O be-a-bá da relação entre direitos das mulheres e acesso à informação

Giulliana Bianconi
Gênero e Número
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4 min readDec 16, 2016

Acessar informação é sempre um passo importante para se exigir direitos, estejam eles conquistados, em disputa ou sob ameaça de retrocessos. Aqueles já conquistados pela sociedade precisam ser de amplo conhecimento, e mesmo para isso ainda faltam produção de informação adequada e uma comunicação efetiva por parte dos governos, como aponta a Artigo 19 na publicação Acesso à Informação e Direito das Mulheres. Nessa cartilha recém-lançada, a ONG traz exemplos reais de como a falta de informação e o não-exercício de direitos das mulheres no país são questões que caminham juntas e têm como pano de fundo uma dose de omissão do estado brasileiro.

Ao tratar do direito ao aborto, tema central hoje no debate dos direitos reprodutivos das mulheres, o documento mostra que embora no Brasil o procedimento seja legal em três situações — quando a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco de morte para a mãe ou se o feto é anencéfalo — não existe uma lista pública e de fácil acesso que mostre onde estão os hospitais e outros locais mantidos pelo Estado que realizam o procedimento. Essa ausência de informação esconde ausências graves, como o fato de Roraima, o estado com maior número de estupros por cada 100 mil habitantes, não dispor de estabelecimento que realize o procedimento, segundo a cartilha.

Ilustração que compõe a capa da cartilha Acesso à Informação e Direito das Mulheres

“O acesso à informação é um direito, e funciona inclusive para nos garantir outros direitos”, explica a assistente de projetos da Artigo 19 Bárbara Paes, autora do texto.

Em conversa com a Gênero e Número a pesquisadora contou que ao longo de oficinas realizadas pela organização com público externo, com foco em acesso à informação, foi ficando claro que havia uma relação entre as mulheres não conhecerem seus direitos a fundo e não conseguirem acessar informação como deveriam para avançar até mesmo no entendimento e solicitação desses direitos. “Esse acesso à informação deve ser garantido de duas formas: tanto com transparência ativa do governo, que deve cumprir com a obrigação de produzir e disponibilizar dados e informações que vão chegar até as mulheres, quanto com a resposta efetiva à solicitação de informação pelas mulheres, quando usam por exemplo a Lei de Acesso à Informação”, diz.

A Lei de Acesso, aliás, é explicada na cartilha, e a forma de utilizá-la é detalhada. Com isso, a Artigo 19 busca ampliar o conhecimento sobre o uso da lei, que ainda é utilizada principalmente pelos homens, como mostram dados trazidos na publicação.

A partir da análise de dados no site da Controladoria-Geral da União, Paes observou que entre maio de 2012 e maio de 2016, as mulheres foram apenas 39,19% de todos os solicitantes de pedidos de informação junto ao Poder Executivo Federal. Além disso, um estudo da Fundação Getúlio Vargas referenciado na cartilha também mostra que pedidos de acesso feitos por mulheres têm taxa de resposta menor do que os de homens: são 57% de respostas para as mulheres e 72% para os homens.

De acordo com a pesquisadora, a publicação Acesso à Informação e Direito das Mulheres será utilizada ao longo de 2017 em atividades de formação da própria ONG, mas é também um material inicial para o debate sobre a promoção, por parte do poder público, do direito à informação para as mulheres.

De fato, no Brasil, embora o debate sobre acesso à informação tenha ganhado corpo na última década, principalmente no pós-aprovação da Lei de Acesso à Informação (Lei nº12.527/11), ainda não se faz um recorte de gênero. Mas a abordagem não é novidade da Artigo 19, e já vem sendo tratada por organismos internacionais com seriedade, como também mostra a cartilha. Ao falar desses organismos, o documento cita as Organizações das Nações Unidas e o trabalho da Relatoria Especial sobre Proteção e Promoção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão, apontando que há cerca de vinte anos “os Relatores Especiais têm destacado a conexão entre o combate à discriminação de gênero e a capacidade das mulheres de exercerem seus direitos de liberdade de expressão, informação, participação, associação e reunião”. Explica ainda que a ONU também tem feito recomendações. Desde 2010, uma delas é para que os governos priorizem a educação e o acesso à informação das mulheres em suas políticas públicas.

Não se trata de beneficiar mulheres e não homens. São recomendações para enfrentar as constatadas assimetrias de gênero e reais problemas de acesso à informação pelas mulheres.

“Todas as pessoas deveriam ter o mesmo direito de exercer o acesso à informação, mas a desigualdade de genero gera distorção na efetivação desse direito”, aponta a cartilha, disponível para download gratuito.

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Giulliana Bianconi
Gênero e Número

Director on Gênero e Número. >> Journalist << Colunista de gênero na Época online >>. <<Datajournalism>> www.generonumero.media