Product-led Growth: O novo playbook de crescimento que a maioria dos SaaS brasileiros não está vendo

Gabriel Costa
Gabriel Costa
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14 min readApr 16, 2019

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As empresas SaaS de crescimento mais acelerado do mundo (Slack, Zoom, Zendesk, Hubspot, etc) usam um mesmo playbook de crescimento há alguns anos. No Brasil essa forma de crescer ainda é pouco conhecida e utilizada.

Em 2018 eu liderei um projeto na Resultados Digitais e ajudei a trazer e implementar esse conceito através da criação de um novo produto. Este post é a transcrição da minha palestra no RD Summit 2018, onde apresentei os principais aprendizados que tive com o meu time e com a RD nesse processo ao longo de 2018.

Entrei na RD em 2013 e a frase que eu mais ouvi durante anos no marketing foi ""o processo de compras mudou". Não foi àtoa. Na prática todo conceito do Inbound Marketing, a Resultados Digitais e o RD Station foram criados em cima dessa mudança do mercado.

Slide das antigas que mostra esse discurso de mudança do processo de compra.

Com a internet o consumidor passa a ter mais informações e consequentemente mais controle do processo de compras, fazendo com que o vendedor passe a entrar apenas no fim do processo. E com isso, felizmente o marketing passa a fazer o papel de educação do mercado/gerador de demanda e deixa de ser visto como um centro de custos "fazedor de camisetas e cartão de visitas" .

O marketing passa a fazer o papel de educação do mercado/gerador de demanda e deixa de ser visto como um centro de custos “fazedor de outdoor, camisetas e cartões de visitas”.

Com esse novo paradigma, passamos a ter uma evolução do modelo de crescimento das empresas. Enquanto antes tínhamos o modelo Sales-led growth ("vendas guia o crescimento"), agora passamos a ter também o modelo de Marketing-led growth (marketing guia o crescimento). Abaixo as principais características de cada modelo.

Todo o discurso desse novo papel do marketing foi muito forte nos últimos anos no Brasil. Mas o que acontece é que o processo de compras está mudando novamente.

O processo de compras está mudando de novo

Ainda no fim de 2017, começamos a fazer um estudo mais profundo das empresas SaaS de crescimento mais acelerado no mundo. Observamos que elas tem um jeito muito parecido de crescer e esse novo jeito tinha a ver com mais mudanças que estavam acontecendo no mercado.

Esse gráfico mostra o tempo que algumas empresas levaram para sair de 1 para 100 milhões de dólares de receita anual. Podemos ver Slack e Intercom muito frente, sendo que ambas seguem este novo modelo de crescimento.

O que acontece é que o processo de compra e vendas está mudando de novo. Na prática, o B2B está comprando como B2C: buscando cada vez mais uma experiência de compra melhor, experimentando o produto antes de decidir pela compra, não se comprometendo com um produto por tanto tempo, evitando mega implementações, etc.

O mais importante nisso tudo é que o papel do vendedor muda de novo.

A imagem abaixo mostra um estudo publicado na Forrester em 2015. Apesar de um título um pouco sensacionalista e exagerado, ele traz uma mensagem muito importante: cada vez mais as pessoas querem experiências de compra mais independentes.

O principal dado da pesquisa é que três vezes mais compradores B2B preferem se educar sozinho sobre o produto a conversar com algum vendedor.

O novo playbook de crescimento: Product-led Growth (PLG)

Esse novo playbook considera e respeita essa evolução do processo de compras. Ele consiste na construção de um produto com experiência incrível, onde não se faz necessária a presença de um vendedor para explicar e vender o produto e nem de uma camada de serviços para auxiliar o usuário no uso do produto.

Todas as empresas de crescimento acelerado tem uma dinâmica muito similar, com o produto sendo responsável agora pelo crescimento da empresa. O time de vendas entra apenas em duas condições: 1) após o real uso e engajamento no produto 2) caso o usuário faça parte de uma empresa com um perfil desejado pelo time de vendas.

Você deve conhecer algumas dessas empresas. Todas elas seguem o mesmo princípio para crescimento: produtos incríveis que atraem e retém usuários.

As principais vantagens desse modelo

1. Melhor proxy de maturidade dos Leads: nesse modelo se usa o engajamento do usuário no produto e os resultados que ele já alcançou como indicador de qualificação do Lead. Nada melhor para indicar a intenção de compra que quanto realmente ele está usando o produto.

"O melhor indicador que alguém está muito interessado em comprar um software é se ele está usando ele"

2. Mais eficiente: o produto faz grande parte do trabalho até então feita por uma camada de serviço (que custa caro!!). Desde onboarding, processo de vendas, suporte, etc. Então consigo reduzir muito meus custos por ter um processo automatizado e ser muito mais eficiente.

Uma métrica muito usada para medir a eficiência da empresa é a de "receita por funcionário". Repare abaixo que o Mailchimp, excelência em PLG, possui uma receita por funcionário 4x maior que a Hubspot.

3. Melhor alinhamento dos times: a empresa começa a deixar de trabalhar em silos e passa a estar alinhada em torno da mesma métrica: receita. Isso é útil especialmente em empresas que o time de produto e engenharia são distantes.

Bom, se o produto faz tudo sozinho, não é mais necessário time de marketing e vendas, certo? Errado!

O impacto no marketing e vendas — um novo Lead qualificado

Bom, se o produto faz tudo sozinho, não é mais necessário time de marketing e vendas, certo? Errado! Aqui está a grande oportunidade que estas empresas enxergaram e adaptaram seus modelos.

Todos os times continuam tendo um papel fundamental, mas se relacionam de forma diferente agora.

Com esse novo paradigma, criamos um novo conceito, o PQL: lead qualificado pelo produto. Como mostrado abaixo, enquanto o MQL era construído a partir da relação do usuário com os ativos de marketing (quais conteúdos ele consumiu e com que ele engajou), o PQL é construído a partir do engajamento com seu produto e os resultados alcançados.

Porém, o PQL pode se tornar ainda mais interessante. Posso combinar os aspectos demográficos do usuário e os ativos de marketing que ele consumiu com o engajamento que ele teve no meu produto. Isso deixa o Lead ainda mais completo e qualificado.

Ex: Imagine um Lead com as seguintes características:

  • Demográfico: é tomador de decisão em uma empresa de software
  • Marketing: consumiu vários ebooks meus sobre o tema, engajou com algumas campanhas de email e visitou minha página de preço 2 vezes
  • Produto: entrou no meu produto, ativou, criou 2 Landing Pages e gerou 140 Leads em uma semana

Esse novo componente enriquece muito a informação que tenho do Lead e torna minha abordagem muito mais precisa. Dois motivos para considerar trabalhar com PQLs:

O primeiro é que ele combina o melhor de dois mundos. O alto volume e escalabilidade de um modelo Fremium com maiores taxas de conversão de um modelo de vendas mais tradicional.

O segundo é que a taxa de conversão de PQL para vendas é muito maior do que MQL para vendas.

Como definir um PQL e tipos de PQL

Essa parte eu vou deixar os slides explicarem.

Todo mundo precisa se adaptar

No fim, toda a dinâmica da organização muda. De forma resumida:

Marketing: trabalha todos os seus canais para educar o mercado e levar os Leads para um teste gratuito ou para a versão grátis do produto. Além disso, continua construindo conteúdo ao longo de todo o ciclo de vida do cliente para educá-lo e retê-lo.

Vendas: identifica os PQLs e entra em contato para vender de forma bem mais precisa e contextual.

Customer Sucess: trabalha com vendas e posteriormente com produto para engajamento no produto e fidelização.

Produto: trabalha com todos os times. Com marketing e vendas para criar uma experiência incrível de onboarding e gerar mais PQLs. Depois com vendas e customer success para ajudar com a venda. E depois com customer success para criar uma experiência incrível no produto.

Abaixo um diagrama incrível da Aptrinsic para explicar todo o modelo de aquisição com esse novo paradigma do Product-led Growth.

Fonte: Aptrinsic.

O impacto em grandes vendas

Algo interessante de perceber é que esse modelo pode acabar também impactando na forma como as vendas enterprise são feitas, onde o modelo tradicional é totalmente outbound.

Como explicado no post The Innovator’s Solution for SaaS Startups — The flywheel SaaS Company do Tomasz Tunguz, algumas empresas como Asana e Atlassian estão mudando a forma de fazer isso, fazendo com que os times de venda enterprise sejam exclusivamente inbound.

Esses times ficam focados em cross-sell e up-sell, e ficam tentando identificar através de dados demográficos e de uso do produto, os usuários e clientes de grandes empresas com maior potencial de upgrade.

Asana e Atlassian inverteram o processo de vendas enteprise. Agora o que eles mais fazem é ter um time de vendas especializado em encontrar clientes menores com potencial de virar contas maiores.

3 formas de implementar esse novo paradigma na sua empresa

Ok, todo mundo convencido de que esse novo playbook é o futuro. Mas como implementar isso de fato? Abaixo 3 opções, da mais simples a mais complexa.

1. Crie ou melhore o 'Teste Gratuito' do seu software

A primeira forma e mais simples é oferecer um teste gratuito do seu software. Se você já oferece isso, então vale a pena investir um pouco para melhorá-lo.

O mais importante nesse momento é oferecer uma primeira boa experiência para o usuário: sem atritos, que ele consiga colocar as mãos no produto o mais rápido possível e perceber o valor da ferramenta sem que ninguém tenha que explicar.

Para isso definitivamente você vai precisar investir em um bom processo de onboarding. Os meus amigos da Conpass possuem um portal muito bom sobre o tema useronboarding.com.br e o Josias (UX Designer da RD que trabalhou comigo) também escreveu um post muito bom: Princípios e boas práticas de User Onboarding.

Junto com isso, você precisa instrumentar todo o software para medir o que cada usuário está fazendo e combinar com o time de vendas quais as ações especificamente devem ser consideradas gatilhos para tornar o Lead um PQL.

Resumindo:

  1. Disponibilize uma versão gratuita do seu software
  2. Crie uma experiência no teste através de um bom onboarding
  3. Instrumente e meça as ações e resultados dos usuários
  4. Defina gatilhos de engajamento para direcionar os Leads para o time de vendas.

2. Crie (ou compre) uma ferramenta gratuita complementar ao produto principal

Uma outra boa maneira de fazer isso é ter um produto complementar ao seu principal, de preferência gratuito. Dessa forma você consegue atrair usuários com objetivos iniciais diferentes do seu produto, mas com alto potencial de cross-sell. Afinal, usuários maduros em um dos produtos podem estar prontos para a compra do outro.

Empresas como RD e Zendesk fizeram isso a partir da compra de uma empresa, enquanto a Hubspot começou desenvolvendo internamente a sua ferramenta (Sidekick), que veio a se tornar um produto mais robusto depois.

3. Freemium 2.0

Por último a opção que considero a de maior potencial de resultado no médio-longo prazo e que recomendo para quem esteja começando a criar sua empresa e produto agora. Porém, esta solução acaba sendo um pouco mais complexa para quem já possui um produto no ar.

O que é o Freemium 1.0

Antes de tudo preciso explicar o que seria o Freemium 1.0 e porque ele é tão problemático.

O que chamo de 1.0 é o que a maioria das pessoas tem como conceito de Freemium: A parte free, que é um produto com versão gratuita e limitada de entrada e a parte premium, que é uma versão melhor e paga — algo como 8–10 dólares por mês. Estilo Dropbox, Spotify, Evernote, etc.

Esse modelo virou febre entre as startups há alguns (vários) anos com a chegada dessas empresas que citei acima.

Porém ele é quase fadado ao fracasso por causa de um ciclo vicioso destruidor. E o problema dele é porque o produto pago não é premium de verdade, é apenas uma versão baratinha/low-cost. E é fato de ter um ticket médio tão baixo que destrói o modelo.

Abaixo mostro melhor o ciclo, mas explicando melhor:

  1. o fato de ser muito barato faz com que a empresa precise ter centenas de milhares ou até milhões de clientes para ser muito lucrativa
  2. com esse volume, precisa investir muito em produto para se tornar self-service e escalável para não precisar ter um time de vendas e atendimento.
  3. o fato de não ter pessoas no processo diminui a taxa de conversão de grátis para pago e também diminui a retenção de clientes pagantes, o que significa ser necessário um enorme volume de usuários gratuitos
  4. ter muitos usuários gratuitos significa que tenho um grande desafio de aquisição. Preciso investir muito dinheiro para encher o topo do meu funil. Além disso, passo a ter também grandes custos de manutenção desses usuários gratuitos. Afinal, apesar de eu não cobrar nada deles, tenho custos de infra-estrutura, pessoas, software, servidor, etc.

Para realmente conseguir sobreviver nesse modelo é necessário um produto incrível, viralização e um volume de clientes pagantes absurdo. Dos exemplos que citei acima:

  • Evernote esteve em destaque durante alguns anos porém está em crise
  • Dropbox readaptou seu modelo para o Freemium 2.0 ao inserir vendas enterprise
  • Spotify foi o único que conseguiu sobreviver ao modelo e se tornou lucrativo depois de 10 anos de empresa. Mas para isso, precisou alcançar a marca de 207 milhões de usuários ativos mensais e 96 milhões de assinantes.
Fonte: Spotify

Agora sim: Freemium 2.0

Ok, entendemos que o problema do 1.0 é que o produto pago tem um ticket médio muito baixo, que acaba dificultando a fechar a conta.

