Eleições na Era da Informação: Big Data, Fake News e Barack Obama

Gabriel Luz
Gabriel Luz
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8 min readMay 13, 2019

Como a análise de dados tem impacto o processo eleitoral

Olá, bem vindo a mais um artigo!

Antes de mais nada, você já pode imaginar que por se um artigo sobre política, verá muitas polêmicas e problematizações aqui, mas meu intuito é ser o mais neutro possível e me ater somente aos fatos (comprovados). Meu objetivo ao escrever sobre esse tema é mostrar um pouco de como o cenário tecnológico atual tem efeitos nesse momento tão importante para um país, que é o processo eleitoral. Sendo assim, não vou escrever sobre minhas posições políticas e/ou fazer comentários sobre as posições de candidatos x ou y. Vou me prender aos conceitos tecnológicos e como eles atuam nesse contexto.

Introdução

Estamos no final da década de 2010 e é perceptível que o mundo e, consequentemente, a dinâmica das eleições mudou radicalmente nos últimos anos.

Para se ter uma ideia das mudanças ocorridas, já nas eleições de 2014, assuntos relacionados a esse tema renderam cerca de 39 milhões de Tweets e mais de 650 milhões de postagens no Facebook (incluindo curtidas e comentários), no período de julho a outubro de 2014. Ou seja, nunca antes os eleitores tiveram essa oportunidade de expressar opiniões de maneira individual. Estamos vivenciando as eleições na Era do Big Data (se não é familiarizado com esse assunto, dê uma lida neste artigo).

Você rola seu feed de notícias, pesquisa aquela página interessante, reage a algumas publicações. Quando vai a um lugar novo, pesquisa o caminho no GPS. Ao comprar produtos online, fornece informações sobre seu cartão de crédito. Tudo o que fazemos com nossos smartphones e computadores pessoais deixa um rastro digital e todos esses dados dizem quem você é, o que gosta de fazer, quais são seus medos, ambições e sentimentos em relação a algum assunto. E atualmente essas informações ajudarão softwares a te dizer em quem votar.

Inteligência Artificial e as Redes Sociais

O estudo sobre eleitores não é novo e precede a tecnologia que temos a disposição nos dias de hoje. Há décadas os profissionais da área de marketing eleitoral tem em mente que as pessoas recebem e processam informações de forma seletiva, não dando tanta importância a discursos discordantes de suas opiniões pessoais. Em função desse fator, sempre foi necessário segmentar eleitores e trabalhar estratégias específicas para cada sub-grupo. Porém, essa divisão era feita basicamente de forma demográfica e ideológica. A realidade do Big Data e IA permite identificar diversos outros tipos de padrões que podem ser utilizados nessa segmentação.

A disputa por presença digital e extração de conhecimento útil a partir dessa quantidade gigantesca de dados fez surgir empresas especializadas no tema, que construíram softwares capazes de processar dados de diversas fontes. Exemplo disso é a startup brasileira Stilingue. Intitulado de War Room, o software da empresa utiliza o sub-campo da Inteligência Artificial chamado de Processamento de Linguagem Natural (PNL), que é uma das áreas de maior impacto e mais desafiadores em IA. É o tipo de técnica responsável por analisar, entender e generalizar a linguagem humana. Com essa tecnologia, a empresa é capaz de monitorar e coletar dados em tempo real de mais de 1000 veículos de divulgação, 100 mil blogs, fóruns e as principais redes sociais do mundo.

Para a política, essa patrulha automatizada possui aplicações desde gestão da imagem do candidato (inclusive fazendo reconhecimento facial de memes) até a psicometria (análise de personalidade dos eleitores). Nessa última aplicação, como o software é capaz de identificar e segmentar grupos de eleitores a favor ou contra determinado assunto, os políticos conseguem fazer um “corpo a corpo” virtual para, por exemplo, tentar convencer pessoas indecisas. Em entrevista a BBC (link nas referências), o presidente da Stilingue, Rodrigo Helcer, comenta o impacto desse tipo de tecnologia.

A inteligência artificial permite que a gente automatize um trabalho que antes era bastante operacional em um escala muito maior. A mudança é comparável com a invenção do microscópio, que permitiu a descoberta de um mundo completamente novo, que antes era invisível.

Barack Obama — The Big Data President

O primeiro grande candidato a fazer uso intensivo de tecnologias de Analytics (ferramentas de análise de dados) foi Barack Obama, que possuiu uma equipe de Data Science nas eleições de 2008 e 2012. Em sua primeira eleição presidencial, Obama surpreendeu ao se fazer extremamente presente nas redes sociais além de elaborar diversas estratégias para entrar em contato com diversos públicos. Por exemplo, após debates, eventos e aparições na TV, os calls centers da campanha conduziam uma enorme quantidade de curtas entrevistas que tinham como objetivo verificar as preferências do eleitor. Esses dados posteriormente eram passados por diversos algoritmos de Machine Learning para buscar padrões de comportamento entre as opiniões. Essas práticas colocou a campanha do democrata bem a frente do candidato republicano John McCain, que contou com formas mais tradicionais de estudos estatísticos.

Em 2012 os democratas repetiram a mesma metodologia e foi tamanha importância que Obama deu às tecnologias de Data Science que no último ano de sua gestão, ele fez um anúncio para criar de forma oficial o cargo de Cientista de Dados Chefe de seu governo.

Neste próximo vídeo você pode conferir o que Dee Jay Patel, o Cientista de Dados escolhido por Obama, tem a dizer sobre os impactos da Ciência de Dados na sociedade norte-americana.

