Mosquito Aedes Aegypti ( Foto por coniferconifer)

O papel do Big Data na luta contra o Zika

Futuro da Medicina
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5 min readMar 14, 2016

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Enquanto os departamentos de saúde se esforçam para entender o vírus transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti, a análise de dados digitais pode ser útil para conter e prevenir a propagação do Zika.

Recentemente, a Organização Mundial de Saúde declarou que o vírus Zika é uma emergência de saúde pública que, se não controlada, pode afetar cerca de quatro milhões de pessoas até 2017. No entanto, enquanto a modelagem de vigilância médica prossegue enraizada em reações a emergências, a infraestrutura de apoio necessária para prevenir e conter esta epidemia ainda é limitada. Para controlar a propagação da doença e transformar o Zika em uma fonte rica de ensaios clínicos — que inclusive poderia prever outros possíveis surtos, o uso de modelagens de dados oferece perspectivas mais precisas e seguras.

Nossa capacidade de gerar dados mudou radicalmente em apenas alguns anos. A quantidade de informação digital disponível é, literalmente, inimaginável. Sistemas como a Internet das Coisas (do inglês, Internet of Things) são compostos por milhares de dispositivos e sensores conectados à internet, gerando um fluxo de dados ainda maior. Com esta grande pilha de dados, encontra-se o potencial para revolucionar basicamente qualquer área. A polícia americana já está empregando modelos de dados para prever onde e quando um crime ocorrerá antes que ele aconteça. Algumas cidades estão fazendo uso de Big Data para prever o volume de tráfego e minimizar congestionamentos. Multinacionais usam estas informações para compreender e prever como e o que os seus clientes vão consumir. O grande objetivo, na maioria dos casos, é criar modelos preditivos. O mesmo fenômeno pode diminuir os danos causados por epidemias e revolucionar a saúde pública mundial.

Cena do filme Minority Report, lançado em 2002, quando a análise preditiva de crimes era apenas ficção científica. (20th Century Fox)

Notável em termos de volume, velocidade e variedade, o Big Data é um conceito amplo relacionado a criação e armazenamento de dados, utilizado para a avaliação de estratégias e ações. Esta compreensão que o Big Data proporciona para determinar um procedimento pode fazer uma diferença significativa no resultado final, especialmente tratando-se da contenção de surtos virais.

Game Watch Dogs/Ubisoft

Em 2011, a cidade de Lahore, no Paquistão, foi atingida com o pior surto de dengue de sua história. A doença, transmitida pelo mesmo mosquito que hoje alastra uma preocupação global com outras epidemias, infectou cerca de 16.000 pessoas e levou 352 vidas. Na tentativa de conter a proliferação, o governo paquistanês utilizou ferramentas do Google para desenvolver um sistema digital com algoritmos projetados para detecção precoce de surtos de gripe e de dengue. Quando o sistema detectava um surto iminente, funcionários do governo imediatamente limpavam a área de reprodução dos mosquitos. O resultado foi surpreendente. No ano seguinte, houve apenas 234 casos confirmados e nenhuma morte.

Hoje, o controle e prevenção de vírus como o Zika são geralmente detectados por sistemas de vigilância tradicionais — por meio de consultas médicas e em departamentos de saúde, que não correlacionam os dados captados e, por conseguinte, não geram inteligência para um melhor controle da doença. Em meio a esta grande tendência de sensores biométricos disponíveis no mercado, a coleta digital de informações individuais proporciona a possibilidade de monitorar a saúde da população em tempo real. Este método já é usado na pecuária através de sensores vitais instalados nos animais, o que diminui drasticamente a mortalidade e contágio de doenças do rebanho. A combinação de Big Data com o uso destes dispositivos tecnológicos facilita a detecção precoce de epidemias, otimizando estratégias e intervenções para vírus e doenças infecciosas antes de sua propagação.

Exemplo de execução do SickWeather

A aplicação de crowdsourcing e mapeamento geográfico viabiliza novas abordagens para traçar epidemias como o Zika, uma vez que fatores ambientais são substânciais na disseminação de doenças. O Google Flu Trends, por exemplo, disponibiliza uma estimativa de gripe em determinadas regiões através de dados agregados na pesquisa online. Por meio dos dados fornecidos pelo Google, departamentos de saúde podem fazer monitoramentos específicos de cada região e, assim, terão mais condições de se preparar para emergências e prevenir a propagação de epidemias em desenvolvimento. Atualmente disponível apenas para consulta de histórico, o Google Flu Trends ganhou um concorrente: o SickWeather é um aplicativo baseado no Twitter que também foi projetado para prever as tendências de diversas doenças.

O uso de Big Data para realizar vigilância na saúde pública enfrenta não só a fase de aplicação, mas também levanta algumas questões éticas, ainda distantes de sua resolução. Segundo alguns especialistas, o excesso de previsão poderia causar pânico, má alocação de suprimentos limitados, falta de recursos médicos e, como algumas reações ao recente surto de Ebola demonstraram, a estigmatização de países e comunidades. Os departamentos de supervisão regulatórias e éticas carecem de uma análise profunda para lidar com todo o espectro da prática de detecção digital, para que esta mescla de informações não tenha efeitos prejudiciais.

Contudo, há alguns dias, a empresa canadense BlueDot testou o uso de Big Data para prever a propagação do Zika. Dados climáticos globais foram transformados em modelagem matemática, utilizando mapas de temperatura, densidade populacional e outras variáveis que afetam a concentração do mosquito transmissor. O mapa de risco, além de apresentar a presença de mosquitos Aedes Aegypti em grande parte da América Latina, apontou outros locais suscetíveis à infecção e transmissão do vírus. Os pesquisadores afirmam que continuarão a analisar novos dados que poderão alterar este modelo, talvez substancialmente.

É importante ressaltar que os usos de Big Data na área da saúde vão muito além de vírus e situações emergenciais. Cientistas ambientais estão capturando enormes quantidades de dados de qualidade do ar em áreas poluídas para combiná-los com outros conjuntos de dados de saúde e, assim, estudar formas de tratar e prevenir doenças respiratórias. Epidemiologistas estão reunindo informações coletadas em redes sociais para identificar a propagação de doenças sexuais e até mesmo criar sistemas de alerta precoce.

O método de mineração de dados está transformando o modo como a ciência é feita. É evidente que o poder de geração de hipótese que o Big Data fornece pode ajudar médicos e pesquisadores a obter insights sobre os problemas de saúde pública, dos emergênciais aos permanentes. Aplicado com cautela ao debáte ético da prática, os bancos de dados clínicos são uma possibilidade real de melhora de tratamento e prevenção de doenças que pode vir a transformar a política de cuidados com a saúde.

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