Resenha — Moda: Uma Filosofia

Como lidar com a influência da moda nas nossas escolhas? O livro do filosofo Lars Svendsen pode nos dar uma pista.

Deborah Bizarria
Futilidade Marginal
4 min readAug 31, 2020

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A palavra moda nos remete quase que de maneira automática aos itens de vestuário que são mais atuais ou mais bem-conceituados. A moda contudo se trata de fenômeno muito mais amplo que afeta diversas áreas da vida: a política, as artes, o mundo dos negócios e mesmo a filosofia não escapa da sua área de influência. Se você ainda acha que não, reflita sobre seus hábitos de consumo em geral. Quais livros você lê? Que séries e filmes você tem assistido? Quais eletrônicos tem comprado? É bem provável que ao fazer todas essas escolhas, você tenha sido influenciado a escolher aquilo que muitos tem e consomem.

Apesar de todo esse poder, a moda é um fenômeno pouco abordado na filosofia, assim o livro do filósofo norueguês Lars Svendsen é um excelente pontapé inicial para compreendermos a influência da moda em nossas vidas.

Moda: uma filosofia se inicia com um panorama geral de vários pensadores deram a moda ao longo dos séculos de Adam Smith passando por Kant a Giddens, vários destes vislumbraram o crescente hábito das pessoas de buscarem pertencimento ou distinção por meio do consumo. Para que o item ou ideia esteja na moda, é necessário que este seja uma espécie de novidade a ser ainda abraçada pela maioria, e uma vez que esteja ao alcance de todos deixa de ser moda e dá lugar a algo ainda mais recente. E nesse processo não é necessário que a novidade seja melhor do que aquilo que está estabelecido, a nova moda é melhor simplesmente por ser nova.

Svendsen aponta ainda que conforme a velocidade desse processo substituição tem aumentado nos últimos anos, a moda deixa de ser um processo em que o velho precisa morrer. Hoje, devido a alta velocidade no surgimento de novas tendências, quando uma tendência envelhece pouco tempo se passa até que ela volte a estar na moda novamente. Então, se constrói um novo processo em que as modas não se substituem completamente, mas sim se suplementam e coexistem simultaneamente.

O livro também aborda as várias teorias sobre o surgimento e difusão da moda. Mas já adianto que nenhuma das teorias apresentadas no livro, conforme aponta o autor é suficiente para explicar a totalidade dos fenômenos de difusão da moda. Na visão de Bourdieu a escolha entre bens de consumo não é livre, ao contrário, se trata de uma escolha compulsória que reflete a classe social e as limitações econômicas. A noção de gosto, portanto seria um marco diferenciador de classes distintas, então criamos justificativas para que a moda de uma classe seja superior a de outra. Essa noção parece tão presente que mesmo no século XVII La Rochefoucauld já apontava para o seguinte:

“Nosso amor próprio suporta menos a condenação de nossos gostos do que de nossas opiniões.”

A esquerda poster do Levi Strauss Co no inicio do século XX, a direita anúncio da Calvin Klein

Já Blumer entende que moda reflete o espírito de sua época (zeitgeist), em que os mais sucedidos são aqueles que conseguem antever e incorporar a moda em suas vidas antes dos demais que seguirão a moda mais tarde. Há também situações em que um determinado item ou hábito já bem estabelecido em um nicho pequeno da sociedade, repentinamente se difunde e se torna uma moda — você consegue imaginar como era a vida antes da calça jeans, por exemplo? O que começou como uma roupa para trabalhadores braçais se tornou um item obrigatório em qualquer guarda roupa moderno.

Ainda que as teorias citadas consigam explicar alguns fenômenos ligados a moda, não podemos deixar de lado o quanto a moda é meio de expressão individual e ainda é um meio para a formação de uma identidade. Lars Svendsen nos lembra de que a identidade do homem moderno não é estática ou mesmo definida por uma força superior (ou Deus) como em eras passadas, a identidade do homem hoje é fruto da autorrealização, isto é, a criação de si mesmo. Logo a busca pela autorrealização se torna a marca mais importante do individualismo e ao mesmo tempo representa um perigo quando não se questiona que “tipo de eu” deve ser realizado.

A moda acaba se tornando um dos meios para essa criação, contudo devido a sua natureza volúvel ela não é capaz de prover algo tão essencial e supostamente duradouro para a formação de uma identidade. Então, segundo o autor, o fiel seguidor da moda seria alguém com a capacidade de desejar sempre se tornar alguém diferente/melhor/renovado, mas que nunca se sentirá satisfeito pois não possuiria sequer a concepção de que tipo pessoa gostaria de ser.

Cena do filme o Diabo Veste Prada em que a personagem da Meryl Streep fala sobre a influência da moda

Apesar desse perigo, também não devemos nos constituir a partir de uma oposição à moda: usar roupas antiquadas e consumir coisas distintas de todo mundo, apenas reforça o seu poder simplesmente pela tentativa de negá-la.

Devido a impossibilidade de fugirmos da moda, fica nítida necessidade de estudá-la e compreendê-la. Somente assim seria possível criarmos uma relativa independência de sua influência e simultaneamente usar a moda a nosso favor.

A leitura de Moda: uma filosofia é um excelente começo para quem deseja conquistar essa autonomia. Embora os exemplos abordados no livro sejam em geral dentro do mundo do vestuário, onde as mudanças são mais visíveis, se engana quem acredita que o tema é relevante apenas para os interessados em roupas e acessórios. Afinal, a moda permeia todas as áreas do engenho humano — nem mesmo as ciências escapam de sua força.

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