Algumas evidências sobre Manterrupting

Deborah Bizarria
Futilidade Marginal
3 min readMay 26, 2021

Apesar de não se saber ao certo como o termo surgiu, ele se refere a uma percepção de que, em geral, homens interrompem mulheres bem mais frequentemente em decorrência de uma cultura machista. De fato, há evidências dessas interrupções de homens em relação a mulheres em diferentes contextos. Um exemplo, inclusive já abordado aqui, é o estudo de Tonja Jacobi e Dylan Schweers que analisa interrupções na Suprema Corte americana, no qual — além de divergência ideológica — gênero tem um papel importante na causa de interrupções.

Outro artigo que aborda o tema foi publicado em 2014 por Adrienne B. Hancock, pesquisadora de comunicação e gênero. Ao analisar conversas de tema neutro, concluiu-se que mulheres foram cerca de 2 vezes mais interrompidas por homens em conversas de três minutos. Mais: se concluiu que mulheres são mais interrompidas por outras mulheres. Ao falar com uma interlocutora, elas interrompiam cerca de 3 vezes mais do que o faziam com homens. O estudo conclui que baseado nas teorias que explicam o papel de um gênero nos padrões de linguagem e no papel do parceiro de comunicação, há indícios de que a linguagem pode ser mais influenciada pelo esquema de normas de gênero de quem fala do que por suas caraterísticas de gênero propriamente. Então, o ‘manterrupting’ não é um termo esclarecedor, afinal, não só homens interrompem mulheres em detrimento de homens, outras mulheres também fazem o mesmo.

Então, de fato, há evidências de que gênero possui um papel de influência em como o discurso flui. Isto é, na quantidade de vezes em que a fala tende a ser interrompida. Mas qual o gatilho para isso?

Estudo da década de 1970, de Mcmillan et al, já tentava responder essa pergunta. A resposta parece estar justamente na linguagem: mulheres tendem a usar mais formas linguísticas que denotam incerteza quando os homens estão presentes do que quando os homens estão ausentes. Essa aparente insegurança ou incerteza era manifestada por meio do uso de termos como parece, sugere, indica, poderia, provavelmente, possivelmente, entre outros termos que indiquem menor grau de certeza ou ainda cautela. Não à toa são termos muito usados em artigos científicos.

Nesse estudo, tanto homens quanto mulheres julgaram que uma mulher que falava hesitantemente era menos competente do que uma mulher que falava assertivamente. Já quando se tratavam dos falantes do sexo masculino, não se considerava essa diferença de linguagem ao avaliar a competência e o conhecimento. No entanto, as mulheres foram mais influentes ao falar timidamente ou com hesitação para um público masculino, mesmo que também fossem consideradas menos experientes e competentes dos que as mulheres assertivas. Ao mesmo tempo, não havia esse aumento de influência para com outras mulheres, o que fornece evidências de que as diferenças de gênero no uso de termos que marcam incerteza, isenções de responsabilidade, além de proteção, são — provavelmente — uma das variáveis das diferenças de status entre homens e mulheres.

Para além da questão de posição social, no qual esse tipo de linguagem pode comunicar que o falante não tem desejo de melhorar seu próprio status, também pode ser usado como estratégia por outras razões. Como a presença de homens pode torná-las conscientes de seu estilo de fala e preocupadas com o fato de não se comportarem da maneira excessivamente confiante que esperam dos homens. Ainda, mulheres podem falar mais assertivamente para as mulheres do que para os homens porque elas podem sentir que suas colegas são geralmente mais cuidadosas e corretas em suas falas e, consequentemente, ser mais importante falar corretamente com as mulheres.

Uma curiosidade apontada pelo estudo foi que homens perceberam uma mulher hesitante como mais digna de confiança e simpática (ainda que menos competente) do que uma mulher assertiva. Já as mulheres a julgavam como menos agradável e digna de confiança. Uma mulher que falou de modo inseguro não era tida como mais competente ou experiente, mas ela ainda era mais influente com uma audiência masculina. Uma possibilidade levantada é que eles considerem seu comportamento como mais ‘normal’ do que o de uma mulher mais assertiva e, consequentemente, podem ter sido menos resistentes a seus argumentos. Então infelizmente, para as mulheres, o uso de linguagem hesitante como uma estratégia de influência sutil compromete sua competência percebida ou diminui seu grau de persuasão para uma audiência mista.

O uso de uma linguagem hesitante por mulheres que parece ser utilizada como uma estratégia de convencimento é, justamente, o mesmo tipo de linguagem que influi na quantidade de interrupções sofridas por mulheres, sejam os interruptores homens ou também mulheres. Isso faz ainda mais sentido se, de fato, o tipo de linguagem utilizada não afeta a percepção que se tem de homens em geral.

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