Como começar a pensar uma moda mais inclusiva

Entenda por quê e quais são os primeiros passos

Deborah Mello
Futuramoda
4 min readDec 3, 2020

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Por muitos anos, foi perpetuada a ideia de que para ser aceito no clubinho da moda, você precisava ser alta, magra, branca e ter uma carteira recheada. Felizmente, esse padrão tem sido cada vez mais questionado tanto por novas marcas que surgem no mercado, quanto pelo público no geral. A moda tem um papel muito importante na formação de autoestima e no sentimento de pertencimento, por isso é essencial que as suas narrativas sejam mais diversas e inclusivas. Mas para uma grande parte da população, o problema vai muito além da representatividade, já que existem diversas pessoas que não conseguem encontrar roupas e produtos que se adequem a seus corpos.

De acordo com o IBGE, quase 46 milhões de brasileiros declararam ter algum grau de deficiência. Isso representa 24% da população brasileira — e todas essas pessoas precisam de roupas, sapatos e acessórios. Ainda assim, são pouquíssimos os exemplos de marcas que realmente pensam nessa parte da população ao desenvolverem seus produtos. Muito além de uma questão ética, estamos falando também de uma falta de estratégia comercial e de marketing: uma pesquisa da Coresight Research estima que, em 2023, o potencial desse alcançará US $ 349,9 bilhões.

Mas como incluir pessoas com deficiência (PCDs) em suas narrativas e não apenas usá-las como token para mais uma campanha superficial de diversidade e inclusão?

O primeiro passo que você deve dar é ser vulnerável e fazer perguntas. Em sua participação no Bof Voices 2017 — evento que reúne alguns dos mais importantes profissionais de moda — , a ativista por inclusão na moda, Sinéad Burke, disse que “a indústria da moda acha que sabe o que as pessoas com deficiência precisam e querem, em vez de perguntar a elas. O que eu desejo que você faça é se tornar um pouco vulnerável e nos trazer à mesa, nos pedir nossos maiores insights. Porque vivemos com essa experiência todos os dias”.

Desde sua participação no evento, a presença de Burke se tornou cada vez mais frequente na moda: ela apareceu na capa da Vogue Britânica em 2019 e também no tapete vermelho do Met Gala. Conduto, não podemos esquecer: ela é apenas uma pessoa. Uma voz. Uma história. Quando falamos de uma moda pensada para PCDs, nós estamos falando de pluralidade e é preciso que outras pessoas também tenham acesso a esses espaços para que elas, também, possam compartilhar as suas experiências.

Assim, um segundo passo importante para incluir PCDs na moda é entender que uma moda inclusiva, é uma moda plural e ela não vem com uma fórmula secreta que vai funcionar para todos. Esse é um grande desafio para uma indústria que se fortaleceu através da criação de padrões estéticos.

Por mais que seja comum ouvir pessoas dizendo que a moda tem a função de destacar o que há de único em cada um de nós, o que a indústria realmente faz é exatamente o oposto. Ela padroniza. Grande parte dos tamanhos e modelagens de produtos de moda são padronizados, o que representa uma enorme barreira para incluir diferentes corpos na moda. Leandrinha Du Art, ativista do movimento de pessoas com deficiência, disse à Elle que precisamos entender corpos com deficiência como corpos plurais, diversos e múltiplos. Por isso, é impossível pensar numa moda inclusiva a partir de apenas um ponto de vista.

Em sua participação no podcast Backstage do Modefica, a comunicadora Isadora Meirelles disse que vê muita força no movimento slow fashion e na valorização das marcas pequenas, já que essas marcas conseguem ter um contato mais próximo com seu público. Isso não quer dizer que as grandes marcas não devam ou não consigam abraçar esse mercado, pelo contrário. O que grandes empresas de moda podem fazer é se inspirar na forma como pequenas marcas estão abordando esse mercado e usar as suas plataformas para trazer mais visibilidade e acessibilidade.

Isadora também mencionou como grandes marcas criam coleções para datas específicas, como o dia do Braille ou o Dia da Pessoa com Deficiência, mas não vão além. Para ela, estas ações são válidas quando pensadas como um passo inicial, já que são maneiras das organizações começarem a entrar nesse mercado e a se aproximar desses clientes. Mas é preciso incluir pessoas com deficiência todos os dias do ano — e não apenas em algumas datas. Assim, quando essa ações acontecem de forma isolada, e sem fazer parte de uma estratégia maior de inclusão, elas se tornam rasas, sem propósito e, muitas vezes, podem até soar oportunistas.

Finalmente, outro passo essencial é incluir pessoas com deficiência no mercado de trabalho e não apenas nas campanhas. Precisamos ter essas pessoas inseridas em diversos setores da moda, precisamos delas como estilistas, compradoras, fotógrafas, stylists, etc, já que são elas que sabem o que querem e precisam. Dessa forma, é muito importante que as organizações comecem a ter processos seletivos mais inclusivos e que visem atrair essas pessoas. O Business of Fashion publicou recentemente um estudo chamado “Como Criar Processos de Recrutamento Mais Inclusivos” onde menciona a importância de não apenas atrair candidatos mais diversos, mas também de avaliá-los de forma justa. Para isso é preciso levar em consideração as necessidades individuais de cada candidato para que todos sejam avaliados em condição de igualdade.

Em uma indústria tão competitiva e saturada, tornar a moda mais inclusiva vai além de uma questão ética. Se trata de uma boa estratégia de negócio, já que esse é um mercado tão pouco explorado e com um grande potencial comercial e criativo. Mas lembre-se que para expandir o seu negócio nessa direção é preciso dar passos genuínos e incluir diferentes corpos com deficiência no processo.

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