Produtos e serviços sustentáveis são o futuro. Então por que vendê-los é tão difícil? // Imagem: Prana.com

Vendendo Sustentabilidade: Uma Missão Nem Tão Simples.

O que as marcas estão fazendo de errado e por quê elas não estão conseguindo criar conexões com as pessoas.

Marina Colerato
Futuramoda
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4 min readMay 12, 2018

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Nos últimos dois meses, estive reunida em dois momentos com dois grupos de empreendedoras de moda para falar sobre comunicação e sustentabilidade. Os encontros fizeram parte dos primeiros passos do Pitacos, uma consultoria rápida em grupos de até 10 pessoas com objetivo de promover insights dentro do escopo da comunicação para marcas e projetos de moda pautando sustentabilidade.

Os encontros, que contaram com a presença das parceiras Carol Delgado, antropóloga por trás do Puxadinho, e Nathália Anjos, coordenadora de conteúdo do Senac Moda Informação e co-fundadora da Voice 176, trouxeram muitos entendimentos valiosos sobre as principais dificuldades quando o assunto é comunicação e marketing de moda com essa lente de sustentabilidade.

Talvez o mais interessante deles foi perceber como algumas dúvidas e desafios têm sempre um ponto em comum: a falta de um olhar atento para comunidade formada em torno da marca e a relação dessa comunidade com a moda e com a sustentabilidade. Marcas e projetos dedicam tanto tempo e energia na produção e desenvolvimento dos seus produtos, mas na hora de colocar o que foi feito no mundo esquecem de algumas premissas importantíssimas para o sucesso da comunicação, principalmente se o objetivo dela é engajar as pessoas para além do produto.

Acessibilizar.

O primeiro passo para uma comunicação de moda bem sucedida é acessibilizar os processos produtivos da moda antes de tentar engajar as pessoas nos processos produtivos — muitas vezes entendidos como mais sustentáveis — da marca. Nesse sentido, a comunicação precisa partir do entendimento básico de que as pessoas de fora dessa indústria muito provavelmente desconhecem a origem do algodão, da viscose, da seda, do couro, por exemplo. Ou não sabem sobre a organização laboral vigente entre os elos do setor e desconhecem ainda mais os impactos sociais e ambientais do funcionamento desses processos.

Por esse motivo, é trabalho da comunicação de marca não só dizer o quanto seus processos são mais sustentáveis — mas explicar de forma didática, simples e direta o porquê esses processos sustentáveis são mais bacanas que os não sustentáveis. É impossível engajar pessoas numa causa que elas desconhecem e que não diz nada para elas.

Se a marca busca vender produtos e transformar a mentalidade da sociedade e do mercado sobre os processos produtivos da moda, ela precisa tornar esses processos acessíveis às pessoas e fazer o papel de educador.

Não usar nomenclaturas genéricas (#comérciojusto, #upcycling, #modasustentável) na comunicação se elas não estiverem atreladas a uma explicação bastante clara e objetiva do que essas nomenclaturas significam é outro entendimento marco zero dentro do escopo da acessibilização, porque quando falamos de acessibilização não falamos só sobre acessibilizar processos, mas também sobre acessibilizar linguagem.

A única forma das pessoas valorizarem sustentabilidade é entendendo porquê é importante e faz a diferença.

Cair na real.

Porém, sejamos francos. Nós não compramos produtos de moda (ou qualquer outro produto) só porque eles são sustentáveis. Nós compramos produtos de moda porque eles são bonitos e capazes de nos fazer enxergar outros valores — funcionais, emocionais ou sociais; uma bolsa de luxo pode ser bonita e também ser capaz de mostrar que eu pertenço a um seleto grupo de pessoas que têm acesso a ela, por exemplo.

A sustentabilidade pode ser um desses valores, mas ela é incapaz de vender uma camiseta branca por R$ 300 de uma marca desconhecida só porque o algodão é orgânico e a peça é produzida em pequena escala. Pessoalmente, é difícil encontrar alguma vantagem nesse discurso — ainda mais se eu não sei a diferença entre o algodão orgânico e o convencional.

Por isso, junto com a acessibilização (de processos e discursos), as marcas podem ganhar relevância quando seus produtos são capazes de garantir aos usuários outros valores que se relacionam com eles de forma muito mais pessoal e dinâmica do que a complexa sustentabilidade. Uma camiseta branca sustentável de R$ 300 é uma coisa. Uma camiseta branca de R$ 300 que, por conta de um design atraente, me faz parecer e sentir descolada, estilosa e confiante, é outra coisa.

Nivelar o campo.

Diferente da lógica das marcas entendidas como não-sustentáveis, as marcas com apelo sustentável normalmente dedicam grande parte do seu tempo em produção e processos, mas não se dedicam com o mesmo afinco ao marketing e à comunicação. Grandes empresas não investem mais dinheiro em marketing e comunicação do que na produção de seus produtos por acaso e essa é uma lição que as marcas precisam aprender: nivelar o campo.

A fase de produção e processo precisa de uma grande atenção e investimento, sem dúvidas, mas a hora da venda requer a mesma atenção. É ingênuo confiar que um produto vai ser encontrado e vendido por si só, principalmente na era do excesso — de informação, de marcas, de velocidade. Seu produto pode ser maravilhoso aos seus olhos de criador, mas quem souber comunicar melhor é quem vai conquistar o dinheiro, atenção e fidelidade do cliente.

E podemos dizer isso até mesmo de algumas tentativas de grandes varejistas e marcas em vender produtos com apelos sustentáveis. Onde o estardalhaço da comunicação não é feito com atenção e cuidado o suficiente para impactar — e, acima de tudo, educar e gerar transformação — no comportamento do cliente. Nivelar o campo é sobre dedicar tempo e dinheiro à comunicação e conceder a ela a devida importância e potencial transformador.

Marcas vivem pregando que precisam de “consumidores mais conscientes” para mudar suas práticas, enquanto outras lutam para sobreviver porque “as pessoas não entendem a importância da sustentabilidade”. Então, por que não ser a marca que vai tornar os consumidores mais conscientes e fazer as pessoas entenderem a importância da sustentabilidade a partir de um olhar cuidadoso para a comunicação com foco em sustentabilidade? As dicas estão na mesa, agora é hora de abraçar essa responsabilidade.

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Marina Colerato
Futuramoda

Journalist, independent researcher and speaker. Founder at Modefica and Co-Founder at Futuramoda.