Vendendo Sustentabilidade: Uma Missão Nem Tão Simples.
O que as marcas estão fazendo de errado e por quê elas não estão conseguindo criar conexões com as pessoas.
Nos últimos dois meses, estive reunida em dois momentos com dois grupos de empreendedoras de moda para falar sobre comunicação e sustentabilidade. Os encontros fizeram parte dos primeiros passos do Pitacos, uma consultoria rápida em grupos de até 10 pessoas com objetivo de promover insights dentro do escopo da comunicação para marcas e projetos de moda pautando sustentabilidade.
Os encontros, que contaram com a presença das parceiras Carol Delgado, antropóloga por trás do Puxadinho, e Nathália Anjos, coordenadora de conteúdo do Senac Moda Informação e co-fundadora da Voice 176, trouxeram muitos entendimentos valiosos sobre as principais dificuldades quando o assunto é comunicação e marketing de moda com essa lente de sustentabilidade.
Talvez o mais interessante deles foi perceber como algumas dúvidas e desafios têm sempre um ponto em comum: a falta de um olhar atento para comunidade formada em torno da marca e a relação dessa comunidade com a moda e com a sustentabilidade. Marcas e projetos dedicam tanto tempo e energia na produção e desenvolvimento dos seus produtos, mas na hora de colocar o que foi feito no mundo esquecem de algumas premissas importantíssimas para o sucesso da comunicação, principalmente se o objetivo dela é engajar as pessoas para além do produto.
Acessibilizar.
O primeiro passo para uma comunicação de moda bem sucedida é acessibilizar os processos produtivos da moda antes de tentar engajar as pessoas nos processos produtivos — muitas vezes entendidos como mais sustentáveis — da marca. Nesse sentido, a comunicação precisa partir do entendimento básico de que as pessoas de fora dessa indústria muito provavelmente desconhecem a origem do algodão, da viscose, da seda, do couro, por exemplo. Ou não sabem sobre a organização laboral vigente entre os elos do setor e desconhecem ainda mais os impactos sociais e ambientais do funcionamento desses processos.
Por esse motivo, é trabalho da comunicação de marca não só dizer o quanto seus processos são mais sustentáveis — mas explicar de forma didática, simples e direta o porquê esses processos sustentáveis são mais bacanas que os não sustentáveis. É impossível engajar pessoas numa causa que elas desconhecem e que não diz nada para elas.
Se a marca busca vender produtos e transformar a mentalidade da sociedade e do mercado sobre os processos produtivos da moda, ela precisa tornar esses processos acessíveis às pessoas e fazer o papel de educador.
Não usar nomenclaturas genéricas (#comérciojusto, #upcycling, #modasustentável) na comunicação se elas não estiverem atreladas a uma explicação bastante clara e objetiva do que essas nomenclaturas significam é outro entendimento marco zero dentro do escopo da acessibilização, porque quando falamos de acessibilização não falamos só sobre acessibilizar processos, mas também sobre acessibilizar linguagem.
A única forma das pessoas valorizarem sustentabilidade é entendendo porquê é importante e faz a diferença.
Cair na real.
Porém, sejamos francos. Nós não compramos produtos de moda (ou qualquer outro produto) só porque eles são sustentáveis. Nós compramos produtos de moda porque eles são bonitos e capazes de nos fazer enxergar outros valores — funcionais, emocionais ou sociais; uma bolsa de luxo pode ser bonita e também ser capaz de mostrar que eu pertenço a um seleto grupo de pessoas que têm acesso a ela, por exemplo.
A sustentabilidade pode ser um desses valores, mas ela é incapaz de vender uma camiseta branca por R$ 300 de uma marca desconhecida só porque o algodão é orgânico e a peça é produzida em pequena escala. Pessoalmente, é difícil encontrar alguma vantagem nesse discurso — ainda mais se eu não sei a diferença entre o algodão orgânico e o convencional.
Por isso, junto com a acessibilização (de processos e discursos), as marcas podem ganhar relevância quando seus produtos são capazes de garantir aos usuários outros valores que se relacionam com eles de forma muito mais pessoal e dinâmica do que a complexa sustentabilidade. Uma camiseta branca sustentável de R$ 300 é uma coisa. Uma camiseta branca de R$ 300 que, por conta de um design atraente, me faz parecer e sentir descolada, estilosa e confiante, é outra coisa.
Nivelar o campo.
Diferente da lógica das marcas entendidas como não-sustentáveis, as marcas com apelo sustentável normalmente dedicam grande parte do seu tempo em produção e processos, mas não se dedicam com o mesmo afinco ao marketing e à comunicação. Grandes empresas não investem mais dinheiro em marketing e comunicação do que na produção de seus produtos por acaso e essa é uma lição que as marcas precisam aprender: nivelar o campo.
A fase de produção e processo precisa de uma grande atenção e investimento, sem dúvidas, mas a hora da venda requer a mesma atenção. É ingênuo confiar que um produto vai ser encontrado e vendido por si só, principalmente na era do excesso — de informação, de marcas, de velocidade. Seu produto pode ser maravilhoso aos seus olhos de criador, mas quem souber comunicar melhor é quem vai conquistar o dinheiro, atenção e fidelidade do cliente.
E podemos dizer isso até mesmo de algumas tentativas de grandes varejistas e marcas em vender produtos com apelos sustentáveis. Onde o estardalhaço da comunicação não é feito com atenção e cuidado o suficiente para impactar — e, acima de tudo, educar e gerar transformação — no comportamento do cliente. Nivelar o campo é sobre dedicar tempo e dinheiro à comunicação e conceder a ela a devida importância e potencial transformador.
Marcas vivem pregando que precisam de “consumidores mais conscientes” para mudar suas práticas, enquanto outras lutam para sobreviver porque “as pessoas não entendem a importância da sustentabilidade”. Então, por que não ser a marca que vai tornar os consumidores mais conscientes e fazer as pessoas entenderem a importância da sustentabilidade a partir de um olhar cuidadoso para a comunicação com foco em sustentabilidade? As dicas estão na mesa, agora é hora de abraçar essa responsabilidade.