Cotas de Gênero: Uma Política Pública Equivocada

Em nome da igualdade de gênero nas empresas, vários países consideram recorrer a cotas para os melhores cargos. Será esse um bom caminho?

Deborah Bizarria
Futilidade Marginal
6 min readAug 6, 2018

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Recentemente, tive a oportunidade de ouvir a economista britânica Vicky Pryce em uma palestra para a universidade Warwick. Esperávamos que seu tema fosse Brexit e suas implicações, mas segundo a economista, um outro tema seria mais adequado para aquele público jovem: desigualdade de gênero.

A grande maioria dos defensores da diminuição da desigualdade de gênero não costumam discutir em primeiro lugar, o porquê de homens e mulheres ocuparem posições profissionais tão diferentes por escolha própria ser um problema. Pryce, no entanto, nos apresenta um argumento econômico. Se, por pressões culturais, a ausência de incentivo e falta de modelos fazem com que mulheres saiam da corrida pelos melhores empregos, então há uma má alocação de talentos na economia. Essa falha de mercado custa a economia em termos de produtividade e crescimento.

Eu iria além: pensando a questão do ponto de vista de soberania do consumidor, não haveria problema se as escolhas de carreira feitas pelas mulheres refletirem suas reais preferências. Contudo, considerando que faz poucas décadas que mulheres alcançaram autonomia, ainda há várias pressões sociais e preconceitos que podem tornar essa escolha mais difícil, incorrendo em um custo adicional. Para muitas, devido a essa restrição extra, a saída é seguir um caminho que acreditam ser mais convencional. Assim, o gender gap não só reflete um problema econômico, mas também, pelo menos para um grupo de pessoas, uma questão de liberdade de individual. Se pelo menos uma parte da diferença na escolha de profissão é causa por preconceitos e outras pressões, então a disparidade não é só um problema como também faz sentido tentar reduzi-la.

O argumento inicial de Pryce faz sentido. Contudo, os problemas na sua analise surgem a partir dessa (razoável) premissa. Sua primeira conclusão é que se tratando de uma falha de mercado, o governo deve intervir. Aqui, ela parece ignorar que mesmo intervenções governamentais apresentam falhas.

Vicky Pryce, economista britânica nascida na Grécia. Photograph: Olivia Harris/Reuters

Uma das intervenções para o Reino Unido defendidas pela economista são cotas femininas para os cargos mais altos em grandes empresas. Ela defende que a garantia de espaço para mulheres habilidosas e seus exemplos irão gerar um efeito em cascata a incentivar mais mulheres a buscar melhores cargos e salários. No entanto, embora ela tenha razão ao dizer que as empresas e economias de cujos países legislaram em favor de cotas não entraram em colapso, ela não pode dizer que as cotas foram a causa de alguma melhoria real na desigualdade entre homens e mulheres. Estudos sobre implementação desse tipo de cotas em países europeus apresentam resultados que se mostram inconclusivos em termos de desempenho das empresas. Alguns estudos encontraram efeitos positivos, o oposto ou mesmo nenhum efeito.

Vicky Pryce cita uma pesquisa da consultoria McKinsey, segundo a qual empresas com mais mulheres em seus conselhos são mais lucrativas, menos propensas a serem envolvidas em fraudes ou em brigas entre acionistas. Mas correlação não implica em causalidade. É possível que a diversidade seja uma consequência de uma governança que sabe alocar melhor o talento de seus membros, se é este o caso, o argumento que trata desigualdade de gênero como uma falha de mercado ganha força. Afinal, essa desigualdade seria fruto de uma alocação sub-ótima nas empresas.

Ainda assim, os estabelecimento de cotas via legislação apenas corrigiria a questão superficialmente, como mostram algumas evidências. Cotas para um determinado nível hierárquico melhoram a representação, mas não impactam a representação do grupo minoritário em outros níveis. Isto é, políticas de cotas que miram o topo das grandes empresas, além de serem ineficazes no que se propõem, criam a ilusão de que o caminho é mais uma intervenção.

Um exemplo de como uma política pode ter efeitos inesperados, é o caso recente da BBC. O governo britânico pediu que mais 10 mil empresas declarassem o quanto pagam em média aos seus funcionários homens e mulheres, separando também por cargos. A BBC acabou revelando também o pagamento seu melhores talentos, que ganham mais de £ 150.000. Dois terços das estrelas da lista, incluindo os 7 mais bem pagos, eram homens. Logo, a empresa começou a fazer esforços para reduzir seu wage gap: concedeu bônus de produtividade a algumas mulheres e… reduziu salários de alguns de seus funcionários homens.

A disparidade salarial na BBC causou comoção na mídia inglesa

Em paralelo, o Comitê Digital, Cultura, Mídia e Esporte decidiu averiguar a situação de várias dessas empresas. Para o caso da BBC, seu relatório concluiu que a disparidade salarial entre homens e mulheres é de 9,3%, contra uma média nacional de 18,1%. Além disso, uma auditoria de igualdade de remuneração constatou que “não havia nenhuma discriminação sistêmica de gênero”. O maior problema enfrentado pela empresa, é a maior proporção de homens nos cargos mais bem pagos, e a dificuldade em encontrar mulheres com as qualificações e experiência necessárias para ocupar esses mesmos cargos. Ou seja, ao contrário do que muitos pensam, o problema não está exclusivamente nas empresas, uma vez que mesmo as comprometidas têm tido dificuldade em enfrentar a questão.

Outro possível problema é a desconfiança na capacidade feminina; homens e outras mulheres podem passar a tratar as outsiders como uma especie de café-com-leite: alguém que está presente, e não joga o jogo a sério.

No entanto, nem tudo está perdido. Há boas propostas defendidas por Pryce e outras feministas que devem ser ressaltadas pelo potencial de aliviar essas restrições a escolhas sem, no entanto, serem medidas autoritárias. A minha favorita é a criação de feiras de profissões para escolas que recebam mulheres com profissões em que são minoria, a fim de inspirarem as garotas a buscarem novas possibilidades. Ou ainda, trabalhar a falta de auto-confiança sobre as próprias habilidades que muitas mulheres apresentam quando jovens. Existem várias iniciativas de cunho privado como lideradas pelas empresas como Bank of America, Target e Moss Adams ou o projeto The BlackList focado na indústria cinematográfica. Esses projetos têm um potencial enorme, mas ficam fora do debate e não raramente deixadas de lado pelo movimento feminista.

Depois de muito falar sobre mulheres, é importante salientar que há também restrições sobre as escolhas masculinas. Se quisermos tornar as escolhas um verdadeiro reflexo das preferencias, e não uma imposição social, temos que olhar os dois lados dessa moeda. Como coloco nesse artigo, ignora-se quase completamente a sub-representação masculina em áreas como educação, saúde e comunicação. Ou ainda, quase não se discute maior evasão escolar entre rapazes por irem em busca de trabalho. Essa pressão sobre os homens pelo emprego também perdura: o desemprego masculino aumenta a probabilidade de divórcio, mas se a mulher estiver desempregada não há efeito.

O que sabemos com certeza é que homens e mulheres têm o mesmo potencial, o que varia são os interesses, incentivos e as restrições, sejam externos ou internos. Contudo, o debate a cerca do que fazer parece está muito centrado nas aparências, como em ter mais mulheres em diretorias mesmo que essas ‘golden skirts’ sejam tão poucas que acabem sendo repartidas em conselhos de empresas diferentes. Proponho que foco seja outro, que seja tornar os indivíduos donos das próprias escolhas, ao invés de meros reféns do que dizem seus pares.

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