estado de São Paulo, que conta, entre várias equipes, com a Sociedade Esportiva Palmeiras, fundado em 1987 por João Luiz Gil, e que disputou seu primeiro campeonato no ano seguinte, quando o esporte foi reconhecido oficialmente. Dentre os títulos, destaque para os dois mundiais da equipe, conquistados em 2009 e 2015 por equipes e 2016 individual. A equipe tem 14 atletas federados, entre 12 e 40 anos. No ano que vem a equipe disputa o Mundial no japão, e a expectativa é grande, como conta Paulo César Michilin, jogador do clube há 30 anos:

  • Estamos esperando com bastante ansiedade primeiro pelo local. Nunca imaginei que jogaria botão no Japão. Outro anseio é pela competição em si, pois terá as modalidades individual, por equipes e por seleções. Daqui do Brasil vão Palmeiras e Vasco.

Paulo César, que gosta de lembrar de seu título nacional em 1997 e do Mundial de 2016, acompanhou esse crescimento desde o início da profissionalização do esporte, ele sabe bem o que já mudou e como vê a modalidade:

Foto: Site Sociedade Esportiva Palmeiras
  • Eu jogo há 30 anos. A evolução foi grande em tudo: no material, na divulgação com a evolução da internet, no número de praticantes, estados e países federados. As coisas cresceram muito ao longo desses anos. Não tem nenhum clube que paga alguém para jogar. É tudo pela paixão. O Palmeiras está entre os melhores porque o departamento auxilia em grande parte das despesas com os torneios.

Crianças no esporte e a importância do Futebol de Mesa na vida destes personagens

Pergunta: Acredita que o Futebol de Mesa possa despertar a paixão do jogo em crianças e adolescentes, competindo com outras atividades hoje em dia?

Lennon Biscasse, Futmesagol:

“Molecada hoje só quer saber de jogos por aplicativos, mas eu faço clínicas de Futebol de Mesa e quando eles veem isso ficam loucos, porque uma coisa é você jogar no computador, no tablet, a outra é você pegar no botão, chutar, fazer o gol, balançar a rede.”

Luciano Araújo, Botões Clássicos:

“Com certeza. O desafio é dos pais. Pois é muito mais fácil largar a criança com um ipad no sofá. Ele não enche o saco. Ensinar o filho a jogar futebol de botão requer paciência, insistência e muito mais dedicação de tempo. Coisa que o adulto hoje ignora. Falo em modo geral, logicamente.”

Paulo César Michilin, S.E.Palmeiras:

“Sim, sim. Principalmente se os pais e tios mostrarem como joga, como é a coisa. Não adianta dar um jogo de botão para a criança e largar lá. É bom ter este estímulo.”

Pergunta: Qual a importância do futebol de mesa no país e em sua vida?

Lennon Biscasse, Futmesagol:

“A importância do Futebol de Mesa na minha vida é muito grande. Eu nasci dentro de uma fábrica de Futebol de Mesa, vi como ele cresceu durante todos esses anos, ele não é praticado só no Brasil, muitos países amam isso. O que acontece é a evolução natural do ser humano, pessoal hoje em dia tem celular, videogame, tablet, mas o Futebol de Mesa é muito praticado, viajo o Brasil e o mundo a partir dele, tenho muito amor pelo esporte.”

Luciano Araújo, Botões Clássicos:

“Consegui conciliar as 3 coisas que mais gosto. Futebol, rock e arte. Faço meu trabalho com muita facilidade. Fazer o que gosta, literalmente, não tem preço.”

Paulo César Michilin, S.E.Palmeiras:

“Sou suspeito para falar. Jogo desde quando era moleque. Com quatro anos de idade já brincava no estrelão, morava em prédio e tinha amigos que jogam comigo até hoje. Fazíamos campeonatos e tal. Tudo o que eu via no futebol queria traduzir para o botão, sempre criei essa realidade. Eu adoro. Jogo há 40 anos e 30 como federado.É marcante no país também. Você pode ver em filmes da década de 70 e 80 que retratam o estrelão. Por ser um esporte brasileiro, é bem marcante, e agora está invadindo o mundo.”

Agradecimentos:

Lennon Biscasse, Luciano Araújo, Paulo César Michilin e Angelo Salvioni, muito obrigado!

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