Quando o Politicamente Incorreto está só… Incorreto

Deborah Bizarria
Futilidade Marginal
3 min readSep 11, 2020

Para a divulgação de seu curso “Verdades Proibidas, o escritor e jornalista Leandro Narloch fez uma breve enquete em seu instagram com a seguinte pergunta: “Em quais países vocês acham que há mais mulheres em Engenharia e Ciências Exatas?”. As alternativas eram constituídas de dois grupos de países, no primeiro constava Dinamarca, França e Suécia, já no segundo Algéria(sic), Irã e Arábia Saudita. Ao final da enquete, Narloch explicou que o segundo grupo era a resposta correta, pois em países com maior pobreza e machismo as mulheres buscariam mais segurança financeira nas exatas, enquanto no primeiro grupo elas seriam livres para escolher.

Embora existam indícios que a proporção de mulheres em exatas seja maior no segundo grupo que no primeiro, é um grande salto simplesmente concluir que mulheres simplesmente preferem outras áreas de atuação que não as exatas.

Esse aparente “paradoxo da igualdade de gênero” foi bastante popularizado graças a um estudo de 2018 conduzido por pelo pesquisadores Gijsbert Stoet e David C. Geary. Esse estudo teria encontrado evidências de que sociedades menos igualitárias teriam uma proporção maior de mulheres em áreas de exatas, e ao mesmo tempo, nos países em que mulheres têm mais liberdade elas prefeririam áreas de atuação mais “tipicamente femininas”. Defensores do estudo argumentam que não faz sentido tentar promover mais oportunidades para as mulheres ocuparem áreas onde são minoria, afinal, em sociedades livres elas tem total poder para escolher de acordo com suas preferências.

Contudo, esse argumento tem duas falhas importantes. A primeira é o próprio estudo: ele tem sido colocado em cheque desde que os pesquisadores Reiches e Richardson tentaram replicar os estudos com os dados disponíveis e não conseguiram. Os autores do original chegaram a realizar uma ou duas explicações e correções no paper, e mesmo assim não se conseguiu reproduzir os resultados. Stoet e Geary pararam de responder seus contestadores. Então, no mínimo, há algo estranho nos dados utilizados no estudo que argumenta em favor do paradoxo da igualdade.

Mesmo considerando que “está tudo certo” com o estudo, temos um segundo problema no argumento. Apesar da análise entre países apontar para a ideia de que mais igualdade social leva a maior disparidade em profissões, ao olharmos os dados ao longo do tempo a hipótese não se sustenta inteiramente. Olhando apenas para os dados do EUA, podemos ver que a proporção de mulheres trabalhando em exatas aumentou substancialmente desde 1970 de acordo com o Census Bureau (com a única exceção sendo áreas ligadas a computação). Logo, se as mulheres naturalmente preferem outras áreas, porque sua participação em exatas teria aumentado ao longo do tempo?

O fato é que entender o papel da natureza (ou preferências inatas) e da socialização nas diferenças entre homens e mulheres não é simples. Se de um lado, feministas e progressistas defendem a preponderância da sociedade nas escolhas dos gêneros, conservadores tendem a ressaltar o aspecto biológico e evolutivo. Na verdade, já está bem claro que é a interação dos dois fatores que geram essas diferenças, embora as pesquisas estejam engatinhando no quanto em que circunstâncias esses fatores nos afetam. O debate ideológico acerca do tema apenas dificulta nossa compreensão e a nossa capacidade de pensar em soluções caso estas sejam necessárias.

Narloch tem mérito em levantar um debate sobre um tema sensível e frequentemente deixado de lado por liberais. Contudo, vale salientar que apenas adotar a postura politicamente incorreta não é suficiente para explicar fenômenos sociais complexos.

O movimento em prol do ‘politicamente incorreto’ defende o fim dos excessos dos defensores do politicamente correto. Contudo, quando fazem oposição por oposição, podem acabar cometendo os erros que prometem combater.

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