Para resolver esse problema, as empresas perceberam que poderiam adicionar uma camada a mais no seu modelo de precificação. Ou seja, além da versão gratuita e da "baratinha", também oferecer uma versão Premium com preço Premium de verdade, bem mais alto que aqueles 10 dólares que comentei acima.

Na prática, ao fazer isso, estou tratando as minhas versões de entrada grátis e baratinha) como ferramentas de marketing, e não mais fonte de receita. Isso funciona bem melhor porque ao oferecer algo gratuito e/ou muito barato, me aproveito do volume de usuários para extrair os meus PQLs e consequentemente clientes.

Aqui a coisa fica mais técnica porém muito interessante.

Como o produto Premium tem um ticket maior e consequentemente um Lifetime value maior, a conta fecha bem mais facilmente.

CAC (free + low-cost) + CoGS (free + low-cost) = CAC Premium

Explicando melhor: todo o meu custo de aquisição de novos usuários free/baratos e o custo para manter todos esses usuários na plataforma passam a ser considerados como custo de aquisição dos meus clientes Premium.

Inclusive essa é a exata estratégia de várias empresas atualmente. Abaixo trago o exemplo do Zoom, um fenômeno que conseguiu entrar em um mercado cheio de concorrentes e ainda sim está "passando o trator".

Ele começa com um plano gratuito com algumas limitações, depois oferece um plano mensal por pessoa (baratinho) e por fim evolui para dois planos Premium: o Business que custa no mínimo $199/mês e o Enterprise que custa no mínimo $1999/mês. Além disso o Zoom ainda tem outros produtos como Zoom Rooms que acabam deixando a conta do Business e Enterprise ainda maiores.

Abaixo é possível ver uma declaração do CEO do Zoom, que comenta a importância da estratégia de Freemium no crescimento deles. Eles investiram muito na experiência do produto e permitiram que os usuários experimentassem a ferramenta. Essa combinação foi explosiva.

O risco de quem já tem um produto no ar

Essa solução é bem complexa para quem já tem um produto Premium no ar sem uma versão free e barata.

O principal risco nesse caso é o de canibalização da base de clientes. Ao lançar um produto mais simples e mais barato, você pode se beneficiar de todas as vantagens citadas acima, mas ao mesmo tempo concorrer com seu próprio produto principal. Muitos dos seus clientes Premium podem perceber que já estariam satisfeitos com a versão barata do seu produto, e isso significaria churn ou downgrade.

Esse movimento tem que ser bem calculado e esses limites por plano devem ser muito bem delimitados e testados.

Para finalizar: uma boa e uma má notícia

Vamos começar pelo má notícia: sua empresa provavelmente está atrasada.

As imagens abaixo mostram de quais países vem o tráfego dos sites dessas várias empresas, que são referências em PLG. Repare que o Brasil é o país que gera mais visita para o site de todas essas empresas logo depois dos EUA. Chega a ser assutador.

Por que isso é uma má notícia? Por um lado é até interessante, mostra que estamos mais maduros digitalmente e estamos buscando ferramentas de fora. Por outro, mostra que estamos ficando mais exigentes e que a usabilidade e oferta dessas ferramentas gringas são tão boas, que a competição agora é global.

Digo que é uma má notícia porque quem já tem ou quer criar uma empresa agora, tem que entender que a competição agora é muito maior.

Inclusive, vendo esses dados e essa situação chego na seguinte previsão/conclusão:

  1. temos um cenário potencialmente positivo para vários M&As aqui no Brasil. Várias empresas brasileiras devem ser compradas nos próximos anos pelos concorrentes gringos ultra-capitalizados.
  2. todas essas empresas e muitas outras já estão olhando para o Brasil de forma diferente e vendo um potencial muito maior aqui. O primeiro passo já está sendo disponibilizar versões do software e suporte em português.

A boa notícia

A boa notícia é que ainda dá tempo. E para te ajudar com isso eu já separei os melhores conteúdos para você estudar mais profundamente sobre o tema. Existe muito mais coisas por ai, mas o foco depois de entender bem o conceito é pensar em como colocar em prática.

Minha palestra em PDF

Os melhores ebooks sobre PLG

PQL

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