Já nas eleições presidenciais de 2016, a Cambridge Analytica, consultoria de Big Data contratada pelo Donald Trump, conseguiu vencer a campanha altamente Data-Driven (expressão usada para definir empresas, organizações e projetos que possuem as decisões baseadas em análise de dados) da então candidata Hillary Clinton. No vídeo abaixo você pode conferir uma apresentação feita pelo CEO da empresa sobre Big Data nas eleições.

Em março de 2017, a Cambridge Analytica firmou parceria com a brasileira A Ponte Estratégia, com objetivo de atuar nas eleições de 2018. Será, de fato, um case interessante, pois a legislação brasileira (Marco Civil da Internet) impõe certas restrições a atuação de candidatos na rede. Vamos ver como as empresas irão lidar com o desafio de ajustar as tecnologias de Big Data à realidade do Brasil.

Inteligência Artificial prestando um desserviço a sociedade — Fake News

Ao longo de 2017 a expressão Fake News ganhou bastante notoriedade, muito por conta do papel que esse “fenômeno” desempenhou nas últimas eleições presidenciais norte-americanas.

O jornal The New York Times define Fake News como uma “história inventada com a intenção de enganar”. Evidentemente esse conceito existe a séculos mas como muitas outras coisas, foi intensificado com a internet e a popularização das redes sociais. Antes da rede mundial de computadores a propagação desse tipo de informação (ou desinformação) era muito mais cara e demorada.

O atual presidente dos EUA colaborou bastante para a popularização dessa expressão, inclusive reivindicando como sendo sua criação. Durante a campanha, ele fez constantemente uso desse termo para atacar rivais políticos e alguns veículos de imprensa que eram seus críticos.

Entretanto, segundo este estudo, da Universidade de Stanford, Donald Trump foi um grande beneficiado das Fake News. Segundo a pesquisa, histórias falsas pró-Trump foram cerca de 22 milhões de vezes mais compartilhadas que a favoráveis a sua adversária.

A inteligência artificial desempenha um papel importante na disseminação de Fake News. Muitos grupos com interesses específicos em um assunto estão criando “robôs” que gerem perfis falsos em redes sociais com intuito de espalhar notícias de fontes não confiáveis. Chamados de social bots, esses robôs possuem uma considerável capacidade de se manisfestar politicamente e em algumas situações a interagir com seres humanos dentro da rede.

Em entrevista a BBC, o professor de ciência da computação da UFMG, Fabrício Benevenuto, contou que em 2013 seu grupo de pesquisa criou 120 social-bots no Facebook e Twitter. Uma pequena fração foi bloqueada mas alguns ganharam bastante destaque, a ponto de bater celebridades como Justin Bieber em medidores de influência como Twitalyzer.

Entretanto, pesquisadores também estão levando a inteligência artificial a atuar no outro lado da moeda, na checagem de fatos. Empresas como o próprio Facebook estão construindo e treinando modelos de Machine Learning que “leem” artigos denunciados como sendo Fake News e com isso aprendem a identificar certos padrões comuns nesse tipo de atividade. Contudo, os algoritmos de IA disponíveis atualmente ainda possuem uma capacidade de generalização limitada, ou seja, eles ainda não lidam muito bem com o fator novidade. Tudo o que esses algoritmos aprendem é por meio de diversos exemplos, e obviamente, quando um nova Fake News surge, não existe nenhum exemplo prévio dela. Porém, vale ressaltar que a PLN, mencionada anteriormente, é principal técnica de identificação de notícias falsas. Este é um campo em rápida expansão. Temos como o Google Tradutor, que nos últimos anos apresentou grandes avanços, justamente fazendo uso das pesquisas mais recentes na área de Processamento de Linguagem Natural.

De fato as ferramentas de IA ainda têm muito a evoluir antes de estarem completamente efetivas no combate às Fake News. Atualmente esse tipo de tecnologia deve ser considerada como auxílio ao trabalho humano de verificar informações.

Caso você não tenha assistido, confira essa reportagem exibida no programa Fantástico, da rede Globo, no dia 25/02/2018. Essa matéria detalhe como grupos atuam na disseminação de notícias falsos e no grande mercado negro que existe ao redor desse tipo de atividade.

Conclusão

O cenário de eleições parece ter ficado ainda mais complexo do que era antes. Sua opinião em relação a tecnologia nesse momento pode te levar a crer que ela veio para complicar nossa vida. Porém, acredito que da mesma forma como ficou mais fácil para os políticos agirem e nos manipularem, as informações também se tornaram um bem de mais fácil acesso para grande parte da população. Sendo assim, nestas eleições procure estar bem atento às publicações que você compartilha. Não incentive discursos radicais, seja de esquerda ou de direita. Já estão a serviço da sociedade diversas iniciativas que ajudam na checagem de fatos, tais como: o site e-farsas, a plataforma aos fatos e o projeto Truco. Busque sempre saber se uma notícia de fato é verdade 😉

Extra — Quais tecnologias estão por trás disso tudo?

Caso você seja um aspirante a Cientista de Dados, como eu, vai gostar de conferir esta entrevista que um dos responsáveis pelas campanhas de Barack Obama concedeu ao famoso site KDnuggets. Durante a entrevista ele comenta que usaram a linguagem de programação R e famosas técnicas de Machine Learning, como Decision trees, SVM e modelos de regressão. Além de tecnologias como Hadoop, para computação distribuída.

Se estiver interessado, dá uma conferida neste tutorial que fiz a alguns meses sobre como aplicar análise de sentimentos nos Tweets do Donald Trump.

É isso aí pessoal, espero que tenham curtido mais este artigo.

Abraço

Referências

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Gabriel Luz
Gabriel Luz

Estudante de engenharia eletrônica, aspirante a cientista de dados e apaixonado por tecnologia.