Diversificação no meio digital é saída para distribuição de conteúdo jornalístico

Inovação em Jornalismo
Futuro do Jornalismo
8 min readNov 8, 2016

Divulgação via celular é alternativa para levar ao público material de qualidade e se torna questão de sobrevivência para a mídia tradicional

Antonio Rocha Filho

Com a expansão da comunicação digital, a mídia tradicional e os jornalistas deixaram de ter o monopólio da produção e divulgação de notícias. Qualquer pessoa pode, com um simples telefone celular, registrar um fato e distribuir a informação pela internet. A facilidade para a população acessar informações e se conectar à internet, principalmente por meio de aparelhos móveis, e as interações promovidas pelas redes sociais obrigam as empresas tradicionais de comunicação a criar mecanismos de distribuição de conteúdo jornalístico de qualidade voltados para o consumo rápido, em qualquer local, de preferência em telefones celulares. A utilização de conteúdos multimídia em sites interativos, a propagação por redes sociais e o uso de aplicativos são algumas das saídas encontradas pelos veículos de comunicação para se manterem relevantes para seus públicos e estáveis no mercado.

O avanço da comunicação digital, em especial desde meados da década de 1990, rompeu com o modelo tradicional de produção e distribuição de notícias. Concentrado nas empresas de comunicação, esse processo era unilateral, baseado em um modelo em que a informação era transmitida do emissor para o receptor.

O poder de produzir e distribuir material jornalístico está agora mais difuso. Antes o controle do que deveria se transformar em notícia e ser publicado ou não ficava nas mãos do jornalista. Hoje essa ação está mais diluída entre diferentes atores. Todos podem produzir e receber conteúdo das mais variadas fontes.

De acordo com Henry Jenkins (2014, p. 24), “o público não é mais visto como simplesmente um grupo de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter sido imaginadas antes. E estão fazendo isso não como indivíduos isolados, mas como integrantes de comunidades mais amplas e de redes que lhes permitem propagar conteúdos muito além de sua vizinhança geográfica”.

Nesse cenário, o jornalista deixa de ser um gatekeeper, que define o que passa pelos portões que se abrem ou se fecham nos meios de comunicação para permitir que um determinado assunto vire notícia. Passa a existir um processo de gatewatching, em que a audiência observa o que passa pelos canais de comunicação e interage no encaminhamento das informações no meio digital, conforme destaca Axel Bruns (2011).

O público passa a produzir conteúdo e se torna parte da própria apuração, passando a ajudar o jornalista na produção da notícia. Hoje a audiência tem muito mais autonomia e liberdade. Há vários exemplos recentes em que a produção e distribuição de conteúdo relevante e de interesse social não são mais prerrogativas dos meios de comunicação. Os protestos de junho de 2013 no Brasil, que ganharam visibilidade primeiramente nas redes sociais e só depois nos veículos tradicionais de mídia, são um ótimo exemplo. Tornar um fato público não depende mais apenas da imprensa.

A facilidade de acesso a informações gratuitas na internet se traduz em queda de interesse pela mídia tradicional. A circulação dos cinco maiores jornais do país despencou no primeiro semestre de 2016, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Segundo dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), divulgados pelo Meio & Mensagem, pelo Meio & Mensagem, considerando as edições impressas e as digitais, a circulação da Folha de S.Paulo, maior jornal do país, caiu de 352.925 exemplares diários, em média, no primeiro semestre de 2015, para 304.594 em 2016 (redução de 13,7%). O Globo, segundo colocado, teve média de 291.909 exemplares em 2016, diante de 317.954 no ano anterior (queda de 8,2%).

Para encarar esse cenário, as grandes empresas de comunicação buscam novas formas de produzir e distribuir conteúdo. A mídia tradicional e os jornalistas têm um papel importante nesse aspecto: buscam garantir que as informações publicadas tenham qualidade e credibilidade, por meio de apuração cuidadosa, checagem de informações, e inserção do público como parte do processo de produção da notícia.

Há, porém, uma questão organizacional muito presente que ainda precisa ser resolvida. Embora algumas experiências mostrem que as grandes empresas buscam se renovar, há ainda muita resistência a novos modelos de organização e formas de produção, para substituir esquemas que foram utilizados por décadas, mas que hoje não fazem mais sentido. No jornalismo, conforme Carlos Eduardo Franciscato (2010), as inovações organizacionais englobam desde o trabalho de apuração do repórter até os procedimentos de edição e finalização técnico-industrial do produto.

Prioridade para o digital

Apesar das modificações ainda em curso, não se pode perder de vista a importância do jornalismo para uma sociedade democrática. Porém é preciso ter consciência do novo papel do jornalista nesse meio. Sem ter o monopólio da notícia, ele passa a ser um curador do que circula na internet.

O profissional de jornalismo não faz, necessariamente, as observações iniciais sobre um fato, o que pode ser feito por qualquer indivíduo. O jornalista agora exerce uma função muito importante, que é conferir a veracidade das informações, interpretar e dar sentido à avalanche de textos, áudios, fotos e vídeos produzidos pelo público, como apontam C.W.Anderson, Emily Bell e Clay Shirky no estudo Jornalismo pós-industrial: Adaptação aos novos tempos, da Columbia Journalism School (2013).

