Métricas de audiência impactam jornalismo online

Inovação em Jornalismo
Futuro do Jornalismo
10 min readNov 8, 2016

Acompanhamento dos hábitos do público favorece a reportagem orientada pelo clique

Ricardo Fotios

Cada um dos 105 milhões de internautas brasileiros tem seus próprios hábitos de navegação na rede. Destes, cerca de 83 milhões leram pelo menos uma notícia em julho de 2016, segundo a empresa Comscore. Um diferencial competitivo importante para o modelo de negócio do jornalismo contemporâneo reside, exatamente, em conhecer as preferências desta multidão de potenciais consumidores de informação. O desejado incremento de audiência resultante deste conhecimento se ancora na oferta de conteúdo mais alinhado com aquilo que o público costuma consumir, o que favorece a produção do que aqui chamamos de reportagem orientada pelo clique (ROC).

Não é necessariamente ruim que o jornalista procure ampliar o alcance do que produz a partir de métricas objetivas de audiência muito menos em assumir o jornalismo como produto de consumo, um entre tantos ofertados na internet. Na lei de sobrevivência da selva virtual, de nada vale ter a melhor reportagem de todos os tempos se ninguém chegar até ela. A notícia no ambiente digital não é compulsória como acontece na cadeia de valor clássica, como definiu Caio Tulio Costa (2014) em relatório sobre modelos de negócio no jornalismo digital.

Nas mídias tradicionais — jornais impressos, revistas, TV e rádio — a notícia vem no pacote do produto como um todo e não é consumida individualmente, como acontece na internet. A mídia é a controladora de todos os processos que envolvem o jornalismo, da digitação do texto no computador do repórter até chegar nas mãos do leitor. “No ambiente digital, o jogo muda”, registra Costa (2014). Origina-se desta mudança, aliás, a necessidade de inovar no jornalismo, de migrar definitivamente para um modelo mais ajustado ao novo milênio.

Uma das novidades para a rotina do jornalista é o acompanhamento em tempo real dos números de audiência incorporado às práticas editoriais do dia a dia. Esta nova competência impacta, pelo menos, duas etapas do processo de produção no ciberjornalismo, conforme sistematizado por Caru Schwingel (2012): a produção e a circulação. A produção do profissional que conhece o histórico das notícias mais acessadas tenderá a trazer conteúdo e narrativa próximos aos das produções mais populares em um determinado assunto. Já a circulação é impactada pela escolha e redação de textos e imagens utilizadas nos destaques que figurarão em páginas próprias, como homepages, ou em terceiras, como redes sociais.

São três as métricas mais importantes para a produção no ciberjornalismo com foco nos critérios de ROC:

1. Quantos usuários estão navegando agora — acompanhar rotineiramente a quantidade de usuários que navegam em um determinado site ou serviço de notícias permite ao jornalista conhecer genericamente os hábitos de seu público para tomar decisões e estabelecer metas a serem perseguidas. Saber qual a média de usuários diários do site em dias úteis, por exemplo, permite ao produtor de conteúdo acompanhar em tempo real se está distante ou perto de chegar ao número ideal. Se estiver distante da meta para aquele dia, poderá decidir imediatamente por produzir conteúdo que seja mais aderente à preferência do público naquele momento, comportamento que pode ser mapeado conforme descrito no item 3 a seguir. Esta é a métrica pode ser obtida por serviços básicos de medição de usuários online e mapeada em planilhas. No entanto, para ter dados mais completos e confiáveis, recomenda-se contar com ferramentas profissionais, como Google Analytics ou Omniture SiteCatalyst.

Reprodução de tela do Google Analytics para o blog feminino Simples Bella

2. Quanto tempo cada usuário permanece — é uma informação genérica como a do item 1, mas que permite ao jornalista conhecer o grau de envolvimento que sua produção está conseguindo estabelecer com o usuário. Muitas vezes, o internauta é atraído para um conteúdo por uma boa chamada de homepage ou por um post bem feito no Facebook mas, ao chegar ao destino, não lê a matéria toda, não navega em mais fotos do álbum ou não assiste ao vídeo todo. De ações menos imediatistas que a métrica anterior, este conhecimento permite a tomada de decisões editoriais que possam melhorar o envolvimento a partir da análise de conteúdos que tenham conseguido reter o usuário por mais tempo e que possam servir de modelo para produções futuras, seja por sua narrativa ou pelo formato. Para métricas de vídeo, o Youtube fornece informações a seus usuários tanto de visualizações (vídeo views) quanto de tempo e engajamento. As ferramentas profissionais do Google e da Omniture, citadas anteriormente, também medem esta navegação.

Reprodução de tela de acompanhamento de audiência de vídeos fornecida pelo Youtube a seus usuários

3. Quais notícias estão sendo mais consumidas — esta métrica é a mais reveladora e a mais polêmica das três, editorialmente falando. Ela indica com precisão a preferência do público, em tempo real. Assim, o jornalista pode decidir por oferecer mais conteúdo como aqueles que estão rendendo mais cliques ou retendo o usuário por mais tempo. Este conhecimento é revelador porque tira uma fotografia exata do que está sendo aprovado pela audiência entre tantas produções disponíveis. É igualmente polêmico porque pode indicar ao jornalista que seus critérios de seleção de notícias não encontram abrigo na aprovação do consumidor, remontando à antiga dicotomia entre interesse público e interesse do público. Para este acompanhamento, somente ferramentas profissionais de aferição de audiência são indicadas, como WebTrends e Omniture.

Reprodução de tela de ranking em tempo real de notícias mais acessadas na homepage do UOL

A circulação de notícias no ciberjornalismo também ocorre de forma fragmentada, mas em alguma medida o produtor de conteúdo pode direcionar o consumo com base na interpretação dos dados da audiência segundo critérios de ROC. Diferentemente do que ocorre na produção, cuja decisão editorial do que fazer com os dados conhecidos é exclusiva do jornalista, nesta etapa do processo há interferências externas, sejam do projeto gráfico do site ou de algoritmos automatizados, dependendo da origem:

1. Portas de entrada próprias — são aquelas cuja navegação é originada em páginas do próprio site ou domínio em que o serviço noticioso é mantido, notadamente as homepages, cuja importância ainda é grande para o jornalismo online brasileiro. Segundo a empresa Comscore, que mede a audiência de todos os sites brasileiros, cerca de 20% das entradas para notícias partem de cliques em homepages de portais ou sites, enquanto 17% vêm de Google e outros 13% de redes sociais. Os dados são de julho de 2016. A outra metade da audiência das notícias tem origens menos lineares, como redes sociais menores, hiperlinks em outras notícias e compartilhamento em redes de comunicação, especialmente quando o acesso é feito por um dispositivo móvel. Aqui, os conceitos de ROC podem ser aplicados quase que na totalidade, dependendo apenas de orientações de arquitetura da informação estabelecidas pelo próprio site. Para conhecer o comportamento da audiência nessas páginas, o profissional pode contar com ferramentas profissionais, como Omniture e WebTrends para mapear:

  • quais as notícias são as mais clicadas em uma determinada página;
  • quais áreas são mais adequadas para um tipo específico de conteúdo;
  • qual a melhor redação de chamada para um determinado destaques.

2. Portas de entrada de terceiros — são navegações originadas em domínios externos ao serviço noticioso, como ferramentas de busca e redes sociais, e indicam o grau de engajamento que o público tem com o site. O compartilhamento social de notícias é apontado pelo relatório do Pew Center como o mais importante avanço da última década, pois ele cria audiências novas que não estavam habituadas a ler notícias por outros meios, pontua John Pavlik (2013). Além disso, o crescimento da adesão do público conectado a alguma rede social é contínuo. A ação do jornalista para melhorar os acessos de entradas terceiras é limitado, principalmente, pelos algoritmos, que estabelecem um critério automatizado de distribuição de conteúdo independente da atuação editorial do produtor de conteúdo. Ainda assim, ferramentas de mapeamento de redes sociais e SEO (Search Engine Optimization), como SocialFlow e Spike, podem ajudar o profissional a descobrir:

  • quais conteúdos próprios geram mais engajamento;
  • quais conteúdos de terceiros geram mais engajamento;
  • qual a melhor redação para determinada publicação nas redes sociais;
  • quais os termos mais buscados para determinado assunto no Google;
  • quais termos buscados estão associados a entradas para seu serviço.
Reprodução de tela de acompanhamento de engajamento de publicações do UOL no Facebook pelo software SocialFlow

Seja qual for a origem da entrada, mais ou menos controlada, o jornalista que conhece os dados acima pode atuar em três frentes:

  1. selecionar nas homepages ou publicar nas redes conteúdo mais aderente à preferência dos usuários;
  2. posicionar destaques em áreas do site que tenham mais afinidade com aquele conteúdo;
  3. redigir títulos e chamadas que tenham mais alcance nas redes sociais e nas ferramentas de busca.

A partir dos exemplos citados e do acompanhamento empírico do mercado de notícias online é possível afirmar que o acompanhamento da audiência como ferramenta editorial está definitivamente inserido nas rotinas do ciberjornalismo. Cada veículo noticioso, no entanto, deve encontrar as melhores ferramentas e práticas para seu tipo de serviço. As consequências deste conhecimento também são variáveis e dependem das intenções do produtor de conteúdo, sejam empresas ou autônomos.

Note-se, porém, que em todos os casos citados a participação do jornalista é essencial e não há, até o momento, nenhuma experiência satisfatória de se fazer bom jornalismo sem a interpretação desses profissionais. As métricas são apenas mais uma ferramenta para melhorar e facilitar o trabalho jornalístico. Ou, como pontua o estudo produzido pela Columbia University, “o papel do jornalista — como porta-voz da verdade, formador de opinião e intérprete — não pode ser reduzido a uma peça substituível para outro sistema social; jornalistas não são meros narradores de fatos” (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p.33).

Indivíduo em rede e rede de indivíduos

Foto: OccupyCooperative.com

A formação de redes globais, desde aquelas segmentadas até as mais abrangentes, tem sido tema dos mais reveladores estudos da nova era. Nesta nova configuração de sociedade em rede como propõe Manuel Castells (2012), definida como líquida por Zygmunt Bauman (2001), as ações são cada vez mais individuais com consequências cada vez mais coletivas.

Trata-se de um momento de avanço tecnológico sem precedentes e que acerta em cheio os mercados de consumo, seja do ponto de vista da sustentabilidade do capitalismo tal como conhecemos desde a Revolução Industrial, no século XIX, ou pela adoção de novos hábitos conjugada à negação de hábitos estabelecidos desde a formação da indústria cultural, no final dos anos 1940. É como se a contracultura voltasse à cena só que em versão ampliada, globalizada e digital.

Antes distantes por definição, mercado e cultura se encontram como nunca no ciberespaço. Yochai Benkler, professor de direito da universidade de Harvard, nos Estados Unidos, reuniu esta nova perspectiva em seu trabalho intitulado “A riqueza das redes”, de 2006, em que percorre um extenso caminho analítico para identificar como a produção social está transformando os mercados e a liberdade. Há dez anos, portanto, quando o conceito de Web 2.0 engatinhava, o pesquisador já apontava para uma mudança profunda e estrutural trazida pela forma como os cidadãos do mundo livre se tornariam ao mesmo tempo mais autônomos e mais agrupados pelo acesso a tecnologias disruptivas.

Não tardou para aparecerem transformações políticas, como as trazidas pela Primavera Árabe (2010), e enfrentamentos ao sistema econômico vigente, como o Occupy Wall Street (2011). Na comunicação, as consequências da participação da sociedade em rede estão visíveis na proliferação de publicações online autorais sem relação com empresas de mídia e de banco de dados com informações amplas, relevantes e independentes, como Wikileaks, por exemplo.

Diante deste cenário, o jornalismo já sabe que sua reinvenção passa, necessariamente, pelo engajamento deste novo indivíduo em rede e pela aproximação com as redes de indivíduos.

Referências

ANDERSON, C. W; BELL, E; SHIRKY, C. O Jornalismo Pós-industrial. In: Revista de Jornalismo ESPM. São Paulo, n.5, p. 30–89, 2013.

BARSOTTI, A. Jornalismo em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência. Florianópolis: Insular, 2014.

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. São Paulo: Zahar, 2001.

_______________ . A cultura no mundo líquido moderno. São Paulo: Zahar, 2013.

BENKLER, Y. The wealth of networks: how social production transforms markets and freedom. New Haven: Yale University Press, 2006.

CASTELLS, M. A sociedade em rede: a era da informação, economia, sociedade e cultura, Vol. I. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

COSTA, C. T. Um modelo de negócio para o jornalismo digital. In: Revista de Jornalismo ESPM. São Paulo, n.9, p. 51–115, 2014.

FONTOURA, M. Desafios do jornalismo: uma análise acadêmica do relatório de inovação do The New York times. In: Revista Alceu. Rio de Janeiro, v.16, n.31, p.187–200, 2015.

LEVINE, B. The death of the home page has been greatly exaggerated. Nova York: Marketing Land, 2016.

O’REILLY, T. What Is Web 2.0: Design Patterns and Business Models for the Next Generation of Software. In: O’Reilly Media, 2005.

PAVLIK, J. Innovation and the future of journalism. In: Digital Journalism. Londres: Taylor & Francis, 2013.

SCHWINGEL, C. Ciberjornalismo. São Paulo: Paulinas, 2012.

Ricardo Fotios é jornalista, Gerente Geral na área de Conteúdo do grupo UOL, professor da graduação em Jornalismo da ESPM-SP, onde é aluno do Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado, e da Universidade Metodista de São Paulo.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP