Como as marcas podem colocar os movimentos de sustentabilidade a seu favor.

Sem falar mais do que fazer e realmente promover as transformações esperadas pela sociedade.

Marina Colerato
4 min readFeb 12, 2019

Quando estamos submersos no universo da sustentabilidade, não é difícil mapear as principais tendências de comportamento que devem nortear as marcas de moda em 2019 e além quando o assunto é sustentabilidade: transparência, marketing de causa, matérias-primas ecológicas e economia circular estão no radar de qualquer empresa pensando em garantir sua relevância no presente e no futuro.

A grande questão, porém, talvez seja como levar as pessoas junto, ou melhor dizendo, como realmente articular ações e discursos genuínos que vão passar longe dos já bem conhecidos greenwashing e socialwashing?

Se, por um lado, 86% dos consumidores querem que as marcas se posicionem sobre questões sociais, a confiança nos negócios caiu 40% em 2017, com mais de 2 em cada 5 consumidores afirmando não saber em quais marcas confiar. É por isso que cada vez menos o público acredita em discursos (apenas) e cada vez mais quer ver ações concretas.

Para garantir o match entre o que a marca fala e o que ela faz, a transparência está ai para ajudar.

Vivemos um momento oportuno — ou melhor dizendo, definitivo — para empresas começarem a olhar para suas redes produtivas, identificarem os problemas e começarem a agir sobre eles. Isso significa, mais do que apenas compartilhar algumas informações, colocar a mão na massa e se debruçar sobre os desafios que nos impedem, enquanto indústria, de chegarmos numa produção e atuação mais limpas e éticas, em todos os sentidos.

É hora de olhar para as causas do trabalho análogo à escravidão, do machismo e da violência contra a mulher, do racismo, do extrativismo e poluição desenfreados nos processos produtivos (e nos escritórios coorporativos e pdvs) de forma direta e indireta — e traçar planos estratégicos de atuação sobre cada um deles. Compartilhar as pelejas, as falhas, os avanços e as conquistas com o público é a transparência sendo colocada em prática de forma relevante.

Ferramentas para certificar as informações, como o blockchain, ficarão cada vez mais acessíveis. Tecnologia, de forma isolada, não será nem o problema nem a solução. O segredo (e o desafio) está muito mais na coragem de começar essa conversa e ser ativo e assertivo na manutenção desse diálogo — e na continuidade das ações.

Aqui mora outra oportunidade: usar do marketing de causa para além do marketing. A partir do momento que as marcas se colocam motivadas para encarar os problemas que estão corroendo as estruturas — tão desiguais e tão problemáticas — de suas cadeias produtivas, abre-se um mar azul de atuação pragmática no campo ambiental e social que sem dúvidas virarão os melhores cases de marketing por aí.

Se importar genuinamente e agir para transformar a realidade é a melhor campanha que qualquer empresa em busca de criar vínculos duradouros com seus consumidores (como aponta qualquer pesquisa de comportamento por ai) pode fazer.

Se precisar chegar no legislativo para garantir as transformações necessárias para o bem estar social e ambiental, não hesite — e aproveite para engajar a sua comunidade de fãs, consumidores, seguidores no caminho. Algumas marcas já estão fazendo isso porque reconheceram a necessidade de mudar as regras do jogo e nivelar o campo de cima para baixo.

Deixe o triplé da sustentabilidade nos anos 90.

Estamos em 2019 e o tripé da sustentabilidade, sugerido por John Elkington, e tão defendido no mundo corporativo, não dá mais conta do recado. Na verdade, nunca deu. Chegamos num ponto de estafa e só conseguimos, como o próprio cunhador do termo assumiu 20 anos depois, acumular relatórios de sustentabilidade que pouco mudaram a realidade.

Seguimos demandando da Terra mais do que ela pode nos oferecer em nome da economia. As consequências: ecocídios, mudanças climáticas, poluição dos mares, extinção em massa, desmatamento, aterros sanitários superlotados, ad infinitum. Podemos todos concordar que isso não é bom para os negócios.

Então toda e qualquer empresa interessada em começar uma conversa e colocar os movimentos de sustentabilidade a seu favor deve deixar o tripple bottom line em 1994 e assumir que os recursos do planeta não são infinitos — logo todos os departamentos da empresa devem se subter aos limites da natureza.

Essa é a única forma das pessoas levarem tentativas de economia circular e uso de matérias-primas ecológicas a sério simplesmente porque é a única maneira de colocar essas ações em prática de forma genuína e cuidadosa: através de um olhar sistêmico e que passa longe de um simples greenwashing.

O olhar sistêmico é, inclusive, a chave da transformação . Não se pode trabalhar sem ele senão a única certeza será uma falha que não passará despercebida. Um exemplo: a falta de um olhar sistêmico faz empresas apostarem em materiais reciclados que fazem mais mal do que bem. O discurso é de circularidade e matérias-primas menos impactantes, mas a prática é uma poluição impossível de conter.

Uma chamada para redesenhar o sistema.

Esse asset precioso torna líderes e pessoas em posição de tomadas de decisão capazes de enxergar não só soluções a altura dos problemas, mas também a conexão indissociável de todas essas tendências de comportamento. São tendências que questionam um sistema produtivo e coorporativo da indústria da moda como um todo, por isso abordá-las de forma isolada sempre vai parecer mais uma tentativa de surfar na onda do que realmente de atender às demandas sociais. É um desafio complexo, de fato, mas ter essa capacidade é essencial para quando falamos de sustentabilidade e quando nos colocamos a caminho do futuro.

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Marina Colerato

Journalist, independent researcher and speaker. Founder at Modefica and Co-Founder at Futuramoda.