Realidade virtual

Inovação em Jornalismo
Futuro do Jornalismo
6 min readNov 16, 2016

Formas para inovar o jornalismo na era digital

Adrian Alexandri

Também chamado de Jornalismo Imersivo, a realidade virtual (RV) no jornalismo é a produção de notícias de uma forma que propõe ao receptor, com o uso de óculos especiais, uma experiência em primeira pessoa de situações contidas nas notícias. A narrativa jornalística não ocorre a partir de reportagens ou entrevistas escritas, mas por meio de experiência das ações. É uma nova forma de contar histórias para um público cada vez mais digital.

Em outubro de 2015, o The New York Times enviou para um milhão de assinantes um par de óculos de realidade virtual (Google Cardboard). A razão foi apresentar sua primeira história produzida em RV, tecnologia considerada uma das apostas do jornalismo na era digital. “The Displaced” (Os Deslocados) chama a atenção para a realidade de milhões de refugiados a partir do olhar de três crianças: um menino ucraniano de 11 anos chamado Oleg, uma menina síria de 12 anos chamada Hana e um menino de 9 anos do Sudão do Sul, o Chuol. A ação teve ampla repercussão e pode ser considerada a primeira grande tentativa de produzir jornalismo com realidade virtual por um veículo de comunicação.

Já largamente utilizada na publicidade e principalmente em games, as técnicas de gravar em 360º começam a ser usadas em veículos como ABC News, Al Jazeera e The Guardian. No Brasil, experiências em realidade virtual são desenvolvidas em grandes corporações como Rede Globo, revista Veja, em possíveis investidas dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, além de iniciativas independentes como o documentário Rio da Lama, dirigido por Tadeu Jungle.

No âmbito da RV, ao usar os óculos o participante experimenta uma história com vídeo, sons ou fotografias e age sobre a narrativa. O vídeo normalmente tem pontos-chave, que podem ser acionados pelo participante — pelos comandos dos óculos —, que interage com estes elementos e, assim, consegue acionar mais detalhes do contexto da notícia.

Nonny de La Peña, uma das pioneiras em compartilhar conteúdo noticioso em realidade virtual, disse em entrevista para o Meio & Mensagem (abril 2016) que “quando usada adequadamente, a RV pode certamente ser uma forma nova e mais poderosa de engajar o público em conteúdo jornalístico. E também é, eu espero, uma forma de atingir uma audiência mais jovem num espaço onde eles já se sentem confortáveis. Garotos que já compartilharam a experiência de jogar em ambientes como Minecraft estarão naturalmente inclinados a absorver informação dessa forma mais imersiva”.

Um documento do NYC Media Lab, publicado no final de 2015, já diz no título como vê este tecnologia, a realidade do futuro — Exploring Future Reality. Para os pesquisadores, na realidade virtual a relação entre o público e a história é fundamentalmente alterada, isso porque, mesmo quando se conta uma história a partir de uma perspectiva de primeira pessoa, ainda existe uma dependência da perspectiva daquele narrador. A realidade virtual preenche essa lacuna.

Jaron Lanier, músico e cientista de computação, foi quem cunhou o termo Realidade Virtual nos anos 80. Thomas Sheridan foi um dos principais pesquisadores sobre o tema, usando, em 1992, o termo telepresença para descrever a “sensação de estar fisicamente presente com objetos virtuais no local remoto teleoperado”, a base da realidade virtual.

Como se grava Realidade Virtual
Para produzir conteúdo em RV, utilizam-se câmeras que podem gravar em 360 graus (vídeo estereoscópico), usando depois uma nova geração de óculos (headsets ou cardboards). Os dispositivos de realidade virtual estão estruturados em três componentes principais: um PC — um console ou um smartphone para executar o software; um equipamento de visualização que fica preso na frente dos olhos; e algum tipo de dispositivo de controle (imagem). Esses componentes atuam em conjunto com o objetivo de gerar, na frente dos olhos do usuário, um ambiente similar ao do mundo real.

Há diferentes formas para a captação e criação de conteúdo: pode-se fazer uma animação em 3D ou gravar vídeos e criar um ambiente 3D com fotos e vídeo incorporados.

Quando você coloca um dispositivo de realidade virtual sobre seu rosto, o movimento da sua cabeça e seu olhar passam a ser acompanhados pela tela montada no interior do equipamento. Você deixa de ver o mundo real e se depara com outra imagem, que te persegue não importa para onde você olhe. A realidade virtual cria uma ilusão para o usuário, colocando sua percepção do mundo em desafio e conflito constantes. E isso é a chave central para a realidade virtual — enganar os sentidos para que a mente do observador perceba determinada situação como real.

Como a RV funciona para o olho humano. Fonte: Spie Digital library

Desafios no jornalismo
Há muitos desafios a serem vencidos para a RV tornar-se usual nos meios de comunicação. Entre eles, os jornalistas devem aprender a usar os equipamentos e dominar as técnicas, mais sofisticadas do que de um equipamento usual de vídeo. Depois, o público ainda é limitado, já que é necessário possuir um par de óculos, ainda caros no Brasil. Por fim, as notícias e o jornalismo têm uma agilidade que conflitam com a produção em realidade virtual. Todas as experiências realizadas até aqui estão na linha de documentários, não de hard news, onde a cobertura exige agilidade e custos menores do que ainda se despende com esta tecnologia.

Cardbord do News York Times, distribuído para assinantes em 2015

Exemplos brasileiros
No Brasil, uma parceria entre Globosat, Sport TV e Samsung permitiu a oferta de cerca de cem horas de programação em RV dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em agosto de 2016. Todos os dias, vídeos eram disponibilizados para quem possuía os óculos Gear Samsung. A revista Veja seguiu os passos do The New York Times e distribuiu, em uma ação conjunta com o Banco Itaú, no final de setembro, 10 mil óculos para assinantes selecionados. Para aquela edição, produziu diversas reportagens. Dois dos principais jornais brasileiros já começam a programar ações usando a tecnologia. Consultada, a Folha de S. Paulo diz que está fazendo as primeiras experiências (TV Folha 360͒), mas custos de equipamentos e distribuição de óculos em grande escala são obstáculos. O Estados de S. Paulo informou que está planejando as primeiras matérias, a partir de parceria com uma empresa que detém a tecnologia, mas sem previsão de início.

Outra exemplo é o documentário do diretor Tadeu Jungle, que gravou em 360º e lançou nos cinemas Rio de Lama, filme de 9 minutos sobre a tragédia ambiental em Mariana, em Minas Gerais. A decisão de filmar em realidade virtual foi tomada para dar mais força e criar impacto sobre o drama de uma cidade inteira coberta com lama tóxica.

Guia de RV para jornalistas
O Tow Center for Digital Journalism criou um Guia de Realidade Virtual para Jornalistas com “dicas” para quem quer fazer uma reportagem usando as tecnologias do jornalismo imersivo. Entre as recomendações estão a de montar uma equipe que entenda todas as etapas do projeto antes de começar a produção, para saber o que é necessário e as limitações que o meio da realidade virtual oferece. Para o jornalista, o guia aconselha que o profissional avalie seu lugar na relação entre público e conteúdo: “Como a realidade virtual é uma experiência imersiva para o público, o jornalista deve considerar a representação de um objeto ou local, bem como o ponto de vista”. Também não se deve comprometer a narrativa por uma questão de tecnologia (boas histórias podem ser contadas de forma tradicional), além de sempre procurar ter noções básicas de custos desta tecnologia na hora de se decidir pela RV.

Referências

DE LA PEÑA, Nonny, Immersive Journalism: Immersive Virtual Reality for the First-Person Experience of News. Annenberg School for Communications and Journalism University of Southern California. Presence, Vol. 19, №4, August 2010, 291–301

ROCHA, Giovanni Guizzo da, Jornalismo imersivo: Explorações e caminhos para apropriações do acontecimento jornalístico a partir de experiências com dispositivos de realidade virtual.

Viewing the future — Virtual Reality in journalism https://medium.com/viewing-the-future-virtual-reality-in-journalism

Adrian Alexandri é jornalista e pesquisador no Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado — ESPM

--

--

Inovação em Jornalismo
Futuro do Jornalismo

Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP