Jornalismo em Rede

Inovação em Jornalismo
Futuro do Jornalismo
5 min readNov 8, 2016

Como a internet pode contribuir na produção de notícias com qualidade

Cleber Stevani

O termo jornalismo em rede começa a ficar mais claro com o fortalecimento da ideia de jornalismo praticado em rede, interconectado ou ‘networked’. Há outras formas de classificar, como jornalismo cidadão, jornalismo participativo, jornalismo online, jornalismo digital, jornalismo interativo, jornalismo móvel, entre outras definições.

O jornalismo em rede é uma maneira em que a atividade informativa pode se consolidar, devido às possibilidades de interação que a internet proporciona ao jornalista com outros atores. A partir da web 2.0, o usuário consegue publicar conteúdo próprio na internet, por meio de blogs, sites e redes sociais. Essa autonomia do cidadão comum traz consequências diretas para o jornalismo. Podemos estabelecer dois fatores. Primeiro, a facilidade em publicar nas redes virtuais. Segundo, a disseminação de notícias não apuradas e contextualizadas sem precisão.

As novas ferramentas digitais proporcionaram ao cidadão expressar suas ideias e opiniões sobre todos os assuntos do círculo familiar e cotidiano. Para Carlos Castilho (2016), é um um caminho sem volta. O usuário tem a capacidade de publicar notícias, compartilhar informações, fotos e áudios nas redes sociais, interagir nos portais de notícias e dizer suas opiniões livremente na internet, sem possuir uma formação em jornalismo.

jornalismo em rede

O excesso de informações na rede traz a necessidade da existência e importância de um profissional apto para estruturar as notícias na web. Castilho (2016) argumenta que o jornalista tem como fazer uma análise com maior contextualização de dados e informações.

Manuel Castells (2011) aponta que as novas tecnologias de informação e comunicação podem mudar toda uma estrutura que já estava consolidada. A possibilidade da humanidade rumo à conectividade perpétua impõe desafios à prática jornalística e abre espaço para rediscutir as teorias que a sustentam.

Com a crescente divulgação de informações na internet, é inevitável o surgimento de um jornalismo profissional ao lado de um jornalismo amador. Carlos Castilho (2016) distingue o primeiro como um especialista no manejo e contextualização de informações, dados e notícias; atividade que é também o seu ganha-pão ou objeto de pesquisa. Já o amador pratica atos de jornalismo de forma esporádica, não sistemática, sem critério científico e sem ser fonte de renda.

Seguindo este raciocínio, a pesquisadora holandesa Ansgard Heinrich (2011) observa uma mudança no jornalismo, onde os jornalistas não seguem mais uma linha de produção. O sistema jornalístico linear e centralizado, típico do século XX, ficou para trás, e surge um modelo baseado na não-linearidade e na descentralização do processo noticioso. Muitos observam esse movimento com suspeita e temor de queda dos padrões jornalísticos.

Manuel Castells (2011) desenvolveu um conceito de sociedade em rede em que o fato de a audiência não ser objeto passivo, mas interativo, abriu caminho para sua diferenciação e transformação da mídia. A comunicação de massa passou à segmentação, adequação ao público e individualização, a partir do momento em que tecnologia, empresa e instituições permitiram essas iniciativas.

O jornalismo em rede, seguindo esse contexto de digitalização, potencial comunicativo, apropriações tecnológicas e interações em rede, possibilita diversas práticas de produção e consumo, interferindo nas empresas de mídia e na lógica da industrialização da notícia.

A Agência Pública, por exemplo, é uma iniciativa que produz reportagens investigativas sem fins lucrativos para manter sua independência. O portal desenvolveu um projeto onde traz o mapa do jornalismo independente. A ideia foi mapear as iniciativas de jornalismo independente no Brasil, sites que nasceram do jornalismo em rede, de projetos coletivos e não ligados a grandes grupos de mídia, políticos, organizações ou empresas.

Entre os sites do mapeamento feito pelo projeto da Agência Pública está o website paulistano Vaidapé. Ele é formado por um coletivo de comunicadores que debatem e divulgam manifestações culturais da periferia de São Paulo. Segundo as informações publicadas no site, as pautas sempre são desenvolvidas na periferia com foco nos atores que não estão nos holofotes da grande imprensa e também não são prioridade na agenda política. O especial, “Eleições na quebrada: Para além das urnas, a periferia resiste” traz uma grande reportagem realizada por três jornalistas em rede. A reportagem aborda deficiências na habitação, saúde e infraestrutura na periferia de São Paulo. Os problemas retratados nos bairros Cohab Raposo Tavares, Marsilac e Itaim Paulista só foram possíveis a partir da formação de uma rede entre jornalistas e moradores das comunidades. Os repórteres do site Vaidapé chegaram até os personagens depois das queixas relatadas nas redes sociais pelos moradores. A rede estava formada e os repórteres foram em busca das respectivas histórias. Portanto, a colaboração foi fundamental para concretização da reportagem.

Com as possibilidades oferecidas pela internet, os comunicadores do Vaidapé ainda se utilizam de ferramentas do audiovisual, câmeras de vídeo e máquinas fotográficas, para ilustrar as reportagens e realizar documentários. A radiodifusão é difundida pelo site com podcast sobre as manifestações na periferia. Com o intuito de manter a independência editorial, o site busca gerar renda por meio de editais. No jornalismo independente, o profissional precisa ser um jornalista multitarefa, ou seja, dominar diferentes plataformas.

A grande questão, entre os acadêmicos e os profissionais de mídia, é saber se é possível fazer um jornalismo em rede com qualidade. Para o pesquisador Caio Túlio Costa (2014), a equipe jornalística deve estar sempre em adaptação, principalmente para serem sustentáveis, por conta das características vividas pelo jornalismo.

“A saída para os modelos de negócios, nesta nova realidade, tem de levar em conta que o jornalismo deve continuar a expor a corrupção, chamar a atenção para injustiças, cobrar políticos e empresas pelas promessas e obrigações assumidas, informar cidadãos e consumidores, ajudar a organizar a opinião pública, elucidar temas complexos e esclarecer divergências fundamentais, ou seja, os jornalistas não são apenas narradores de fatos”. (Costa, 2014, p. 64)

Os novos modelos de negócios em jornalismo precisam ter a preocupação constante em fazer um jornalismo consistente, informativo e sem estar atrelado a uma grande mídia. O jornalismo colaborativo, participativo ou cidadão precisa estabelecer uma rede de conexões entre jornalistas e sociedade. A colaboração mútua, nesta relação, só traz benefícios como conteúdo de qualidade para o usuário da rede e isenção para o jornalista.

Referências

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

CASTILHO, Carlos. Jornalismo em rede: onde profissionais e amadores se encontram. Observatório da Imprensa. 2009.

COSTA, Caio Túlio. Um modelo de negócio para o jornalismo digital. Como os jornais devem abraçar a tecnologia, as redes sociais e os serviços de valor adicionado, 2014.

HEINRICH, Ansgard. Network Journalism: journalistic practice in interactive spheres. Nova York: Routlege, 2011.

PALACIOS, Marcos. Manual de laboratório de jornalismo na internet. Salvador: EDUFBA, 2007.

OSÓRIO, Moreno Cruz. A curadoria em jornalismo nas coberturas de breaking news em tempo real na internet. 2014.

Cleber Stevani é jornalista e radialista. Trabalha como editor e diretor de TV do curso de jornalismo da ESPM-SP e é professor da faculdade Anhanguera. É aluno do curso de Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado da ESPM-SP. Foi ganhador de dois prêmios de telejornalismo.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP