Governo e hidrelétricas: cúmplices nos crimes?

Irregularidades e violações cometidas pela Usina São Manoel, no rio Teles Pires, acontecem com conivência do Governo Federal

Fórum Teles Pires
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5 min readDec 6, 2017

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Povo Munduruku as margens do canteiro de obras da Usina Sao Manoel (foto: Juliana Pesqueira)

Atropelo nos processos de licenciamento ambiental, desrespeito aos direitos humanos, danos irreversíveis ao patrimônio espiritual de comunidades indígenas e prejuízo à biodiversidade marcam a maneira como a Empresa de Energia São Manoel (EESM) atua.

As denúncias feitas pelos indígenas que vivem na região do baixo Teles Pires, movimentos sociais, organizações socioambientais e pelo Ministério Público Federal (MPF) têm sido ignoradas sistematicamente pelo Governo Federal.

O ano de 2017 foi marcado por fatos que evidenciam não apenas a omissão do governo com relação as denúncias, mas também a cumplicidade nas irregularidades. Em setembro, o IBAMA concedeu a Licença de Operação para EESM mesmo tendo pareceres técnicos do próprio órgão ambiental e da FUNAI desfavoráveis à emissão do documento.

“o presente parecer não apresentará sugestões de condicionantes para licença de operação enquanto houver pendências de informações que inviabilizam uma análise integrada das informações ambientais” (Parecer do IBAMA nº 93/ 2017).

“Assim, considerando todo o exposto e da avaliação feita pelos povos indígenas não é possível atestar conformidade do processo” (Informação Técnica da FUNAI nº 86/ 2017)

A emissão da Licença de Operação para a Usina São Manoel comprova que as decisões são tomadas de forma política e passam por cima da lei e das populações atingidas pela barragem.

Em outubro, o Ministério Público Federal de Mato Grosso (MPF/MT) expediu uma recomendação ao IBAMA para anular a Licença de Operação (LO) da usina São Manoel. A recomendação não foi acatada pelo órgão ambiental.

Leia na íntegra o documento emitido pelo procurador da República Malê de Aragão Frazão, do MPF Sinop, no Mato Grosso: clique aqui.

Histórico

As obras da UHE São Manoel iniciaram em agosto de 2014 pelo consórcio CONSTRAN-UTC, após a Licença de Instalação (LI) da usina ter sido concedida pelo IBAMA. Em novembro de 2014, o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, foi preso pela Polícia Federal, durante a sétima fase da Operação Lava Jato. Depois do ocorrido, a Empresa de Energia São Manoel (EESM) passou a fazer parte do consórcio formado pela empresa chinesa ‘Three Gorges’, pela portuguesa ‘EDP’ e pela estatal Furnas, do Grupo Eletrobrás, atuais responsáveis pelas obras do empreendimento.

Racismo institucional

O direito à consulta e consentimento prévio, livre e informado das comunidades que vivem no baixo Teles Pires nunca foi contemplado no processo de planejamento e licenciamento da usina São Manoel.

A forma como a EESM busca ‘negociar’ com as comunidades indígenas as compensações dos impactos causados pela barragem evidencia o racismo institucional da empresa e do Governo Federal, que nada faz para garantir os direitos das populações atingidas pela barragem.

Desde novembro, lideranças indígenas do baixo Teles Pires buscam uma audiência com o Governo, que não atende as solicitações. Os indígenas pedem o cancelamento da LO da São Manoel e que a EESM seja responsabilizada pelos impactos causados na região.

Resistência

No dia 16 de julho, cerca de 200 indígenas ocuparam pacificamente o canteiro de obras da usina São Manoel. No dia 19 de julho, foi realizada uma reunião no canteiro entre as lideranças indígenas, a FUNAI, o MPF e representantes das usinas São Manoel e Teles Pires. Uma série de acordos foram firmados nesta reunião fazendo com que a ocupação fosse encerrada. Estes acordos não foram cumpridos!

Cacique geral do povo Munduruku em reunião realizada no dia 19 de julho com FUNAI, MPF e representantes das usinas São Manoel e Teles pires (foto : Juliana Pesqueira)

O convite para diálogo feito às empresas responsáveis pelas usinas de São Manoel e Teles Pires, foi recusado. Representantes destes empreendimentos não compareceram na audiência com o povo Munduruku na aldeia Missão Cururu entre os dias 28 e 30 de setembro.

Logo após a emissão da LO pelo IBAMA, no dia 11 de setembro, a Associação Indígena Munduruku DACE, do baixo Teles Pires, publicou uma carta denunciando ilegalidades da usina São Manoel e questionando a atuação da Empresa de energia São Manoel (EESM).

No dia 6 de outubro, lideranças indígenas da aldeia Teles Pires enviaram uma carta/denúncia para o Ministério de Minas e Energia, Funai, IBAMA, IPHAN e MPF exigindo o cancelamento da LO da usina de São Manoel.

Entre os dias 14 e 16 de outubro o povo Munduruku foi visitar as urnas sagradas e foram recebidos pela Força Nacional. Mais uma vez não foram ouvidos pelos poderes que deveriam assegurar seus direitos.

Povo Munduruku em visita às urnas sagradas na cidade de Alta Floresta — MT, é recebido pela Força Nacional (fotos : Pedro Porcé)
Povo Munduruku em visita às urnas sagradas na cidade de Alta Floresta — MT, é recebido pela Força Nacional (fotos : Pedro Porcé)

Complexo

Ao longo do rio Teles Pires, afluente do rio Tapajós, quatro grandes usinas estão em fases avançadas de implantação. As UHEs Sinop e Colíder, com licenciamento prévio e de instalação concedidos pela SEMA-MT, juntas com a UHE Teles Pires (já em funcionamento) e a UHE São Manoel geram inúmeros impactos nas populações e comunidades que vivem ao longo do rio.

Os fatores que contribuem com o grande número de violações são inúmeros: custos mal dimensionados, falta de monitoramento dos Planos Básicos Ambientais (PBAs), ausência de mecanismos de participação social e incompetência das empresas terceirizadas responsáveis pelos projetos de mitigação.

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