Ação da Gucci no Dia Internacional das Mulheres // Reprodução Instagram

Para as marcas, o tempo de ficar em cima do muro acabou.

Neutralidade política e social não é mais opção para estratégia de comunicação das empresas.

Marina Colerato

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Nesse último 8 de março, dediquei um tempo para checar o feed do Instagram de algumas marcas relevantes da moda — das grandes às pequenas e médias — para conferir o que elas estavam falando sobre o Dia Internacional das Mulheres. Elas estavam se posicionando? De qual forma? Elas usaram a data como forma de vender mais produtos ou como forma de engajar seus clientes e fãs em assuntos como violência, assédio e feminicídio?

Alguns dias depois, mais especificamente no dia 14 de março, a vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, foi executada com quatro tiros na cabeça. Marielle era uma importante defensora dos Direitos Humanos e seu assassinato mobilizou a sociedade não só na Internet, mas levou milhares de pessoas às ruas do Brasil pedindo justiça e se manifestando contra o silenciamento sofrido pela ativista e política. Lá estava eu, novamente, checando o posicionamento das marcas e como elas estavam abordando o tema — se é que estavam.

Um estudo americano recente chegou a conclusão que 66% dos consumidores querem ver as marcas se posicionando em relação a questões políticas e sociais, significando que o tempo de ficar em cima do muro acabou. Apesar de haver diferenças entre a percepção de conservadores e liberais frente ao assunto, ambos os grupos se mostraram mais suscetíveis a comprar de marcas que se posicionam e se manterem leais a ela. Cerca de 2/3 das pessoas entrevistadas para as pesquisas eram mulheres.

O estilista Prabal Gurung foi um dos muitos a levar o tema da imigração para a passarela em 2017. Na camiseta, os dizeres “eu sou um imigrante”.

A urgência de adotar um posicionamento frente às questões sociais e políticas bateu na porta da indústria da moda global com a eleição do atual presidente americano, Donald Trump. Até grandes designers levaram às passarelas e às mídias sociais mensagens de questionamento dos temas “abordados” pelo presidente como as políticas de imigração, mudanças climáticas e a construção do muro entre Estados Unidos e México.

No começo do mês, logo após um novo tiroteio em uma escola americana, a marca de luxo Gucci anunciou a doação de 500 mil dólares para o movimento March For Our Lives (“Marcha Para Nossas Vidas” em tradução literal), com passeatas agendadas no mundo inteiro para o dia 24/03, a principal delas em Washington D.C, em parceria com a organização Everytown fo Gun Safety. Em comunicado oficial a marca afirmou:

“Nós apoiamos o March For Our Lives e os estudantes corajosos em todo o país que exigem que suas vidas e segurança se tornem uma prioridade. Todos nós fomos impactados direta ou indiretamente por essas tragédias sem sentido”.

No Brasil, se manter alheio ao gritante índice de feminicídio no país, à desigualdade racial, ao silenciamento de lideranças ativistas e outras questões que tocam no cerne da sociedade brasileira deixará de ser estratégia e passará a ser motivo de desconfiança.

Se antes se manter neutro era a norma, hoje, num momento extremamente polarizado e os millennials com maior poder de compra, se manter na neutralidade é mais arriscado para a empresa do que assumir uma posição; pode parecer que a empresa só liga para dinheiro e não está atenta aos acontecimentos acometendo à sociedade. Além disso, o poder de alcance das marcas — e sua capacidade de gerar engajamento — fortalecem ainda mais seu poder de articulação e reforçam sua responsabilidade com os assuntos que tocam a vida dos seus consumidores.

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Marina Colerato

Journalist, independent researcher and speaker. Founder at Modefica and Co-Founder at Futuramoda.