Mídia tradicional precisa ousar em busca da inovação

Inovação em Jornalismo
Futuro do Jornalismo
11 min readNov 9, 2016

Novas formas de organização e de financiamento da atividade jornalística no meio digital exigem romper com modelos antigos, sem medo de errar

Antonio Rocha Filho

O avanço da comunicação digital implodiu o modelo de negócio que sustentou a mídia tradicional por décadas. Os veículos de comunicação, que antes tinham importantes fontes de receita na venda do conteúdo noticioso e de espaço publicitário, agora são forçados a mudar sua forma de financiamento. Para fazer jornalismo de qualidade é preciso dinheiro. Inovar na forma de produzir e propagar a notícia no meio digital é fundamental, assim como a busca de novas fontes de receita. Algumas iniciativas de veículos tradicionais e também de outros mais recentes, especializados em um determinado nicho, mostram que é possível inovar. É necessário, porém, perder o medo de errar e ousar mais.

O s veículos de mídia tradicional, em especial a impressa, vivem uma ruptura do modelo tradicional de negócios. Até 20 anos atrás, para ter acesso ao conteúdo jornalístico, o público precisava pagar por isso. A internet trouxe a possibilidade de os indivíduos produzirem e divulgarem informações sobre os acontecimentos, com circulação livre na rede. Como resultado, as empresas de comunicação viram cair uma de suas fontes de renda, o valor cobrado pelo acesso às notícias.

Muitas companhias criaram mecanismos para cobrar algum preço por informação jornalística apurada e publicada. Veículos tradicionais como o New York Times e a Folha de S.Paulo, por exemplo, implantaram modelos em que o público tem de pagar a partir de certo número de notícias acessadas em suas plataformas digitais, o chamado paywall. Mesmo assim, esse modelo, o mais bem-sucedido entre os grandes veículos, ainda não compensa completamente as perdas de receita no impresso.

Tela do New York Times informa sobre o limite de acessos de notícias por mês e a necessidade de pagamento

Outra importante fonte de receita foi duramente atingida pelo avanço da comunicação digital. Por décadas as verbas obtidas com a publicidade ajudaram os veículos tradicionais a viabilizar a produção e divulgação de conteúdo jornalístico de qualidade. Embora independentes, jornalismo e publicidade se ajudavam. Além de a receita vinda da publicidade permitir investimentos para a produção de material jornalístico relevante, a própria credibilidade do produto era um atrativo para os anunciantes.

Com a nova realidade do ambiente digital, as empresas de mídia viram cair suas receitas com a publicidade. No caso de jornais e revistas brasileiros, por exemplo, embora venham apresentando crescimento, as receitas publicitárias das grandes empresas de comunicação oriundas de anúncios na internet ainda são pequenas, na comparação com as verbas vindas dos anúncios no meio impresso, e não são suficientes para a manutenção do negócio. O estudo Retrospectiva & Perspectivas 2015, divulgado em abril de 2016 pela Kantar Ibope Media, mostra que os jornais receberam em 2015 o equivalente a R$ 16,8 bilhões em investimento, o que representa queda de 15% em relação ao ano anterior. Trata-se de um reflexo da retração de investimentos de setores como mercado imobiliário, veículos, peças e acessórios, que reduziram em 30% suas verbas no meio jornal. Em outro meio impresso, as revistas, também houve redução de investimentos em publicidade, de 5%, em relação a 2014. O total nas revistas chegou a R$ 5,3 bilhões no ano passado.

Com relação ao meio digital, o mesmo estudo da Kantar Ibope Media avaliou 30 veículos on-line, entre sites de conteúdo e portais de notícias. Como houve mudança de metodologia, não é possível comparar os resultados com o ano anterior, mas os investimentos nesse formato representam 7% do total, atingindo R$ 8,7 bilhões no ano passado, valor equivalente à metade do que foi dedicado aos jornais impressos, por exemplo.