O meio impresso é apenas uma das formas para a mídia tradicional apresentar notícias. É preciso inovar nas formas de distribuição de conteúdo concebido originalmente para a plataforma impressa. Fenômeno semelhante ocorre com outros meios de comunicação da mídia tradicional, como emissoras de rádio e de TV, baseados originalmente apenas em áudio e/ou imagem. Distribuição de material pelo site, conteúdos específicos para smartphones e tablets, aplicativos de notícias e interação com o público pelas redes sociais são algumas saídas já adotadas pelos grandes grupos de mídia.

O jornal Extra, do Rio de Janeiro, é um exemplo de como a expansão da comunicação digital criou novas formas de produção e de distribuição da notícia. O Extra, lançado em 1998 pela Infoglobo e pioneiro no chamado jornalismo popular de serviços, tem buscado nos últimos anos formas diferentes de apuração de informações e de distribuição de conteúdo.

Capa do jornal Extra — 08 nov. 2016

Uma ferramenta importantíssima para o Extra tem sido o WhatsApp, para a comunicação com os leitores e levantamento de informações com a ajuda do público. Desde 2013, o jornal usa o aplicativo para receber sugestões de pautas, informações para reportagens, fotos, vídeos, pedidos de esclarecimento de dúvidas. Com base no que é enviado à redação pelos leitores, os jornalistas fazem a apuração das informações, o que leva à publicação de reportagens mais conectadas com os interesses do público.

Para se ter uma ideia do alcance da utilização do recurso, em junho de 2016 o jornal teve seu número de WhatsApp bloqueado porque os executivos do aplicativo entenderam que o Extra utilizava a plataforma para obter grande lucro fazendo negócios, o que desvirtuaria os propósitos da ferramenta.

Na hora de distribuir o conteúdo produzido por seus jornalistas, o Extra, que desde seu lançamento teve a plataforma impressa como principal meio de atingir seus leitores, passou a diversificar. Contrariando o que sempre foi a lógica dos jornais populares, que baseiam sua distribuição na venda dos produtos impressos em bancas, hoje o Extra aposta na divulgação de seu conteúdo pelo meio digital.

O jornal tem um site dinâmico, com permanente atualização de conteúdo, composto por textos, fotos, vídeos, links para blogs. O acesso pelo celular também é facilitado pelo fato de o site do jornal ser responsivo (que faz com que se adapte automaticamente a qualquer tamanho de tela).

Homepage do site do jornal Extra

Sua interação com os leitores pelas redes sociais também é intensa. Seu perfil no Twitter tem 555 mil seguidores. No Facebook, a página do jornal tem 1,6 milhão de curtidas. Os dados são de novembro de 2016.

Página do Extra no Facebook, rede social muito utilizada pelo jornal na interação com os leitores

Também é possível acessar o jornal por meio de um aplicativo de celular. Embora simples, o aplicativo traz as principais notícias em destaque no site do jornal e permite a interação com o público, com áreas para que os leitores avaliem o aplicativo do Extra e conversem com a redação.

Interface inicial do aplicativo do Extra para celular
Área do aplicativo para avaliação do leitor
Interface do aplicativo do Extra para leitores falarem com a redação do jornal

A iniciativa de ampliar a presença do jornal no ambiente on-line parece ter bons resultados. Apesar de os índices de circulação impressa apresentarem queda nos últimos anos (eram 205 mil exemplares por dia, em média, em 2014, 136 mil, em 2015, e 128 mil no mês de agosto de 2016), os acessos on-line vêm se multiplicando. Segundo dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), o Extra teve 9,2 milhões de visitantes únicos em seu site em setembro de 2016, o que o coloca em segundo lugar entre os sites de jornais brasileiros, atrás apenas da tradicional Folha de S.Paulo.

Embora as mudanças precisem ser mais bem compreendidas com o tempo, a combinação de conteúdo dentro do repertório do jornalismo popular (com destaque para prestação de serviços, economia popular e entretenimento, voltado para seu público), matérias jornalísticas bem apuradas e diversificação na forma de distribuição do conteúdo, o Extra demonstra que é possível para a mídia tradicional inovar e se manter relevante no novo cenário digital.

Referências

ANDERSON, C.W.; BELL, Emily; SHIRKY, Clay. Jornalismo pós-industrial: adaptação aos novos tempos. Revista de Jornalismo da ESPM. Edição brasileira da Columbia Journalism Review, 2013.

BRUNS, Axel. Gatekeeping, gatewatching, realimentação em tempo real: novos desafios para o jornalismo. Brazilian Journalism Research, n. 7, v. 2, 2011.

FRANCISCATO, Carlos Eduardo. Uma proposta de incorporação dos estudos sobre inovação nas pesquisas em jornalismo. Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 7, n. 1, 2010.

JENKINS, Henry. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

Antonio Rocha Filho, mestrando em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM-SP, é professor do curso de Jornalismo da ESPM-SP. Graduado pela Faculdade Cásper Líbero, tem pós-graduação em Comunicação com o Mercado pela ESPM-SP. Trabalhou por 24 anos no Grupo Folha. Atualmente é diretor-executivo da agência de comunicação Entrelinhas.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP