10 fatos que colocaram a discussão de gênero na agenda pública em 2016

Natália Mazotte
Gênero e Número
Published in
6 min readDec 20, 2016

Temas como representação feminina na política, cobertura das Olimpíadas e violência sexista reacenderam o debate sobre direitos e equidade de gênero.

Não dá pra negar que 2016 foi um ano difícil. A Lava-jato e o impeachment escancararam a crise política no país, enquanto as palavras-chave no campo econômico foram retração e recessão. Contudo, o protagonismo feminino manteve a rota de avanço vista em 2015. Temas como representação das mulheres na política, violência sexista, participação das atletas nas Olimpíadas e sexismo na cobertura do megaevento ajudaram a catapultar o debate sobre direitos e equidade de gênero ao centro da agenda pública. Em agosto, a Gênero e Número entrou em cena para incidir nessas pautas com dados e evidências, e agora faz a sua retrospectiva dos fatos que marcaram o campo de gênero este ano.

1. Impeachment sexista

A primeira mulher a assumir a presidência no Brasil passou por um longo processo de impeachment, com início em outubro do ano passado e desfecho em agosto desse ano, recheado de episódios misóginos. O mote pró-impeachment “tchau, querida”, o adesivo de carro com a imagem de Dilma de pernas abertas e as críticas à imagem da presidente são alguns exemplos.

A violência sexista contra a presidente ganhou destaque na mídia nacional e internacional, e também chamou atenção da ONU Mulheres. “Por questões políticas, [Dilma] têm sido vítima de xingamentos sexistas, de depreciação da figura da mulher e outras violências que a atacam enquanto mulher. Mensagens com esses tipos xingamentos, algumas bastante agressivas, ofensivas e com palavras de baixo calão, são vistas em cartazes e ouvidas durante protestos contra a petista”, afirmou Nadine Gasman, representante da entidade.

Veja também: Processo de impeachment escancara nas redes e no Congresso violência política contra a mulher

2. Cobertura das Olimpíadas

As Olimpíadas do Rio bateram o recorde de participação de mulheres: elas foram 45% dos atletas. Em nenhuma outra edição olímpica estivemos tão próximas da equidade de gênero e o protagonismo feminino teve tanto destaque, com resultados memoráveis como os da ginasta Simone Biles e da nadadora Katie Ledecky. Apesar de brilharem nas quadras esportivas, as competidoras não escaparam da cobertura midiática sexista, que em muitos casos preferiu ressaltar a beleza, a juventude, os trajes e até mesmo o marido das atletas (Ledecky que o diga). O ponto positivo é que a cobertura machista não passou despercebida, recebeu críticas e foi amplamente debatida, inclusive pela própria mídia.

Veja também: Mania de musa: As atletas segundo a mídia esportiva

3. Bela, recatada e do lar

Em abril, a revista Veja causou polêmica ao publicar um perfil de Marcela Temer, a atual primeira-dama, elogiando seu estilo discreto e os “vestidos na altura dos joelhos”. O título da matéria trazia, segundo a publicação, as principais características de Marcela: ser “bela, recatada e do lar”. Ou, em outras palavras, ser o modelo ideal de mulher em uma sociedade patriarcal: dentro dos padrões estéticos, à sombra do marido e restrita ao âmbito doméstico. A reação foi um tsunami de postagens nas redes sociais ironizando a expressão, com fotos de mulheres em contraponto à visão tradicionalista do papel feminino promovida pela Veja. Um dos melhores memes do ano!

4. Jornalistas contra o assédio

Durante uma entrevista com uma repórter do portal iG, o MC Biel chamou a profissional de “gostosinha” e disse que a “quebraria no meio” se eles mantivessem relações sexuais. Ela denunciou o cantor por assédio sexual e foi demitida alguns dias depois. A demissão repercutiu nas redes sociais e acabou dando origem à campanha “Jornalistas contra o Assédio”, criada para expor as situações de machismo vividas no cotidiano de repórteres mulheres, editoras e assessoras no exercício da profissão. Várias jornalistas relataram episódios em que foram vítimas de assédio sexual ou moral, dentro e fora das redações.

5. Estupro coletivo

O vídeo chocante que circulou pela Internet mostrando as cenas de abuso sexual de 33 homens contra uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro gerou uma onda de indignação e acendeu a discussão sobre a cultura do estupro no país. Milhares de pessoas se juntaram à campanha “Eu luto pelo fim da cultura do estupro”. O caso repercutiu em veículos de imprensa do mundo todo. O jornal The Times of India escreveu que “O Brasil encara sua própria crise de Nirbhaya”, em referência ao episódio de 2012 em que uma estudante indiana morreu após ter sido estuprada por quinze homens em um ônibus em Nova Déli.

6. Mulheres na política

A representatividade feminina foi amplamente discutida nesse pleito municipal, que começou com o prenúncio de uma “primavera das mulheres”, mas na prática não representou um grande avanço no número de candidatas e eleitas em relação às eleições de 2012. Quase 70% dos municípios no país não tiveram mulheres concorrendo à Prefeitura. Com os dados da Gênero e Número, o Jornal Nacional expôs a maquiagem dos partidos para cumprir a lei que impõe uma cota de 30% para candidaturas femininas nas disputas pro Legislativo. Sem maquiagem, a assimetria na participação das mulheres na política é ainda maior e só confirma que manter essa pauta quente na agenda é fundamental pro avanço democrático.

Veja também: Partidos recorrem a candidatas “fantasmas” para preencher cota de 30% para mulheres

7. Eleição americana

Nenhum debate se sobressaiu mais na corrida presidencial americana que o de gênero. Além de ter a primeira candidata mulher de um dos dois grandes partidos políticos concorrendo à presidência (e liderando as pesquisas), a temporada eleitoral também foi marcada pela masculinidade inflada de Donald Trump e seus comentários grosseiros e infelizes em relação a sua adversária e mulheres de um modo geral. E culminou no vazamento de uma gravação em que o candidato republicano diz ser possível “fazer qualquer coisa” com mulheres, inclusive “agarrá-las pela xoxota”. Apesar das declarações misóginas, das acusações de assédio sexual, e de sua polêmica posição sobre o aborto, Donald Trump conquistou a Casa Branca. Haja estômago!

8. Descriminalização do aborto

Tema recorrente na luta por direitos femininos, o aborto voltou a despertar acaloradas conversas depois do Supremo Tribunal Federal (STF) bater o martelo e considerar que sua prática até o terceiro mês não é crime. Foi a primeira vez que a corte se manifestou sobre a criminalização do aborto. A decisão serve a um caso específico do Rio de Janeiro, mas pode influenciar juízes de todo país. A Câmara reagiu de forma imediata e anunciou a criação de uma comissão para discutir o assunto. Sem dúvida, a disputa em torno dos direitos reprodutivos da mulher vai continuar com toda força em 2017.

Veja também: Pra que servem as leis de aborto?

9. #Niunamenos

O estupro e assassinato brutais da argentina Lucía Pérez, de 16 anos, colocou o tema do feminicídio em pauta, e não apenas na terra do tango. Da reação ao crime nasceu o movimento #NiUnaMenos, que levou milhares de mulheres em roupas pretas às ruas de Buenos Aires, indignadas com a violência machista no país. A mobilização recebeu apoio em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, onde um grupo de manifestantes se reuniu no centro de São Paulo.

10. Mundo Pop

As assimetrias de gênero acabam escancaradas quando ícones da cultura pop soltam o verbo ou se envolvem em polêmicas que evidenciam o sexismo de que foram alvos. A diva Madonna foi homenageada no prêmio Women In Music (Mulheres Na Música), da Billboard, e aproveitou os holofotes com um discurso potente em que falou de casos de misoginia e abusos durante sua carreira.

Outro caso que incendiou as redes e Holywood foi a declaração do diretor de cinema italiano Bernardo Bertolucci sobre a cena de estupro estrelada por Marlon Brando e a francesa Maria Schneider no filme “O Último Tango em Paris”. Ele gerou indignação generalizada ao assumir que a atriz não sabia de Brando passaria manteiga em suas partes íntimas. “Eu não queria que Maria fingisse a sua humilhação, a sua raiva. Eu queria que Maria sentisse”, declarou o diretor.

Já nas telas nacionais, o Masterchef Brasil levou a discussão de gênero para o universo da gastronomia na primeira versão do programa dedicado a chefs profissionais. A participante Dayse Paparoto foi alvo de comentários sexistas dos outros chefs ao longo da competição — um deles chegou a dizer para ela varrer o chão. Ela conquistou as redes, chegou à final com mais de 80% da torcida e fez um menu degustação que desbancou o outro finalista. O britânico The Guardian ressaltou a postura da vencedora, aclamada como uma heroína depois de desprezar o comportamento grosseiro de seus pares homens.

Definitivamente não faltou assunto e protagonismo feminino. Vem que tem, 2017!

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Natália Mazotte
Gênero e Número

Brazilian Data Journalist and Entrepreneur. JSK Stanford Fellow. Formerly Open Knowledge Brasil CEO. Coda.Br, Gênero e Número & Escola de Dados co-founder.