Direitos objetuais

Talissa Rodrigues
Futuros de Curitiba
2 min readSep 22, 2016

Deitado no divã, Aurélio havia de recordar aquela tarde em que perdeu o significado de si. Apesar da credibilidade que muitos lhe depositavam, passava por uma crise existencial, onde tudo desmoronava, resultado de uma reunião casual, onde era visto, pela maioria, como um convidado dispensável.

Em meio a uma algazarra, muitos lhe dirigiram queixas, acusando-o de retrógrado e que deveria ser queimado.

- Ordem! Todos temos um papel a cumprir. Uma determinada finalidade. Não queiram fugir de suas responsabilidades. Comportem-se. — Disse Aurélio, sisudo.

- Comportar-se como, se o tempo passa, a sociedade exige de nós, que sejamos menores, cada vez mais baratos, capacitados e intuitivos? Não ganhamos um extra e temos que nos reinventar o tempo todo, não somos reconhecidos por tudo que podemos ser, proporcionar e fazer. — Disse Jeans, o Estojo.

- Não é justo que, ainda na “flor da idade”, alguns de nós sejam tachados de obsoletos, quando em muitos lares, ainda estamos em plena atividade. Ninguém deveria ter o direito de dizer que somos “de época”…nossa época é agora! — Disse a Cuia, enquanto era encorajada pela Cuia elétrica.

- Curitiba, anos 70… a bota já pisou na lua, mas ainda não conseguimos encontrar meios de viver felizes, na realidade. Você, Aurélio, só estraga tudo! Deveria se esforçar para garantir nossos direitos. Estamos cansados de seremos usados para fins alheios, de sermos esteriotipados, explorados. Queremos que reconheçam nossa autonomia, sem que se intrometam em definir o que devemos fazer de nossas vidas. — Disse o Monóculo.

- Viva os direitos objetuais! — Bravejou o Pinta foto.

- Não sejam obtusos! Vocês não foram feitos para discutir. Foram feitos para guardar lápis, recordações, produzir retratos e chimarrão. Nunca houve registros de uma atitude assim. Não caiam no relativismo. Seus ancestrais, as caixas, os daguerreótipos, as pinturas, estariam todos desgostosos.

- Você fala isso, porque vive nas alturas, em ambientes tranquilos. Se tivesse que registrar crimes e ser pivô, como prova de separações conjugais, entenderia o meu ponto — disse a câmera.

- Não quero mais esse racismo, seja de madeira ou jeans, todos os estojos possuem o mesmo valor e merecem respeito. Você acha que eu me orgulho com essa desigualdade social que causamos? — Disse o estojo, choroso.

Aurélio tentou abafar a revolução. Aurélio fracassou e atualizou a definição de todos os objetos do mundo. Só não atualizou a si mesmo, pois deitou-se no divã, para recordar que perdeu seu significado.

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