Os anunciantes têm formas mais variadas de fazer a divulgação de seus produtos, que não apenas veicularem peças publicitárias em páginas de um veículo impresso. É possível utilizar outras formas de atingir o público, com base, por exemplo, em e-mail marketing, anúncios em sites para público com interesse específico ou publicidade nas redes sociais. Os hábitos de navegação e as conexões do perfil do consumidor na rede social permite que os anúncios sejam mais bem direcionados, a um custo mais baixo do que o necessário na mídia tradicional.

A tabela de preços de anúncios publicitários praticada pela Infoglobo nos jornais da empresa, em vigor desde abril de 2016, dá uma ideia dessa diferença de preços. Em valores absolutos, o anúncio mais caro na edição impressa do jornal O Globo, principal produto da empresa, na capa da edição de domingo, custa R$ 24.824 por centímetro por coluna. Levando em conta o limite máximo de 60 cm/coluna, estabelecido pela empresa, o valor de um anúncio como esse seria de R$ 1,49 milhão. Já o anúncio mais caro no site do mesmo jornal O Globo, que inclui intervenção com vídeo na homepage sai por R$ 320 mil.

A possibilidade que a internet traz de oferecer produtos de modo customizado em marketing direto para os clientes faz com que anunciantes deixem de se interessar pelo modelo tradicional de publicidade. As indicações de amigos ou de sites agregadores de ofertas de produtos são mais práticas e eficientes do que os antigos classificados de jornais, tanto para quem vende como para quem compra.

Possíveis saídas

As empresas jornalísticas precisam buscar novas e mais diversificadas fontes de receita para continuar bancando conteúdo jornalístico de qualidade. Fazer uma boa reportagem requer investimento: gastos com o tempo de trabalho do repórter, com deslocamentos, alimentação, telecomunicações. No cenário atual, a tendência é que as receitas com publicidade caiam ainda mais.

As redações dos veículos da mídia tradicional têm cada vez menos profissionais, para cortar custos, e é preciso fazer mais com menos, diante da competição. Em outras palavras, tentar fazer produtos jornalísticos melhores com equipes cada vez menores.

Nova realidade digital da redação da rede de TV americana CNN

A cultura organizacional da mídia tradicional é outro obstáculo. Investir em tecnologia, embora obrigatório, não é suficiente. É necessário mudar processos internos e organizacionais para permitir que os avanços tecnológicos tragam realmente ganhos à produção jornalística e também à viabilidade financeira das empresas.

Vivemos a época do jornalismo pós-industrial, em que o “jornalismo já não é organizado segundo as regras da proximidade do maquinário de produção” (antes as gráficas ficavam junto dos profissionais), conforme definem Anderson, Bell e Shirky (2013, p. 37–38), baseando-se em conceito utilizado originalmente por Doc Searls, em 2001. O jornalismo pós-industrial entende que instituições atuais vão perder receita e participação de mercado e que, se quiserem manter ou aumentar sua relevância, terão de explorar novos métodos de trabalho e processos viabilizados pelas mídias digitais.

O aspecto organizacional da produção de notícias deve ser repensado. Os autores indicam que será preciso ter mais abertura a parcerias; utilizar mais os dados públicos na apuração de reportagens de interesse geral; utilizar a audiência como parceira no levantamento e checagem de informações; ampliar o uso dos computadores e da tecnologia tanto para a apuração de dados quanto para a elaboração do produto final. A participação do público, que está mais próximo dos acontecimentos e em condições de registrar e informar o que ocorre, sem a necessidade de o jornalista ir até o local para apurar os dados, deve ser aproveitada. Com cidadãos munidos de celulares e capazes de produzir e propagar conteúdo, é possível utilizar as informações obtidas por essas pessoas para criar material jornalístico, após a devida apuração e edição.

O uso do computador precisa ser ampliado, tanto para a apuração de notícias por meio de mecanismos de busca, como para a edição do material, com a agilidade que a máquina permite em cálculos e organização dos dados. Os computadores podem gerar informação a partir tanto da busca e rastreamento em bases de dados quanto no tratamento desses dados, com a organização em tabelas e gráficos criados automaticamente a partir de programação. É preciso um jornalista para cuidar da curadoria dos dados, edição e preparação do produto final para divulgação.

Porém a mídia tradicional, arraigada a seus antigos processos, resiste às mudanças e mantém no meio digital os conceitos que norteavam o trabalho antes da internet, mesmo ao apostar em novas plataformas. Stephanie Grubenmann (2015) cita exemplos de grandes veículos da imprensa mundial, como El País e New York Times, que mantêm em seus produtos digitais as atividades que faziam na plataforma impressa, apesar de incluir alguns vídeos e infográficos interativos. A autora lembra que existe uma enorme diferença entre esses veículos e outros, nativos digitais, como o BuzzFeed.

Fachada do prédio da sede do New York Times

Segundo Grubenmann, o modelo do BuzzFeed, que começou explorando apenas listas de curiosidades e vídeos com animais e hoje mescla esse conteúdo a jornalismo mais sério, é um exemplo da criatividade necessária para inovar: criou uma sessão específica para veicular notícias, o BuzzFeed News. O site atingiu resultados de destaque: obteve US$ 100 milhões de receita em 2014 e fechou no lucro. Em dezembro do mesmo ano, seus 76,8 milhões de visitantes únicos o levaram a superar em audiência os tradicionais New York Times e Wall Street Journal.

Embora tenham demorado a perceber a urgência da mudança, esses e outros veículos de comunicação tradicionais do exterior começaram a experimentar novos modelos para viabilizar seus negócios e passaram a obter resultados positivos. John Pavlik (2013) apresenta os exemplos dos jornais Guardian, New York Times e Wall Street Journal, como casos em que houve uma boa combinação do modelo de paywall para cobrança de acesso a conteúdo jornalístico com a aposta na publicidade no meio digital e específica para dispositivos móveis, em especial telefones celulares.

Reforçando que a inovação é a chave para manter viável a existência de veículos de comunicação tradicionais na era digital, o autor cita quatro princípios que devem guiar esse processo: 1) pesquisa (ou inteligência) com base em dados concretos para tomar as decisões corretas; 2) compromisso com a liberdade de expressão; 3) busca pela verdade e precisão na apuração de informações; 4) ética.

Para Pavlik, os veículos de mídia que estão sendo bem sucedidos em inovação na era digital têm observado esses princípios. O autor indica que a estratégia de inovação dessas publicações mostra boas soluções em três áreas: 1) produção, distribuição e apresentação de conteúdo noticioso de qualidade; 2) relação de interação com o público, tanto na produção de conteúdo pelo próprio público como no diálogo pelas redes sociais; 3) utilização de novos métodos de divulgação de informação direcionados para a era digital, em rede.

Fora da mídia tradicional

Como têm mostrado sucessivos exemplos, é possível fazer jornalismo sem estar atrelado a uma grande corporação. Um caso emblemático é o de Renê Silva e a cobertura da invasão da polícia no morro do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2010. Sem que a mídia pudesse ter acesso a uma zona de conflito armado, o jovem, morador da comunidade, divulgou em primeira mão, pelo Twitter, detalhes da ação policial no local. O conteúdo passou a ser utilizado pelos grandes veículos de comunicação na cobertura jornalística, e o próprio Renê Silva virou fonte da mídia tradicional.

Usar pessoas que estão no local dos acontecimentos, com acesso a celulares, para complementar uma apuração jornalística, pode ajudar e muito os profissionais de imprensa. Um bom exemplo dessa estratégia é o jornal Extra, do Rio. Uma prática comum no veículo é receber informações do público via WhatsApp e, a partir daí, aprofundar a apuração jornalística para viabilizar a publicação de material de qualidade. O modelo foi utilizado com sucesso em diversas reportagens, em especial para acontecimentos no Grande Rio, em cidades geograficamente mais afastadas da sede do Extra, e serviu para aproximar e criar identificação entre os jornalistas e seus leitores.

A ferramenta permitiu intensificar uma das características marcantes do projeto editorial do Extra, a aposta no jornalismo local, voltado para comunidades mais específicas. Em palestra na conferência da International News Media Association (Inma), em agosto último, Octavio Guedes, diretor de redação do Extra, disse que a publicação de capas voltadas para regiões específicas do Grande Rio chegou a aumentar as vendas do jornal em 8%.

O direcionamento das pautas jornalísticas para públicos específicos, ou mesmo a criação de novos produtos para atender esses públicos, é uma tendência. No Brasil, as iniciativas se multiplicam. A Agência Pública, que aposta em um modelo de jornalismo sem fins lucrativos para manter a independência e utiliza ela própria recursos de fundações e crowdfunding para se viabilizar financeiramente, elaborou em 2015 um mapa do jornalismo independente no Brasil.

Página inicial do site da Agência Pública

Com o objetivo de mapear as iniciativas independentes no país, “neste momento de ruptura e renascimento que o jornalismo vive”, como diz o texto de apresentação do mapa, a Agência Pública tinha listado, até setembro de 2016, 74 veículos independentes, selecionados entre os que nasceram na internet, de projetos coletivos e não ligados a grandes grupos de mídia, políticos, organizações ou empresas.

Página do site da Agência Pública com o mapa do jornalismo independente no Brasil

Uma dessas iniciativas é o Jota, site especializado em notícias da área jurídica. Foi criado em 2014, em Brasília, mas com atuação também focada em São Paulo e Rio. Segundo definição da Pública, o site tem como objetivo produzir informação de qualidade para tornar o universo jurídico mais transparente e o ambiente de negócios mais previsível.

Homepage do Jota, site de notícias do mundo jurídico

O Jota foi criado por um grupo de jornalistas com passagens por grandes veículos de comunicação brasileiros, como Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, Valor Econômico e Veja, e habituados a coberturas de assuntos do meio jurídico. Hoje o site é uma das referências para quem trabalha na área.

Para financiar o trabalho, que requer tempo de dedicação de jornalistas especializados para produzir informação jurídica de qualidade, o Jota tem como fontes de verbas a publicidade veiculada no site, assinaturas, newsletters e ainda recebe investimento privado.

O Jota e outras iniciativas semelhantes são exemplos de que se pode buscar inovação e novas formas de sustentação de conteúdo jornalístico de qualidade. Para que isso seja viável, é necessário experimentar, para encontrar ideias que podem ser aplicadas e descartar as que não têm valor, como afirma Marcelo Crispim Fontoura (2015) ao analisar o relatório de inovação do New York Times.

Em seu texto, o autor destaca a importância de haver colaboração e interação cada vez maiores entre as redações e as equipes de negócios e de tecnologia. A internet fornece um meio propício à inovação digital de forma rápida, permite determinar o tamanho da audiência e abortar projetos malsucedidos, sem ter grandes despesas. As startups têm se aproveitado bastante desse ambiente. É preciso que as grandes corporações de imprensa incorporem essa possibilidade, ousem mais e tenham menos medo de errar.

Referências

ANDERSON, C.W.; BELL, Emily; SHIRKY, Clay. Jornalismo pós-industrial: adaptação aos novos tempos. Revista de Jornalismo da ESPM. Edição brasileira da Columbia Journalism Review, 2013.

FONTOURA, Marcelo Crispim da. Desafios do jornalismo: uma análise acadêmica do relatório de inovação do The New York Times. Revista Alceu, v. 16, n. 31, 2015.

GRUBENMANN, Stephanie. Innovation in and from the newsroom. Factors influencing innovation in legacy media. Dissertation, University of St. Gallen, Switzerland, 2016.

PAVLIK, John V. Innovation and the future of journalism. Digital Journalism. Routledge, 2013.

Antonio Rocha Filho, mestrando em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM-SP, é professor do curso de Jornalismo da ESPM-SP. Graduado pela Cásper Líbero, tem pós-graduação em Comunicação com o Mercado pela ESPM-SP. Trabalhou por 24 anos no Grupo Folha e hoje é diretor-executivo da agência de comunicação Entrelinhas.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP