Qual o futuro de nossos gadgets?

A convergência não é o único caminho.

Manoel Lemos
Futuro Agora
4 min readAug 16, 2017

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São 7:37 da manhã e minha pulseira começa a vibrar suavemente. Eu deveria acordar às 7:45, mas a pulseira que monitorou meu sono percebeu que aquele era o melhor horário para acordar, já que estava numa fase de sono leve e acabaria acordando melhor. Depois de acordar, tomo um belo banho, troco de roupa, tomo um copo de leite e desço para a garagem. Ao entrar no carro ligo um pequeno fone Bluetooth que ao ser colocado em meu ouvido me lembra com uma suave voz feminina que ainda possui carga para duas horas e meia de conversação e que está devidamente conectado a meu smartphone. Ao chegar na Abril, logo que entrei na garagem, o smartphone percebe que chegamos ao escritório e uma outra voz, desta vez soando mais como um sintetizador, me lembra de telefonar para um colega de trabalho para discutir um determinado assunto. Durante o resto do dia a pulseira vibra mais algumas vezes, mas agora para me lembrar de tomar água.

Uau, isto foi rápido! A pulseira que eu estava usando era uma Jawbone UP, um dos primeiros dispositivos de tecnologia vestível que tiveram sucesso. O produto foi lançado em 2011 pela Jawbone, uma startup que nasceu em 2009 — com o nome de Aliph — e que foi pioneira em produtos com tecnologia wearable como pulseiras inteligentes, fones e caixas de som Bluetooth. Eu fui um fã de seus produtos de design arrojado e com muita tecnologia embarcada desde que vi um de seus primeiros modelos numa edição da Wired. Mas como dizem, “hardware is hard” e as últimas notícias são de que a empresa está deixando de produzir seus dispositivos e pivotando para o mercado de aplicações em saúde.

Nada disto é ficção ou a visão de um futuro distante, foi mesmo o que aconteceu comigo hoje. Há alguns anos, por volta de 2000, enviei um artigo para um famoso jornal aqui do Brasil onde eu pintava um quadro sobre o futuro da mobilidade e de nossos gadgets. Naquele ano eu estava bem envolvido com a cena mobile já que estava trabalhando em minha primeira startup, o PageMe, um portal especializado em enviar SMS — mensagens de texto — para celulares de várias operadoras. Vale lembrar que naquela época os celulares haviam apenas começado a receber mensagens, e nem eram, ainda, capazes de enviar mensagens para outros celulares. Para enviar uma mensagem para um amigo você precisava saber qual era a operadora dele e utilizar o portal daquela operadora para o envio da mensagem. O PageMe tentava simplificar isto tudo com um mapa dos prefixos (para identificar automaticamente a operadora) e conexões “meio clandestinas” com os portais das diferentes operadoras. Em meu artigo eu “profetizava” que em um futuro próximo teríamos celulares com câmeras, GPS, conexão constante com a Internet e falava de uma infinidade de serviços e aplicações descoladas que teríamos com eles. A palavra da vez era convergência. Dispositivos cada vez mais cheios de features, agregando as funcionalidades de vários outros dispositivos.

A evolução dos dispositivos realmente aconteceu, mas não seguindo o caminho da convergência como a única alternativa. Com a evolução tecnológica, pudemos ver o surgimento de microprocessadores cada vez mais baratos e menores, memória flash de grande capacidade a baixíssimo custo e uma infinidade de sensores como acelerômetros, magnetômetros e câmeras. Além também de diversas soluções para a comunicação dos dispositivos como infravermelho, Bluetooth, Wi-Fi e NFC. E tudo isto consumindo cada vez menos energia. Com muita criatividade estes componentes começaram a ser combinados em pacotes elegantes e ganharam vida com softwares especificamente desenhado para exercerem bem apenas uma ou duas funções. Com isto vimos a segunda via da evolução dos gadgets, na direção oposta da convergência, a da super-especialização. Como é o caso da pulseira que me acordou pela manhã, dotada de acelerômetros super precisos e de bastante memória, ela é especializada em monitorar minhas atividades físicas durante o dia todo identificando como está minha atividade física durante o dia e como anda o meu sono durante a noite. Depois tudo vai para o smartphone e para a Internet onde é analisado e transformado em um monte de informações que tentam me forçar a levar uma vida mais saudável.

Várias empresas, a maioria delas startups, estão investindo para criar estes gadgets especializados e fazer um bom dinheiro com eles. Estamos vendo vários dispositivos criados para a área médica, para a prática de esportes, para a monitorar nossas casas e filhos além de uma infinidade de aplicações industriais. Dispositivos embutidos em pneus podem fornecer informações sobre o desgaste dos mesmos e até mesmo de como um determinado motorista está dirigindo; e outros instalados em peças críticas de aeronaves podem avisar os fabricantes de fadiga nos materiais e evitar graves acidentes. Conecte a maioria destes objetos à Internet e temos parte do que chamamos de Internet das Coisas ou IoT (que é uma abreviação do termo em Inglês “Internet of Things”).

Segundo o estudo de uma grande empresa de tecnologia, o número de coisas conectadas pode chegar a um trilhão dentro de 10 anos. Mesmo que outros trabalhem com números bem menores — da ordem de dezenas de bilhões — as oportunidades são gigantes. O futuro de nossos gadgets será bem excitante, seja com dispositivos cada vez mais multitarefas como os modernos smartphones, ou cada vez mais especializados como bio-sensores. Será divertido! ;-)

Artigo publicado originalmente com o título "Gadgets divertidos e conectados" na edição de Janeiro de 2012 da Revista INFO e republicado aqui com a permissão da Editora Abril.

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